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Evitando os erros cognitivos


No mês anterior no texto “Pensando sobre os pensamentos” vimos as duas formas básicas do pensamento: o heurístico e o analítico. O pensamento heurístico tem diversas vantagens, mas está mais associado a viés cognitivo.

É fundamental reconhecer os principais tipos de erros cognitivos (quando a alteração é detectada, mas mal interpretada) que podem ocorrer ao formularmos uma hipótese diagnóstica:

1 - Heurística da disponibilidade

A nossa memória tem limites; não nos lembramos com a mesma facilidade e rapidez de todos os diagnósticos diferenciais possíveis para cada caso. A heurística da disponibilidade reflete a tendência de sermos indevidamente influenciados por experiências que nos lembramos mais facilmente, acreditando que, por isso, elas serão mais prováveis apenas por estarem mais “disponíveis” à memória. Ou seja, julgamos a probabilidade de um evento nos baseando no quão fácil os exemplos vêm à nossa mente, reduzindo, com isso, a sensibilidade para eventos que não vemos com frequência e aumentando a sensibilidade para o que vimos recentemente.


Um fenômeno clássico relacionado a este viés cognitivo é a famosa “lei de Velpeau”, que diz que “uma doença rara nunca aparece sozinha” ou que “os casos raros andam aos pares”. Isso acontece muitas vezes simplesmente porque ao fazermos um diagnóstico raro ele permanece vivo na memória por um tempo, aumentando a sensibilidade para que o diagnóstico seja feito em outro caso logo em seguida porque vamos prestar mais atenção e nos lembrar mais facilmente deste diagnóstico feito recentemente.

Situação semelhante é quando estudamos um assunto e ficamos propensos a fazer esse diagnóstico nos dias subsequentes apenas porque estamos com o tema fresco na memória.

O problema dessa forma de pensamento é que nem sempre a hipótese mais fácil de lembrar é a mais provável e temos uma tendência natural de lembrarmos mais dos casos que nos marcaram de alguma maneira. Em 85 a.C. na Rhetorica ad Herennium este fato já havia sido notado na frase “O impressionante e o romance ficam mais tempo na mente."

Isso é válido tanto para os diagnósticos corretos, que foram muitas vezes considerados “brilhantes”, quanto para os casos onde cometemos erros. Ambos os casos podem contaminar diagnósticos futuros: seja porque desejamos repetir aquele diagnóstico de sucesso ou porque não queremos errar novamente, acabamos considerando aquele diagnóstico em outros pacientes no futuro, mesmo que a chance seja muito remota, apenas porque ficamos “marcados” por um caso que nos deixou orgulhosos ou chateados.

Outra situação que merece cuidado é quando trabalhamos em centros de referência. Por vermos muitos casos de uma mesma doença ela acaba ficando mais presente na memória e corremos o risco de acharmos que ela é a mais provável. Por exemplo, um médico trabalha em um hospital de referência em sarcoidose, onde este diagnóstico se torna muito frequente por absorver casos encaminhados de vários estados. Por ter essa experiência, ele fez um diagnóstico de sarcoidose que ninguém tinha cogitado na clínica privada. Esse médico corre o risco de passar a suspeitar de sarcoidose em muitos outros pacientes no futuro na clínica privada, mesmo sendo uma doença extremamente rara fora de centros de referência, errando muito mais do que acertando.


2 - Fechamento prematuro

A causa mais comum de erro diagnóstico cognitivo é o fechamento prematuro, ou seja, o motivo mais frequente para deixar passar um diagnóstico é não considerá-lo.

Como o pensamento heurístico inicial já pode nos levar a uma hipótese válida, corremos o risco de já fecharmos um diagnóstico precocemente sem considerar outras possibilidades. A pressa, conveniência, “preguiça de pensar”, fadiga ou o excesso de confiança pode nos levar a aceitar o primeiro diagnóstico que vem à cabeça e encerrar precocemente o raciocínio diagnóstico.

A “satisfação da busca” é a segunda causa de erro diagnóstico e também contribui para o fechamento prematuro: ao encontrarmos um achado que pode justificar o quadro clínico do paciente tendemos a ficar satisfeitos e parar de procurar outros achados,

A melhor maneira de nos protegermos contra o fechamento prematuro é obter o máximo de informação possível sobre o paciente (muitas vezes um dado extra no pedido e questionário nos alerta sobre uma hipótese diagnóstica ainda não aventada) e adquirir o hábito de sempre, por mais óbvio que pareça um diagnóstico, pensar em alguns diagnósticos diferenciais e questionar se temos informação suficiente sobre o caso. E sempre realizar um “checklist” completo, mesmo após já acharmos que fizemos o diagnóstico correto.

3 - Viés de confirmação e de ancoramento

Viés de confirmação é “a tendência a valorizar muito mais os dados que confirmam a nossa hipótese inicial do que os dados que refutam essa hipótese”.

Viés de ancoramento ou ancoragem é a "tendência a confiar demais, ou "ancorar-se", em uma referência do passado ou em apenas uma parte da informação na hora de tomar decisões".

Inconscientemente damos mais valor aos dados que confirmam nossa hipótese ou buscamos com mais vontade dados que corroboram nossa impressão inicial porque nos custa mais mudar de ideia do que continuar com uma ideia que já temos, mesmo quando errada. Da mesma forma, tendemos a menosprezar, ignorar ou não procurar com tanto afinco dados que possam refutar nossa hipótese inicial.

O filósofo britânico Sir Francis Bacon (1561-1626) já dizia que “Uma vez adotada uma opinião, o entendimento humano busca tudo à sua volta para concordar com ela e apoiá-la. Mesmo que haja mais evidências em contrário, ele as negligencia ou despreza, ou de algum modo as rejeita ou deixa de lado, de maneira que, com grande e perniciosa predeterminação, a autoridade das suas velhas conclusões permaneça inviolada.”

Devemos sempre considerar que podemos estar errados e re-examinar as evidências, principalmente as que suportam hipóteses alternativas, mesmo quando temos certeza de um diagnóstico.

Um efeito secundário do viés de confirmação é conhecido como “escalada irracional de compromisso”: persistir em uma decisão/ação que gera prejuízo por já ter investido muito nessa decisão, apesar das evidências do erro.

4 - Efeito moldura

O efeito moldura reflete o fenômeno no qual a maneira como os dados são apresentados influencia nossa conclusão diagnóstica, mesmo quando as informações são as mesmas. Isto é, se uma mesma história contendo os mesmos dados clínicos for contada de maneiras diferentes, o médico pode chegar a conclusões diferentes.

Isso ocorre devido às limitações da atenção, que podem fazer com que se dê mais ou menos valor a uma determinada informação e assim o raciocínio se torna enviesado em direções diferentes.

Por exemplo, uma paciente jovem praticante de corrida que chegou recentemente de viagem em outro país onde participou de maratona realiza ressonância magnética da perna por dor. Se a corrida e a maratona foi a parte da história que mais chamou a atenção do radiologista ele pode pensar apenas em fratura por estresse e, caso identifique apenas edema muscular, pode pensar em edema relacionado ao exercício. Mas se o relato da viagem recente chamar sua atenção, ele pode considerar a possibilidade de trombose venosa profunda. Qualquer coisa que altere o valor relativo de algum dado da história pode acabar “puxando” o raciocínio em direções diferentes.


O efeito moldura pode ser provocado não só pela maneira como a história do paciente se apresenta, mas também pelo modo como um médico transmite um caso a outro colega. Uma forma de evitar esse efeito é analisar as imagens antes de tomar conhecimento do quadro clínico e sempre se perguntar se o diagnóstico seria o mesmo se a história clínica fosse diferente.


Devemos usar o pensamento heurístico a nosso favor e, para isso, devemos estar atentos às possíveis armadilhas que podemos evitar.

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