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Fx do úmero proximal: por que é tão difícil?


Uma boa classificação deve ser reprodutível e padronizar uma linguagem de comunicação que gere diretrizes para o tratamento e dê ideia do prognóstico. O grupo AO/OTA criou um sistema universal de classificação das fraturas em 1996, revisado em 2018, que é amplamente aceito e melhorou dramaticamente a forma da comunicação e de armazenamento de dados. Porém, é um sistema complexo e de difícil compreensão para o não-especialista por ter diversas subdivisões: as fraturas são inicialmente divididas em 3 grandes grupos - A (extra-articulares), B (articulares parciais) e C (articulares completas) - e depois subdivididas de acordo com a forma da fratura, presença de fragmentação, avulsão, impactação, deslocamento, direção do deslocamento, luxação/subluxação, instabilidade, extensão diafisária, depressão articular, etc., com critérios nem sempre bem conhecidos pelos radiologistas.


Já as classificações “clássicas” são mais simples e conhecidas por todos, com várias diretrizes já estabelecidas de acordo com os tipos descritos, como a classificação de Neer para as fraturas do úmero proximal. Por este motivo, alguns conceitos da classificação de Neer foram incorporados à classificação do grupo AO/OTA, o que fez com que a essa classificação tenha algumas diferenças em comparação com as demais articulações.


Um ponto em comum das classificações é que elas se baseiam em determinados critérios específicos, que podem ser o mecanismo do trauma, a localização anatômica, os tipos de conduta (conservadora x cirúrgica), o acometimento de outras estruturas e/ou o prognóstico. Neer tentou criar na década de 70 uma base conceitual para as fraturas do úmero proximal enumerando os fragmentos deslocados (tubérculos maior e menor, porção articular da cabeça, colos anatômico e cirúrgico). Porém, dificilmente uma única classificação consegue reunir todos os pontos relevantes para definição de conduta e prognóstico – o próprio Neer acrescentou à sua classificação original o subtipo ‘fratura impactada com desvio em valgo’ em 2002. Mas, apesar da ampla utilização, diversos trabalhos encontraram índice de concordância interobservador variando de insatisfatório a moderado na classificação de Neer e também na classificação do grupo AO/OTA, questionando sua reprodutibilidade.


Deve ser levado em consideração que quase todas as classificações de fraturas foram baseadas no RX, um exame operador e paciente dependentes, susceptível a técnica inadequada e não colaboração pela dor e limitação funcional. A TC mostra as fraturas sem interferência da sobreposição e permite reconstruções tridimensionais e multiplanares corrigindo problemas de posicionamento, muitas vezes alterando a ideia inicial que se tinha da fratura baseada apenas nas imagens radiográficas. Entretanto, o desconhecimento dos conceitos por trás das classificações costuma levar a interpretações e descrições equivocadas, mesmo ao se analisar imagens seccionais de TC ou RM. No caso das fraturas do úmero proximal, as principais causas de erro no laudo seriam:


- Confundir os termos ‘partes’ da classificação de Neer com o número de segmentos envolvidos. ‘Partes’ nesse caso se refere ao número de fragmentos com deslocamento e angulação significativos.


- Desconhecer os critérios que definem o que é ou não significativo (deslocamento > 1 cm e angulação do fragmento > 45° segundo Neer).


- Não estar familiarizado com os padrões de deslocamento dos fragmentos e com os termos ‘desvio em varo e valgo’ das fraturas, que é como os ortopedistas se referem à angulação da cabeça umeral no plano coronal.


- Confundir deslocamento, angulação e luxação ou inverter o ponto de referência para determinar a direção do desvio.


- Por não fazer parte das classificações, a grande maioria dos radiologistas também desconhece dados relevantes para o tratamento e prognóstico, como o aspecto da dobradiça medial e a extensão metafisária das fraturas da cabeça umeral que tem papel importante no risco de necrose avascular.


Portanto, não é recomendável classificar as fraturas nos laudos radiológicos, mas sim compreender as diversas classificações para informar corretamente os pontos relevantes para o ortopedista: qual(is) a(s) parte(s) do osso acometida(s) de acordo com a nomenclatura descrita nas classificações mais utilizadas, identificar se há ou não deslocamento ou desvio em varo/valgo significativos, avaliar corretamente as fraturas articulares, alertar para as situações de risco de necrose avascular, saber as particularidades das fraturas nas crianças, fornecer imagens de boa qualidade para auxiliar no planejamento cirúrgico, tanto as obtidas pelas reconstruções MPR (que devem estar no eixo correto) quanto as 3D (que devem incluir imagens isoladas do úmero com supressão da escápula).

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