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A lagosta


Conheci a história da lagosta através do rabino e psiquiatra Abraham Twerski.

A lagosta, desde pequena, produz uma casca rígida que a protege. Entretanto, a lagosta começa a crescer e a carapaça dura e resistente que servia tão bem à proteção passa a impedir seu crescimento, gerando um grande desconforto. A lagosta tem então duas opções: permanecer com a carapaça e morrer sufocada ou se libertar dela e ficar vulnerável a predadores. As lagostas sempre escolhem procurar uma gruta para se libertar da casca dura em segurança e esperam que outra carapaça maior se forme. Com o novo invólucro saem livres da casca antiga que tinha se transformado em prisão e, ao final de um ano, o processo se repete mais uma vez e assim segue enquanto a lagosta cresce.


Todos nós tendemos a querer permanecer dentro da “casca da zona de conforto”, sem perceber que ficar nela muitas vezes impede nosso crescimento. Precisamos de uma dose de desconforto para mudar padrões e atitudes e se libertar de carapaças que nos aprisionam.


Na busca do conhecimento e aprimoramento profissional é importante aceitamos situações que podem ser desconfortáveis: que nunca sabemos o bastante, não somos perfeitos e erramos (independente dos anos de experiência e estudo), que tudo muda constantemente, conceitos que aprendemos que pareciam inquestionáveis se toram obsoletos, que somos vulneráveis a diversas condições incontroláveis, etc.


É importante conhecermos nossas falhas e fraquezas para que a evolução pessoal aconteça e dificilmente isso ocorre sem algum grau de desconforto e sofrimento. Mas, se aceitamos esse processo, a recompensa será nos tornarmos livres de novo e muito mais fortes para enfrentarmos novas situações.


São várias as “carapaças” da nossa profissão que impedem nossa evolução:


- Confundir velocidade e quantidade com eficiência. Nossa sociedade sempre valorizou a quantidade, mas é uma ilusão achar que fazer exames cada vez mais rápidos e laudar em grande quantidade nos faz profissionais eficientes. Em tempos de mudanças (seja com a chegada da inteligência artificial ou de uma pandemia) vemos que basear nossa qualificação em quantidade é tão superficial e efêmero quanto considerar sucesso pelo número de seguidores e curtidas no Instagram. Se libertar do volume e focar na qualidade do nosso trabalho não é simples, mas é o que vai nos diferenciar nos tempos difíceis.


- Não aceitar críticas. Muitos ficam ressentidos quando alguém aponta alguma falha. É importante trabalhar a inteligência emocional para usar os erros como forma de discussão e crescimento coletivo. Até porque, quem criticou pode não estar totalmente certo e isso servir como forma de crescimento para ambos.


- Não aproveitar as crises como aprendizado. Quando uma ameaça chega, nossa tendência natural é nos lamentarmos, criando uma espiral crescente e coletiva de sofrimento. Mas algumas mudanças só acontecem quando surge algum problema que precisa ser enfrentado. A inteligência artificial, por exemplo, gerou o resgate do maior contato do radiologista com os médicos assistentes, da valorização do contato humano, da preocupação com protocolos, etc. A pandemia do coronavírus tem gerado discussões sobre menos individualismo e mais foco no coletivo. Devemos extrair reflexões que levam a melhorias com as crises e não fomentar mais sofrimento.


- Não buscar fugas ilusórias. Muitos tentam escapar do sofrimento de não se acharem bons o bastante evitando desafios, seja dizendo que não sabem laudar ou executar determinados exames ou trabalhar em equipamentos de outros fabricantes. Claro que é mais confortável ficar apenas com os exames simples, mas isso também torna o profissional muito mais incompleto e vulnerável. A segurança emocional pode se transformar em insegurança nos novos mercados.


- Percepção equivocada do aproveitamento do tempo. Esse tema é bem complexo e merece um post exclusivo. Mas, no contexto da lagosta, é o entendimento que às vezes precisamos parar e nos demorar em uma questão. Achamos que estamos aproveitando melhor o tempo e aprendendo mais quando absorvemos muito conteúdo de forma rápida e resumida, pois isso nos permite acesso a maior volume de informação. Matematicamente é verdade: conteúdos rápidos permitem visualização de maior número de assuntos. Entretanto, o verdadeiro conhecimento vai além de um resumo da radiopedia ou a assistir um vídeo de dez minutos no Youtube. Esse tipo de conteúdo é válido para nos introduzir aos temas e muito útil para consulta em momentos de dúvida, mas você não vai dominar um assunto só com isso. Para isso, é importante não focar apenas no “tempo gasto”, mas no entendimento de que conhecimento é uma construção: precisa de base, alicerces, pesquisa, questionamentos, senso crítico, e isso não é rápido.


Use a sabedoria da lagosta: aceitar que a dor é anunciadora de uma nova etapa e que às vezes precisamos nos recolher e nos permitir o tempo necessário para sedimentar os aprendizados e sairmos renovados para enfrentar os novos desafios.


A vida é um processo de crescimento, uma combinação de situações que temos de atravessar. As pessoas falham quando querem eleger uma situação e permanecer nela. Esse é um tipo de morte.” Anaïs Nin (1903-1977; escritora famosa pela publicação de diários pessoais cobrindo um período de sessenta anos, considerado hoje um documento de grande importância literária, psicanalítica e antropológica do século XX. O filme "Henry & June" (1990), foi baseado no período em que Anaïs Nin conheceu Henry Miller)


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