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Fragmentado



A formação do cidadão grego compreendia o domínio de todas as artes que lhe permitiam conhecer a natureza, a sociedade e a si mesmo.


No Período Medieval, inicia-se a divisão de disciplinas: o trivium, correspondendo às artes da linguagem (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium, referindo-se às artes matemáticas (geometria, aritmética, música e astronomia). Porém, essa divisão era somente metodológica, pois o universo era compreendido como totalidade pela herança grega e a educação atendia o ideal de universalidade.


Descartes (1596 –1650) propôs fragmentar o todo para analisá-lo em pequenas partes, o que ficou conhecido como “pensamento cartesiano” ou “fragmentador” e, mais atualmente, como linear. Porém, segundo o próprio Descartes, ele não tinha como objetivo criar um método de ensino, mas apenas facilitar a compreensão das ideias baseando-se em “jamais aceitar algo que não fosse evidente”, “ordenar os pensamentos” e “enumerar e revisar para ter certeza que nada foi omitido”.


Como o homem contemporâneo necessita especializar-se, fazer recortes restritos da realidade sobre os quais concentra seus conhecimentos parece eficiente. Contudo, tal fragmentação vem sendo apontada como responsável por uma forma de pensar não sistêmica, que gera deficiências na formação profissional e causa uma ”crise de percepção” na sociedade ao dificultar um olhar mais amplo e completo sobre a realidade.


Além disso, a internet parece favorecer a pressa, a impaciência e o imediatismo na obtenção e formação de conhecimento. Acabamos formando um “conhecimento por retalhos”, em que absorvemos muitas informações curtas, mas é como se tivéssemos muitas peças de quebra-cabeças diferentes em que algumas peças se encaixam, outras não, enquanto outras até se encaixam, mas estão no lugar errado.


E, a percepção de que tudo que demora significa perda de tempo, um dos bens mais preciosos da atualidade, também contribui para a valorização da obtenção de conhecimento por meio de textos resumidos, aulas curtas e discussões rápidas de casos, como se fossem “pílulas de informação”. Embora essas atividades tenham seu valor, não são suficientes para a criação do conhecimento, que requer outras habilidades, como a construção de uma casa, em que é preciso "perder tempo" na fundação, nos alicerces, acabamentos e tudo mais que for necessário, o que demanda tempo.


Para obtermos um conhecimento mais embasado, precisamos entender que é preciso investir o tempo necessário, e não o desejado, para um estudo mais completo e profundo, entendendo como o que estudamos faz parte, influencia ou é influenciado pelo todo e como uma noção mais abrangente contribui para sermos especialistas muito melhores e diferenciados.


"Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção". Paulo Freire.

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