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Fake News


Ouvimos tanto sobre “Fake News” que parece que estamos diante de um fenômeno novo e exclusivo das mídias sociais. Mas, há tempos que notícias falsas são tomadas como verdadeiras. Na verdade, muito antes de ser um fenômeno de mídia social, as “fake news” foram estudadas pela psicologia social que procura entender porque fatos falsos são tomados tão facilmente como verdadeiros, o que também explica o que faz com que muitas vezes não percebamos que estamos repetindo no dia a dia frases, ideias e conceitos muito distantes da realidade.


A falta de tempo para administrar o excesso de informação a que somos expostos faz também com que não haja aprofundamento. E estamos muito mais suscetíveis a viés cognitivo quando processamos informações apenas superficialmente. Um dos mais significativos é o viés confirmativo: quando somos motivados a concordar automaticamente com uma afirmação que confirma nossas crenças pré-existentes e a rejeitar o que julgamos ameaçador para o que já acreditamos.


Com o tempo, acabamos por criar consensos sociais falsos que se perpetuam, porque quando temos um compromisso forte com um grupo ou crença, nossa tendência é abraçar e compartilhar evidências que reforcem a visão coletiva (mesmo sem nenhuma evidência) e rejeitar o que a contradiz (mesmo sendo a realidade). O melhor antídoto para as falsas afirmações é o exercício do questionamento, que nos permite refletir sobre onde está a lógica de algumas afirmações que repetimos automaticamente. Traçando um paralelo com nosso cotidiano, podemos citar como exemplo apenas duas afirmações bem comuns sobre os exames de RM da coluna lombar:


- O que é repetido: “Coluna é o exame mais fácil, difíceis são os exames com potencial oncológico e que requerem laudos comparativos”. Fato: a coluna vertebral é um dos locais mais frequentes de metástases (nos EUA são cerca de 180.000 novos casos por ano), principalmente de tumores de mama, próstata e pulmão, que estão entre os mais prevalentes na população adulta, e não é local infrequente de tumores pediátricos (50% dos osteoblastomas ocorrem na coluna). É também bem comum o acometimento por linfoma e cada segmento vertebral tem inúmeras raízes nervosas que podem ser acometidas por tumores de bainha neural. Isso sem falar nos tumores intra e extradurais e da medula espinhal. Além disso, dor na coluna vertebral é uma dos problemas mais prevalentes de saúde pública e causa de afastamento do trabalho, o que leva grande parte dos pacientes a realizar vários exames de coluna ao longo da vida para avaliar resposta a tratamento, recidivas e complicações pós-operatórias, requerendo laudos comparativos. Mas, mesmo assim, continuamos a afirmar que “Coluna é o exame mais fácil, difíceis são os exames com potencial oncológico e que requerem laudos comparativos (coluna não estaria entre esses exames?)”.


- O que é repetido: “Laudo de coluna é super rápido, demorados são os exames que podem ter alteração em vários locais e compartimentos”. Fato: dos segmentos principais (cervical, torácica e lombar) o menor tem 5 vértebras, fora as vértebras dos segmentos adjacentes. Logo, na coluna lombar temos que avaliar 5 vértebras lombares + pelo menos 2 torácicas e de S1 a S3, o que daria no mínimo 10 vértebras. Cada vértebra tem o corpo, 2 pedículos e istmos, 4 facetas articulares, 1 processo espinhoso, 2 processos transversos, temos ainda os discos intervertebrais, o canal vertebral com o saco dural, raízes nervosas, cone e medula espinhal, a gordura epidural, 2 forames neurais com as raízes emergentes, identificamos o retroperitônio, músculos paravertebrais, isso sem contar que na coluna torácica podemos identificar parte das costelas e as articulações costocondrais e costotransversas, e na coluna cervical identificamos a transição craniocervical, clivus, “dangerous space”, vasos cervicais, tireoide, etc. Mas, mesmo assim, continuamos a afirmar que “Laudo de coluna é super rápido, demorados são os exames que podem ter alteração em vários locais e compartimentos (?)”.


É reconfortante acreditar que existe um exame rápido e enxuto, que pode tirar o atraso das agendas, de análise simples, por onde os médicos iniciantes podem começar a laudar com baixo risco e onde os mais experientes podem fazer volume, mesmo quando cansados depois de analisar outros exames ‘mais complexos’. Mas isso é realmente uma verdade, ou tornou-se um consenso falso que se perpetua pela repetição coletiva, induzindo uma visão preconceituosa em relação a determinados exames? Não estaríamos deixando de realizar sequências importantes para o diagnóstico, tornando o exame de coluna ‘rápido’ por ser incompleto? Não estaríamos deixando de fazer o ‘checklist’ adequado, analisando com mais atenção apenas as imagens da linha média e procurando somente por hérnias discais e artrose facetária, tornando o laudo rápido e aparentemente mais fácil por ser superficial? Mesmo muito antes da moda das “Fakes News” já se falava sobre a importância do questionamento, pratica que deveria ser diária.

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