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Frida Kahlo e a radiologia



Muitos radiologistas tendem atualmente a banalizar os exames de articulações, uns por achar que são fáceis ou que servem para “fazer volume”, outros por considerar que eventuais erros diagnósticos não causam danos significativos, esquecendo que por trás das imagens existem pessoas que não deveriam ser negligenciadas.


Grande parte do sofrimento da pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954) foi decorrente de problemas ortopédicos. Aos seis anos contraiu poliomielite, ficando com sequela responsável não só pelo problema físico em si, mas por bullying que a acompanharia por toda infância e juventude, quando era conhecida por “Frida perna de pau”. Seu caráter resiliente e criativo fez com que, para esconder a deformidade, criasse um estilo próprio de moda, com saias longas exóticas e calças compridas não usuais para as mulheres da época.


Outra adversidade ocorreu aos dezoito anos, quando o bonde onde estava chocou-se com um trem e Frida sofreu diversas fraturas na coluna e na bacia, sendo submetida a mais de 35 cirurgias e ficando muitos meses internada. Durante os períodos de convalescência começou a pintar usando um cavalete adaptado à cama. Como efeito secundário das fraturas nunca conseguiu levar uma gestação a termo, sofrendo vários abortos. Tentou o suicídio diversas vezes, usando a pintura como forma de externar seu sofrimento. Aos que consideravam Frida uma pintora surrealista, ela declarou “Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade”.


Seu último autorretrato foi a obra “Autorretrato con el retrato del doctor Juan Farill” (1951) exposta na galeria Arvil na Cidade do México dedicada ao ortopedista Juan Farrill (1902-1973), responsável por sete cirurgias na coluna de Frida. Na paleta está representado o coração de Frida, como se pintasse com o próprio sangue, evidenciando o estilo visceral de suas obras. O Dr. Farril foi quem descreveu em 1953 a técnica de mensuração de diferenças no comprimento dos membros inferiores utilizada até hoje, e que você pode conferir na página http://www.mskrad.com.br/outros-2.


Esses acontecimentos interligados devem nos fazer refletir sobre algumas questões:

Ao banalizar um exame não estamos levando em consideração os desdobramentos de determinada alteração na vida (e qualidade de vida) de uma pessoa. Não é porque existem exames muito importantes, como os oncológicos, que os outros não tenham sua importância. Problemas ortopédicos podem causar incapacidade para prática de atividades físicas, término precoce de carreiras, dor crônica, inadequação social, depressão e diversos problemas que aumentam o risco de suicídio. Além disso, a banalização de qualquer exame significa também a banalização da própria especialidade, com graves consequências a médio e longo prazo, ainda mais com os novos avanços tecnológicos.


O aprendizado baseado apenas na repetição da cultura oral e em informações superficiais também podem nos levar a propagar erros. O ótimo trabalho de Henrique Zambenedetti Werlang e cols., “Escanometria dos membros inferiores: revisitando dr. Juan Farill (Radiol Bras 2007;40(2):137–141) coloca bem essa questão: “... poucos especialistas tiveram a oportunidade de ler o artigo original do Dr. Juan Farill, e quase sempre aprenderam o método com alguém que também não o leu. Consequentemente, a forma de medir não é padronizada e resultados incorretos são obtidos, comprometendo o tratamento dos pacientes, o qual varia conforme o tipo e o grau da deformidade constatada” (http://www.scielo.br/pdf/rb/v40n2/14.pdf).


Atualmente temos muita informação resumida na internet, útil para consultas rápidas, mas que não deve substituir a história e o conhecimento mais embasado e aprofundado, assim como a tecnologia e novas formas de trabalho não devem nos levar a negligenciar o fator humano.

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