É muito comum acharmos que por mais esforço, tempo e energia despendidos não sentimos que melhoramos na mesma proporção da dedicação. O educador e palestrante Eduardo Briceño identificou duas “zonas” que ocupamos frequentemente na proporção inadequada - a zona do desempenho e a zona do aprendizado - e propôs estratégias para usá-las de forma mais satisfatória.
Na zona do aprendizado o objetivo é o aperfeiçoamento, é onde buscamos conhecimento e fazemos atividades nos concentrando naquilo que não dominamos. É onde nos permitimos errar, pois sabemos que vamos aprender com os erros, e também buscamos ferramentas fora do assunto de interesse que nos ajudam a melhorar a performance. Na zona do desempenho é onde aplicamos intencionalmente tudo que aprendemos; nosso objetivo é executar da melhor forma possível, então nos concentramos naquilo que dominamos e não nos permitimos errar.
Uma das razões de não melhoramos apesar do trabalho árduo é gastar quase todo tempo na zona de desempenho. No caso específico da radiologia seria focar principalmente nos laudos: enquanto somos aperfeiçoandos acreditamos que quanto maior o número de laudos maior será nossa evolução e quando já temos mais experiência nos achamos capazes o suficiente, então paramos de ir à zona da aprendizagem dedicando todo tempo apenas em fazer nosso trabalho. Não quer dizer que a zona de desempenho não tenha valor: é motivador e nos permite identificar os pontos que precisamos desenvolver. O caminho para o alto padrão é alternar de forma equilibrada ambas as zonas, construindo habilidades na zona de aprendizagem e aplicando-as na zona de desempenho.
Muitas vezes não sabemos como e no que melhorar na radiologia musculoesquelética porque a ortopedia é uma área que não costumamos ter familiaridade. Além disso, nossos ambientes muitas vezes são de alto risco, onde se espera algo próximo da perfeição, o que nos limita a uma zona de conforto rejeitando potenciais erros, evitando determinados laudos e não desenvolvendo estratégias de feedback. Como romper esse ciclo vicioso? Em primeiro lugar, detectar o que precisamos desenvolver dentro da zona do aprendizado da radiologia musculoesquelética:
- Entender os protocolos e saber orientar os exames
É fundamental saber o porquê de cada sequência e ter senso crítico sobre o padrão técnico da imagem – a qualidade é suficiente para detectarmos as possíveis alterações naquele caso? A marcação foi adequada em relação aos planos anatômicos? Acrescentaria ao diagnóstico alguma sequência extra ou uso de contraste? Precisamos sair da rotina em determinado caso? Quando o paciente deveria ser reconvocado?
- Discutir ética
Como especialistas em medicina diagnóstica devemos ter certeza de que foi feito o melhor possível em benefício do paciente. Portanto, antes da confecção do laudo devemos também ter uma análise ética de cada caso: você se sente confortável em laudar este exame? O exame está realmente satisfatório? Está confiante de que todos os recursos disponíveis foram utilizados e que o paciente não está sendo prejudicado por imagens insuficientes para excluir os principais diagnósticos diferenciais? Há risco de deixarmos passar uma lesão que tenha consequências para o paciente? Em que situações não seria ético dar um laudo ou até mesmo não realizar um exame?
- Conhecer a anatomia e a fisiopatologia aplicadas
Devemos ir além da anatomia do atlas, entendendo também o que tem ou não relevância clínica. Conseguimos, a partir dos achados, identificar o mecanismo envolvido e quais as estruturas potencialmente acometidas nesta situação? Quais lesões podemos suspeitar ou até mesmo afirmar apenas por achados indiretos? Quais as lesões passíveis de tratamento cirúrgico e o que é importante informar ao cirurgião?
- Saber como descrever de forma adequada
A descrição deve ter como propósito ser relevante no diagnóstico e auxiliar na conduta e não apenas listar achados isoladamente. Para isso, precisamos entender a suspeita, saber os diagnósticos diferenciais pertinentes ao caso e falar a linguagem do médico solicitante para que toda informação importante seja passada e entendida de forma correta.
- Não descuidar da saúde física e emocional
A ergonomia e um ritmo saudável de trabalho aliados a motivação influenciam nosso desempenho. Da mesma forma, a inteligência emocional tem grande influência na zona de aprendizado, onde estamos mais vulneráveis por sairmos da zona de conforto nos expondo aos inevitáveis erros naturais ao processo de aperfeiçoamento. Devemos abordar as falhas e necessidades de melhorias de forma construtiva, dentro de um trabalho em equipe sempre que possível.
- Encontrar um orientador ou um colega confiável
A observação, a reflexão e o ajuste são zonas de aprendizagem. É importante observar profissionais que admiramos, termos a quem perguntar o que não sabemos e sermos estimulados a refletir onde podemos melhorar ou ajustar nosso desempenho para fazermos ainda melhor da próxima vez.
- Atualização constante
Tudo muda: protocolos são constantemente modificados, achados que já foram considerados irrelevantes passam a ter importância, assim como alterações valorizadas numa época deixam de ser, surgem novos tratamentos que necessitam de informações que antes não eram consideradas... Não devemos permanecer na zona de desempenho com o mesmo conhecimento adquirido de anos atrás, é importante para a evolução mantermos a fluidez com a zona de aprendizado.
Ambas as zonas deveriam ser parte de nossas vidas, mas termos consciência de quando queremos estar em cada uma delas, com que objetivo, foco e expectativas, nos ajuda a evoluir e desempenhar melhor nossas funções.
Comments