Hábito significa maneira usual de ser, fazer ou sentir; costume, modo frequente de comportar-se, são as nossas rotinas automáticas. E quando entendemos como funcionam essas rotinas fica bem mais fácil construir ou modificar comportamentos repetitivos.
Charles Duhigg, autor do livro “O poder do hábito”, afirma que os hábitos seguem um padrão: existe um gatilho, um estímulo que nos faz entrar no modo automático, que nos leva a uma rotina, a forma como executamos a tarefa desencadeada pelo gatilho. E, em seguida, vem a recompensa, que sinaliza se vale a pena ou não repetir essa ação no futuro. Os hábitos podem ser negativos ou positivos, e a grande dificuldade de mudar hábitos antigos é não querermos perder a recompensa que ele nos trás.
O hábito costuma ser muito associado a Aristóteles, que era um grande defensor do hábito como forma de se atingir a virtude moral, daí a famosa frase “Nós somos o que repetidamente fazemos. A excelência, então, não é um ato, mas um hábito”, atribuída a Aristóteles, mas que, na verdade, é do filósofo e historiador Will Durant, que a usou para resumir o pensamento aristotélico.
Uma forma de atingirmos a excelência é adquirirmos hábitos, sendo que alguns deles dizem respeito à nossa rotina de trabalho. Na tentativa de ser mais produtiva, ao mesmo tempo em que tentava errar menos, adquiri alguns hábitos que me ajudaram muito na rotina diária, passando a trabalhar com mais ordem e método:
1. Arrumar cada exame sempre da mesma forma
Por exemplo, eu sempre arrumo a ressonância magnética do joelho colocando em uma tela os coronais em cima e os sagitais embaixo e, na outra tela, o transversal. Já nos exames de tornozelo eu coloco os sagitais em cima, os transversais embaixo e na outra tela o coronal e o coronal oblíquo. Esse hábito trouxe as seguintes recompensas:
Identifico logo se há alguma sequência faltando e solicito o envio antes de começar a análise do exame, evitando ter que parar tudo no meio por só ter dado falta de determinada sequência um tempo depois.
Facilita o checklist e a detecção mais automática de alterações.
A mesma ordem de análise cria uma ordem mental natural de avaliação que evita o esquecimento de determinada estrutura ou região que pode ficar sem ser examinada.
2. No caso do exame bilateral analisar os dois lados em conjunto
Quando o paciente faz o exame das duas articulações, apesar dos laudos serem dados separadamente, eu coloco o lado direito em uma tela e o esquerdo na outra para poder comparar um lado com o outro. Dessa forma eu consigo:
Fazer uma “calibragem” das alterações, que seria ajustar os achados semelhantes com descrições semelhantes. Por exemplo, não é incomum ao analisar um lado não valorizar uma quantidade discreta de líquido e colocar como ausência de derrame articular, e no outro lado colocar pequeno derrame articular, sendo que na verdade a quantidade de líquido é praticamente igual nos dois lados. Avaliando ambos ao mesmo tempo conseguimos fazer esse ajuste de considerar normal ou alterado nos dois lados quando eles são praticamente iguais.
Essa comparação também evita descrições semelhantes com achados de intensidade muito diferentes. Seria o caso de uma articulação com artrose, em que os laudos podem ficar exatamente iguais, com a descrição de osteofitos, afilamento condral, cistos e edema subcondrais, mas um lado é muito pior que o outro. Analisando em conjunto podemos colocar que é mais acentuado em determinado lado ou mais discreto no outro.
Existem casos em que ficamos na dúvida se é uma alteração ou apenas um achado normal, como hipersinal adjacente à fise em crianças, onde ajuda muito a análise em conjunto da articulação contralateral.
3. Depois de arrumar o exame conferir os dados
Conferir nome, sexo e idade nos permite ter certeza de que foi feito o paciente correto.
Conferir data, pedido médico e questionário nos permite ter certeza de que aquele é o exame correto. Porque podemos abrir um exame anterior daquele paciente em vez do atual, ter sido feito o exame do lado errado, ou o exame que foi feito não é o mais adequado pela indicação – isso acontece muito em exames de escápula e peitoral, por exemplo, que muitas vezes são cadastrados como ombro e é feito apenas exame do ombro.
Conferir o nome e especialidade do médico solicitante ajuda a conhecermos melhor quem encaminha os exames, estreitando o contato e o compartilhamento de informações sobre o caso, como ajuda naqueles casos duvidosos, em que a confiança na indicação e resultados do exame físico podem auxiliar na valorização ou não de um achado.
4. Conferir a qualidade técnica dos exames
Vivemos uma época em que o radiologista se colocou na posição de laudar qualquer exame a todo custo. Mas, as imagens são a matéria prima do nosso trabalho, e é impossível ter um resultado final de qualidade se a matéria prima não é boa.
5. Verificar se o paciente tem exame anterior
É fundamental ver se o paciente tem exame anterior, que não inclui apenas o mesmo exame de agora. Não é porque estou laudando uma RM do quadril que devo buscar só por RM de quadril prévia. RM da bacia, RM da pelve, tomografia do abdome, ultrassonografia, cintilografia, PET, qualquer exame que inclua aquela região anatômica pode ter alguma informação útil. Além de podermos avaliar se houve melhora ou piora evolutiva, ajuda a não deixarmos passar achados pré-existentes já descritos que agora podem ser mais sutis e a termos acesso a mais informações.
6. Sempre começar a avaliação pelo lado direito
Para reduzir o risco de troca, eu sempre começo analisando primeiro o lado direito e depois o esquerdo. Da mesma forma, na clínica os técnicos são orientados a sempre começar o exame pelo lado direito. Vimos que essa prática reduziu bastante a troca de lado, tanto na identificação dos exames, como nos títulos dos laudos. Uma exceção seria aquele caso onde o paciente é muito mais sintomático no lado esquerdo, e não sabe se vai conseguir fazer os dois exames, por dor ou claustrofobia. Nesse caso, começamos pelo esquerdo para garantir que seja feito o exame mais importante.
7. Sempre começar a avaliação por um determinado compartimento
Outro hábito que adquiri é começar sempre por um compartimento específico em cada articulação. Por exemplo, no joelho eu descrevo sempre primeiro o compartimento medial e depois o lateral, independente de qual deles está alterado. As vantagens foram:
Reduziu muito a troca de medial por lateral, principalmente nas lesões meniscais.
O hábito de descrever primeiro onde está a alteração, deixando o normal para depois, pode induzir a negligenciarmos alterações mais sutis no outro compartimento, já assumindo de antemão que ele está normal. Um exemplo comum é o paciente com rotura do ligamento cruzado anterior que tem uma rotura bem evidente no menisco lateral e o menisco medial acaba ficando em segundo plano como “o menisco normal”, que pode ter uma alteração mais sutil, como uma “ramp lesion”, que acaba não sendo descrita.
“O cotidiano nos mostra mais sobre nós do que qualquer evento extraordinário”. Geones Oliveira.
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