Nossa necessidade clínica é entender a utilidade de um teste diagnóstico para o rastreamento das populações sadias, diagnóstico de determinada doença em pessoas com suspeita ou para avaliar a progressão ou resposta a um determinado tratamento.
Um exame pode representar um teste diagnóstico, que pode ser um teste clínico, laboratorial ou um exame de imagem, utilizado para determinar a presença ou ausência de uma doença quando o indivíduo apresenta sinais e/ou sintomas da doença, ou pode ser um teste de triagem, cujo objetivo é identificar na população geral indivíduos assintomáticos que podem ter a doença.
Infelizmente, não existe teste perfeito, no qual todos os pacientes doentes teriam resultado positivo e todos os pacientes saudáveis teriam resultado negativo.
Por exemplo, temos 100 pessoas que fizeram um exame (teste) “X”, cujo resultado foi de 44 positivos e 56 negativos. Isso quer dizer que podemos ter certeza de que 44 realmente apresentam a doença e 56 não apresentam? Não!! Porque sempre vai haver a possibilidade de existirem falsos positivos (positivo mesmo sem a doença) e falsos negativos (negativo mesmo com a doença), conforme o quadro abaixo representando a distribuição dos resultados de exames:
Representação gráfica da distribuição dos resultados de exames, onde na porção superior estão os pacientes com doença, na porção inferior os indivíduos sem doença, à esquerda os resultados negativos e à direita os resultados positivos.
Por isso, é importante conhecermos bem alguns conceitos básicos de bioestatística que são utilizados para descrever o poder de sinais do exame físico e dos exames laboratoriais e de imagem.
E quais seriam os conceitos fundamentais que precisamos saber?
Validade/Acurácia – é a habilidade de um teste em separar os indivíduos doentes daqueles saudáveis. O grau de acurácia de um teste é avaliado em dois grupos de indivíduos: os sabidamente doentes e os não doentes. Ela reflete a proporção de acertos de um teste diagnóstico, ou seja, a proporção entre os verdadeiros positivos e negativos em relação a todos os resultados possíveis.
Na análise da acurácia é importante conhecermos duas probabilidades condicionais, a sensibilidade e a especificidade, que são características fixas de um teste:
Sensibilidade – é a razão entre os pacientes doentes com teste positivo (os verdadeiros positivos) e o total de doentes. Portanto, expressa a probabilidade de um teste dar positivo em quem realmente está doente, representando o quanto o teste detecta a doença. Uma sensibilidade de 80% quer dizer que o exame é positivo em 8 de 10 pessoas que apresentam a doença. Um teste com baixa sensibilidade não identifica muitos pacientes com a doença, enquanto um teste com alta sensibilidade é útil para excluir um diagnóstico quando os resultados são negativos. Isso porque quanto maior a sensibilidade, menor a chance de resultados falsos negativos, pois o teste geralmente consegue identificar mais facilmente o que estamos buscando. Dessa forma, quando um teste de alta sensibilidade é NEGATIVO, há alta probabilidade da pessoa não ter a doença.
Especificidade – é a razão entre os pacientes sadios com teste negativo (os verdadeiros negativos) e o total de sadios. Portanto, expressa a probabilidade de um teste dar negativo em quem realmente não possui a doença. Uma especificidade de 90% quer dizer que o exame é negativo em 9 de 10 pessoas sadias. Um exame com baixa especificidade diagnostica vários pacientes sem a doença como portadores da doença.
Quanto maior a especificidade, menor a chance de resultados falsos positivos, porque o teste é capaz de detectar com mais exatidão o achado em questão, sem “confundir” com outras coisas. A especificidade mede quão bem o exame identifica corretamente pacientes com a doença porque quando um teste de alta especificidade é POSITIVO, há alta probabilidade da pessoa ter realmente a doença.
No exemplo anterior, das 100 pessoas que fizeram o exame “X”, cujo resultado foi de 44 positivos e 56 negativos, na verdade 50 indivíduos apresentavam a doença e 50 eram normais. Ou seja, tivemos 7 falsos negativos e 1 falso positivo. Isso pode ser representado em uma tabela, que permite o cálculo da sensibilidade e especificidade quando sabemos o nº real de doentes e sadios:
Tabela das 100 pessoas que fizeram o exame “X”. Nesse caso, a sensibilidade seria de 43 / 50 = 0,86 ou 86% e a especificidade seria de 49 / 50 = 0,99 ou 99%. Esse teste seria mais específico que sensível.
Na prática, se o resultado deste teste “X” for positivo, muito provavelmente o paciente tem a doença pois sabemos que esse teste tem alta especificidade (apenas 1% de falsos positivos). Mas, se com esse mesmo teste o resultado for negativo, não poderíamos excluir definitivamente o diagnóstico, já que a sensibilidade não é tão alta, podendo um resultado ser falso negativo em 14% dos casos.
A capacidade do exame de identificar corretamente pacientes com uma doença depende também da probabilidade de o indivíduo ter a doença (probabilidade prévia), bem como das características operacionais intrínsecas do teste.
Sensibilidade e especificidade são tipicamente consideradas características do exame em si e descrevem a proporção do resultado positivo ou negativo em quem, sabidamente, está ou não doente. Por este motivo é necessário outro exame, considerado como padrão-ouro, na diferenciação entre doente e não doente. Mas, como são valores não influenciados pela prevalência da doença, podem ser utilizados em diferentes populações e, também, para comparar o potencial diagnóstico de testes diferentes
Já os valores preditivos descrevem o comportamento do teste em uma dada população de pacientes que não sabem se têm a doença. Para um dado teste, os valores preditivos variam de acordo com a prevalência da doença na população de pacientes testada.
Valor preditivo positivo (VPP) – é a proporção de pacientes com resultado do exame positivo que realmente têm a doença. Descreve a probabilidade de um resultado de exame positivo em determinada população de pacientes representar um positivo verdadeiro: se 9 de 10 resultados positivos de exames estão corretos (verdadeiro positivo) o VPP é 90%. Quando um teste diagnóstico tem VPP alto, um paciente cujo teste apresente resultado positivo muito provavelmente tem a doença que está sendo investigada.
Valor preditivo negativo (VPN) – é a proporção de pacientes com resultado negativo no exame que realmente não têm a doença. Representa a possibilidade de um resultado de exame negativo em determinada população de pacientes representar um negativo verdadeiro: se 8 dos 10 resultados negativos do exame estão corretos (verdadeiro negativo) o VPN é 80%. Quando um teste tem VPN alto, um paciente cujo teste apresente resultado negativo muito provavelmente não tem a doença que está sendo investigada.
Valores preditivos positivos e negativos contêm informações sobre o poder do teste (sensibilidade e especificidade) e da população a ser examinada (prevalência da doença), sendo uma medida de maior utilidade clínica. Se a prevalência da doença for alta em uma determinada população, o VPP aumenta e o VPN diminui. Portanto, por serem dependentes da prevalência da doença, não podem ser generalizados para pacientes com perfil diferente daquele do estudo clínico inicial e não permitem a comparação entre diferentes testes diagnósticos.
Por isso, como regra básica, dependendo do nosso objetivo devemos priorizar determinados fatores. Devemos escolher um exame que otimize a sensibilidade ou especificidade, dependendo das consequências de um resultado falso-positivo ou falso-negativo, assim como da probabilidade de doença pré-teste.
Premissas dos exames de triagem ou rastreamento:
A triagem não faz um diagnóstico, mas aponta as pessoas com maior probabilidade de estarem doentes. Essas são submetidas a um teste diagnóstico para comprovar ou não a presença da doença.
O objetivo Principal é não perder doentes.
É indicada em caso de doença séria, se o tratamento na fase assintomática é mais benéfico do que na fase sintomática e em casos de alta prevalência.
Os resultados falso-positivos que podem ocorrer no rastreamento não representem um ônus que excede o benefício.
O ideal é aquele que é sempre positivo em quase todos os pacientes com a doença, de forma que o resultado negativo exclua com confiança a doença em indivíduos saudáveis.
Portanto, quando rastreamos uma doença, os exames com maior SENSIBILIDADE são preferíveis em relação àqueles com maior especificidade, pois são melhores para excluir a doença (menos falso-negativos).
E nos casos de doenças muito raras?
Apesar de alta sensibilidade ser um atributo muito importante para exames de rastreamento, a especificidade também é importante em certas estratégias de rastreamento, como nos casos das doenças muito raras. Isso porque em populações de baixo risco ou para doenças incomuns, nas quais o tratamento tem menor benefício e maior risco, são preferíveis exames com maior especificidade. Lembrando que nos casos de doenças raras devemos utilizar os testes numa subpopulação em que a prevalência seja mais elevada, porque com isso o valor preditivo positivo de um exame de rastreamento aumenta.
Exames de acompanhamento
Quando a intenção é afastar o diagnóstico de uma doença ou condição, como por exemplo, em paciente suspeito de recidiva ou progressão da doença, o melhor teste também deve ter alta SENSIBILIDADE porque terá mais impacto no valor preditivo negativo. Ou seja, se o teste der resultado negativo é muito pouco provável que a pessoa esteja, de fato, doente.
Premissas dos exames diagnósticos (confirmatórios):
Quando a intenção for o diagnóstico de uma doença, o melhor teste é aquele com alta ESPECIFICIDADE porque terá mais impacto no valor preditivo positivo. Ou seja, se o teste der resultado positivo é muito pouco provável que a pessoa não esteja, de fato, doente.
Portanto, os exames com maior especificidade são preferíveis em relação àqueles com maior sensibilidade, pois são capazes de detectar com mais exatidão o achado em questão (menos falsos positivos).
Os exames devem ser realizados com deliberação e finalidade e com a expectativa de que os resultados reduzam a ambiguidade em relação ao problema do paciente e contribuam para a saúde. Além do risco de fornecer informações enganadoras (retardando o início do tratamento ou induzindo a tratamento desnecessário), os exames de laboratório consomem recursos limitados e podem expor o paciente a riscos de efeitos adversos do próprio exame.
“Medicina é uma ciência de incerteza e uma arte de probabilidade”.
Sir Willian Osler
Sendo a medicina uma profissão, as certezas e os dotes artísticos ficarão ainda mais precários.