Fratura do terço distal da clavícula
- 8 de jul.
- 10 min de leitura
Patrícia Martins e Souza - Abril de 2025
Homem, 28 anos, com dor intensa no ombro esquerdo após queda de bicicleta durante uma trilha. Solicitada tomografia computadorizada (TC) do ombro.

Figura 1 (a-b): Reconstruções tomográficas no plano transversal com as técnicas MPR (1a) e MIP (1b).

Figura 2 (a-c): Reconstruções tomográficas no plano coronal com as técnicas MPR (2a), MIP (2b) e MPR com filtro de partes moles (2c).

Figura 3: Reconstrução tomográfica no plano sagital com a técnica MIP.

Figura 4 (a-b): Reconstruções tomográficas tridimensionais em visão anterior (4a) e posterior (4b).
Descrição dos achados

Figura 1 (a-b’): Reconstruções tomográficas no plano transversal com as técnicas MPR (1a’) e MIP (1b’) mostrando fratura no terço distal da clavícula (setas amarelas).

Figura 2 (a-c’): Reconstruções tomográficas no plano coronal com as técnicas MPR (2a’), MIP (2b’) e MPR com filtro de partes moles (2c’) mostrando fratura no terço distal da clavícula (setas amarelas) com desvio superior da porção medial no nível do ligamento coracoclavicular (seta branca).

Figura 3’: Reconstrução tomográfica no plano sagital com a técnica MIP mostrando fratura no terço distal da clavícula (seta amarela) no nível do ligamento coracoclavicular com fragmentos ósseos em correspondência (seta branca).

Figura 4 (a-b’): Reconstruções tomográficas tridimensionais em visão anterior (4a’) e posterior (4b’) mostrando fratura no terço distal da clavícula (setas amarelas) com desvio superior da porção medial.
Discussão
As fraturas da clavícula correspondem a cerca de 2,6 a 4% de todas as fraturas no adulto, sendo mais comuns em homens de 30 a 50 anos secundárias a traumas de alta energia, como quedas de bicicleta ou acidentes automobilísticos, ou queda com o braço estendido em pacientes com idade superior a 70 anos ou com osteoporose.
Anatomia
A clavícula é um osso alongado em forma de “S” que se articula com o esterno proximalmente e com o acrômio distalmente. Os ligamentos acromioclaviculares previnem o deslocamento anteroposterior da clavícula no plano horizontal, enquanto as bandas conoide e trapezoide do ligamento coracoclavicular, que se originam no processo coracoide, previnem o deslocamento vertical da clavícula. A banda conoide (mais medial) se insere no tubérculo conoide, a cerca de 4,0 cm da articulação acromioclavicular, e a banda trapezoide (mais lateral) cerca de 2,0 cm medial à articulação acromioclavicular. A distância normal entre a clavícula e o processo coracoide é de cerca de 1,1 a 1,3 cm (figura 5).

Figura 5: Ilustração das bandas conoide e trapezoide e sua relação com a clavícula e a articulação acromioclavicular (AAC), com a banda conoide (mais medial) inserindo-se se a cerca de 4,0 cm (linha azul) e a banda trapezoide (mais lateral) a cerca de 2,0 cm da AAC (linha vermelha). A distância vertical normal (linha verde) entre a clavícula e o processo coracoide é em média 1,3 cm (variando de 1,1 a 1,3 cm).

Figura 6: Representação esquemática das inserções musculares e das bandas do ligamento coracoclavicular na clavícula em visão superior e inferior.
Existem diversas formas de classificação das fraturas da clavícula distal levando em conta a localização em terços ou quintos, no caso das fraturas mediais e laterais se é extra-articular ou intra-articular, pelo padrão da fratura (simples ou cominutiva), se há acometimento ligamentar e se tem desvio ou diástase significativos.
A caracterização dos desvios e da diástase significativa nas fraturas da clavícula distal é essencial para a avaliação radiológica, pois influencia diretamente o manejo clínico e cirúrgico, além de estar associada a complicações como instabilidade, não união e consolidação viciosa.
Diástase significativa:
Representa o afastamento excessivo entre os fragmentos ósseos e é considerada significativa quando > 10 a 15 mm, indicando geralmente rotura dos ligamentos coracoclaviculares, que normalmente mantêm a estabilidade da clavícula distal.
Desvio significativo:
Refere-se ao desalinhamento dos fragmentos ósseos em relação ao eixo normal da clavícula. É frequentemente causado pela tração muscular e pela rotura de ligamentos estabilizadores. O fragmento proximal geralmente é puxado superiormente pelo músculo esternocleidomastoideo e o fragmento distal pode ser deslocado inferiormente devido ao peso do membro superior e à tração dos músculos deltoide e trapézio. É considerado significativo deslocamento superior ou inferior > 5 mm.
Outro dado importante é a presença e grau de sobreposição (“overlap”) das extremidades da clavícula, que leva a encurtamento.
Classificações das fraturas da clavícula
As fraturas da clavícula foram subdivididas pela classificação de Allman de acordo com o acometimento em terços, o que não significa que cada terço tem as mesmas dimensões:
Terço proximal (medial): corresponde à porção mais próxima ao esterno e está relacionada à articulação esternoclavicular, o manúbrio esternal, os ligamentos costoclaviculares, o plexo braquial e os vasos subclávios. É o tipo de fratura menos frequente, correspondendo a menos de 5% dos casos, mas pode estar associado a lesões neurovasculares. É o sítio de inserção do músculo esternocleidomastoideo.
Terço médio: corresponde à porção central da clavícula, a maior das três, correspondendo a cerca de 70 a 80% do comprimento total do osso. É a região mais frequentemente acometida, correspondendo a aproximadamente 80% dos casos, devido à ausência de suporte ligamentar direto, a ser a sua porção mais fina e à curvatura natural do osso que cria um ponto de fraqueza biomecânica, predispondo a fraturas. É também a porção da clavícula com menos reforço proporcionado pelas inserções ligamentares e musculares. O nervo supraescapular é susceptível a lesão nas fraturas do terço médio da clavícula, manifestando-se com fraqueza na rotação externa com o braço em adução.
Terço distal (lateral): corresponde à porção mais próxima à articulação acromioclavicular, representando cerca de 1/5 do comprimento total da clavícula. Corresponde a 10 a 30% das fraturas da clavícula. É sítio de inserção das bandas trapezoide (mais lateral) e conoide (mais medial) do ligamento coracoclavicular, sendo, portanto, relacionada a instabilidade ligamentar, e dos músculos deltoide (anterior) e trapézio (posterior).
A fratura da clavícula denominada bipolar ocorre quando há acometimento dos terços distal e medial, sendo frequente nesses casos o deslocamento da articulação esternoclavicular.
Christopher Robinson, um cirurgião ortopédico escocês propôs uma nova classificação alternativa mais detalhada que subdivide a clavícula em 5 partes, conhecida como a classificação de Robinson. Nessa classificação, os tipos 1 a 3 são determinados pela localização da fratura e os subtipos A e B em relação à presença ou não de deslocamento significativo, definido como translação maior de 100% do fragmento principal.
Tipo 1 – 1/5 medial da clavícula
1A1: extra-articular não deslocada
1A2: intra-articular não deslocada
1B1: extra-articular deslocada
1B2: intra-articular deslocada
Tipo 2 – 3/5 intermediários da diáfise da clavícula
2A1: não deslocada
2A2: angulação do fragmento
2B1: fratura deslocada simples ou em borboleta
2B2: fratura deslocada segmentar ou cominutiva
Tipo 3 – 1/5 lateral da clavícula ou lateral a uma linha vertical passando pela base do processo coracoide
3A1: extra-articular não deslocada
3A2: intra-articular não deslocada
3B1: extra-articular deslocada
3B2: intra-articular deslocada
As classificações de Allman e Robinson englobam toda a clavícula, existindo classificações específicas para cada porção, como a classificação de Neer da década de 60, que é a classificação específica para fraturas do terço distal mais conhecida, baseando-se na relação da fratura com os ligamentos coracoclaviculares, modificada por Craig em 1990 (figura 7):

Figura 7: Figura 7: Representação esquemática dos tipos de fratura da clavícula no plano coronal segundo a classificação de Neer modificada.
Tipo I: Extra-articular (a cerca de 2,0 cm da articulação acromioclavicular), lateral ao ligamento coracoclavicular, que está intacto, sem deslocamento significativo. O desvio e a diástase são mínimos (< 5 mm) e o tratamento conservador costuma ser suficiente por ser uma fratura estável.
Tipo II: Fratura instável, geralmente necessitando de tratamento cirúrgico.
II a - Fratura medial à banda conoide do ligamento coracoclavicular, que permanece íntegro. Há deslocamento superior do fragmento medial da clavícula e a taxa de não-união é de cerca de 56% com tratamento conservador.
II b – Há 2 padrões de fratura:
Entre as bandas conoide e trapezoide do ligamento coracoclavicular, com rotura da banda conoide e a banda trapezoide preservada.
Fratura lateral ao ligamento coracoclavicular, com rotura de ambas as bandas.
Há deslocamento medial da clavícula e a taxa de não-união é de cerca de 30 a 45% com tratamento conservador.
É comum no tipo II desvios > 5 mm e diástase > 10 a 15 mm. O desvio e a diástase estão associados a instabilidade, consolidação viciosa, que pode levar a dor crônica, limitação funcional e deformidade estética.
Tipo III: Fratura intra-articular envolvendo a articulação acromioclavicular e lateral ao ligamento coracoclavicular, que está intacto, semelhante ao tipo I, porém com extensão articular. O desvio é variável, mas geralmente mínimo, porém o paciente pode desenvolver osteoartrite acromioclavicular pós-traumática. O tratamento costuma ser conservador, por ser uma fratura considerada estável.
Tipo IV – Fratura fisária que acomete o esqueleto imaturo. É uma fratura estável, em que o ligamento coracoclavicular está intacto, mas pode haver deslocamento superior da porção lateral da clavícula através de lesão periosteal. É descrita como “pseudoluxação acromioclavicular” porque a diáfise da clavícula hernia superiormente através do defeito periosteal, enquanto a epífise e o ligamento coracoclavicular intacto permanecem alinhados. O tratamento costuma ser conservador na maioria dos casos, com bom prognóstico a despeito do deslocamento.
Tipo V – Fratura cominutiva com o ligamento coracoclavicular intacto, porém com deslocamento medial da clavícula, sendo uma fratura considerada instável, semelhante ao tipo II, porém com cominução. O ligamento coracoclavicular permanece inserido em pequeno fragmento inferior, com deslocamento dos fragmentos medial e lateral. O tratamento costuma ser cirúrgico.
De acordo com a classificação AO (figura 8) a fratura da clavícula distal pode ser subdividida em:
Tipo A – Extra-articular
Tipo B – Articular parcial
Tipo C – Articular completa

Figura 8: Representação esquemática dos tipos de fratura da clavícula distal no plano coronal segundo a classificação da AO-OTA.
Outra classificação específica das fraturas na porção distal da clavícula é a classificação de Cho e cols. em 2018 baseada nas incidências radiográficas AP e axial do ombro e oblíqua da articulação acromioclavicular (figura 9):

Figura 8: Representação esquemática dos tipos de fratura da clavícula distal no plano coronal segundo a classificação da Cho e cols.
Tipo I – estável, podendo ocorrer em qualquer localização e com deslocamento < 5 mm.
Tipo II – instável, com deslocamento mais significativo (≥ 5 mm) e subdividida em 4 subtipos:
A – Fratura medial ao ligamento coracoclavicular, bandas conoide e trapezoide intactas.
B – Fratura medial ao ligamento coracoclavicular, rotura da banda conoide e banda trapezoide intacta.
C – Fratura lateral ao ligamento coracoclavicular, rotura das bandas conoide e trapezoide.
D – Fratura cominutiva, ligamento coracoclavicular inserido no fragmento inferior.
Apesar da classificação de Cho e cols. apresentar moderada concordância interobservador, apresenta alta concordância intraobservador e propõe um algoritmo de tratamento (figura 10):

Imagem 10: Fluxograma de Cho e cols., que correlaciona o tipo de fratura da clavícula distal com opções de tratamento.
Avaliação por imagem
A avaliação radiográfica costuma ser feita pelas incidências:
· Anteroposterior (AP): é a incidência de primeira linha na avaliação de fraturas da clavícula, evidenciando descontinuidade cortical e deslocamento superior devido à tração do músculo esternocleidomastoideo.
· Apical oblíqua: incidência com 30° (15 a 45°) de angulação cefálica, mais específica para a avaliação da clavícula (figura 11).

Figura 11 (a-b): Radiografias da clavícula nas incidências anpreoposterior (11a) e com inclinação cefálica de 20° (11b).
· Incidência de Zanca: incidência mais específica para avaliar o alinhamento da articulação acromioclavicular e deslocamentos menores. É uma incidência anteroposterior realizada com angulação cefálica do raio de 10 a15° que remove a sobreposição entre a articulação acromioclavicular e o acrômio presente na incidência AP.
· Incidência AP bilateral com estresse: usada quando as radiografias convencionais são inconclusivas para avaliação da estabilidade acromioclavicular. O paciente é posicionado em pé ou sentado, com pesos nos punhos para exercer tração sobre a clavícula, evidenciando melhor qualquer deslocamento (figura 12).

Figura 12: Ilustração da técnica da radiografia das clavículas com carga em que são colocados pesos nos punhos do paciente para gerar estresse sobre as clavículas.
A TC é útil na avaliação de fraturas complexas, no planejamento cirúrgico e identificação de lesões associadas. As reconstruções tridimensionais mostram com mais detalhes as fraturas cominutivas e a TC também é importante na suspeita de fraturas de arcos costais, pneumotórax ou lesões pulmonares associadas.
A RM pode mostrar a fratura da clavícula como achado incidental ou pode ser solicitada para melhor avaliação de lesões ligamentares, do plexo braquial ou complicações pós-traumáticas, com outras alterações concomitantes, com rotura do manguito rotador.
O tratamento cirúrgico geralmente é feito através de fixação com placas e parafusos e reconstrução dos ligamentos coracoclaviculares.
A não-união ocorre em cerca de 15% dos casos e os fatores de risco são:
Cominução
Deslocamento
Deformidade em Z
Sexo feminino
Idade mais avançada
Fumantes
Fraturas na clavícula distal apresentam maior risco de não-união em comparação com as fraturas nos terços proximal e médio.
Leitura sugerida
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