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Coccidínea

História clínica


Paciente de 58 anos do sexo feminino apresentando dor na região coccígea há mais de 6 meses. Nega histórico de trauma. Solicitada ressonância magnética (RM) da coluna sacrococcígea.


Figura 1 (a-c): Imagens de RM da coluna sacrococcígea no plano sagital nas ponderações T2 SG (a), T2 (b) e T1 SG após administração venosa de contraste (c). SG - supressão de gordura, Gd - gadolínio.

 


Figura 2 (a-c): Imagens de RM da coluna sacrococcígea no plano coronal do sacro nas ponderações T1 (a), T2 SG (b) e T1 SG após administração venosa de contraste (c). À direita imagem no plano sagital mostrando a angulação no plano do sacro e o nível das imagens coronais. SG - supressão de gordura, Gd - gadolínio.

 


Descrição dos achados



Figura 1 (a-c)’: Imagens de RM da coluna sacrococcígea no plano sagital nas ponderações T2 SG (a’), T2 (b’) e T1 SG após administração venosa de contraste (c’) mostrando tênue edema adjacente à extremidade distal do cóccix (seta amarela), onde se observa espícula posterior (seta branca), melhor identificada na imagem sem SG (b’), e realce pelo meio de contraste em correspondência (seta vermelha). SG - supressão de gordura, Gd - gadolínio.



Figura 2 (a-c)’: Imagens de RM da coluna sacrococcígea no plano coronal do sacro nas ponderações T1 (a’), T2 SG (b’) e T1 SG após administração venosa de contraste (c’). À direita imagem no plano sagital mostrando a angulação no plano do sacro e o nível das imagens coronais. Nesse plano a extremidade distal do cóccix é tangenciada (seta branca) e pode se notar o tênue edema (seta amarela) com realce pelo contraste (seta vermelha) adjacente. Note as 5 peças sacrais (S1 a S5) e que há disco articular na transição entre S5 e a primeira peça coccígea (Co1) e apenas um espaço intercoccígeo (seta preta) com fusão das últimas peças do cóccix. SG - supressão de gordura, Gd - gadolínio.


Discussão

 

Coccidínea (ou coccigodínea) é definida como dor ou desconforto na região do cóccix, termo descrito pela primeira vez por Simpson em 1859 e que até hoje não tem sua etiologia completamente definida. A causa mais comum é trauma, incluindo fratura, deslocamento e instabilidade, embora causas não traumáticas, como alteração morfológica, alteração na flexão / extensão, artrite, osteomielite, tumores e dor discogênica possam estar relacionados com os sintomas. Os casos sem causa definida entram na categoria da coccidínea idiopática, estimada em1/3 dos casos, com alguns autores atribuindo a disfunção da musculatura do assoalho pélvico e alterações morfológicas como possíveis etiologias.

 

Anatomia


O cóccix é o osso terminal da coluna vertebral, com formato triangular e formado geralmente por 4 segmentos, mas pode ter 3 segmentos (em cerca de 13% da população) ou 5 segmentos (em 11% dos indivíduos). Os marcadores anatômicos da primeira peça coccígea (Co1) são os processos transversos e os cornos coccígeos posteriores com orientação vertical, o que ajuda na diferenciação com a última peça sacral (S5), cujos cornos sacrais têm orientação mais horizontalizada e onde se observa o hiato sacral, que corresponde à abertura na porção mais caudal do canal sacral (figura 3). Os limites do hiato sacral são o canal sacral anteriormente, onde não há mais o saco dural, apenas a gordura extradural, plexo venoso, ramos do plexo sacral e o filum terminal, e o ligamento sacrococcígeo e a gordura subcutânea posteriormente.




Figura 3: Reconstrução tomográfica 3D da coluna sacrococcígea em visão posterior mostrando os cornos sacrais bilaterais em S5 separados pelo hiato sacral e os cornos posteriores e os processos transversos bilaterais da primeira peça coccígea (Co1).


A transição sacrococcígea é uma sincondrose, uma vez que existe cartilagem hialina entre a última peça sacral e a primeira peça coccígea. Entretanto, alterações na mobilidade coccígea (mobilidade intercoccígea) geralmente ocorrem fora da verdadeira articulação sacrococcígea.

 

Apesar de haver certa consistência no número de peças coccígeas, existe alta variabilidade na segmentação das vértebras, com fusão dos cornos sacrais com os coccígeos ou com a articulação sacrococcígea (o que ocorre em mais de 50% dos indivíduos) e também fusão entre as peças coccígeas, principalmente as últimas: enquanto a fusão de Co1-Co2 ocorre em apenas 17% dos casos, a fusão entre Co2-Co3 ocorre em 61% e entre Co3-Co4 em 89% das pessoas. Nos espaços intercoccígeos podem ser encontrados discos intactos, com fendas ou tecido fibroadiposo, com alguns autores preconizando que pode haver dor coccígea de causa discogênica / degenerativa.

 

A curvatura anterior do cóccix é bastante variável, com descrição de 6 tipos (quadro 1 e figura 4):


Quadro 1: Tipos de curvatura anterior do cóccix.



Figura 4: Representação esquemática dos tipos de curvatura anterior do cóccix. Modificado de J Clin Orthop Trauma. 2021 Jan;12(1):123-129.


Os tipos II, III e IV são mais frequentes entre os pacientes com coccidínea. É comum observar discreto desvio da linha média do cóccix (em torno de 6°), sendo relacionado a sintomas apenas desvios mais significativos.

 

Uma variante adicional que não está incluída na classificação morfológica é a espícula posterior na ponta do segmento coccígeo terminal, presente em cerca de 15 a 23% dos indivíduos e em 23 a 44% dos pacientes com coccidínea (figura 5).



Figura 5: Representação esquemática da coluna sacrococcígea no plano sagital mostrando a espícula posterior. Modificado de RadioGraphics 2020; 40:1090–1106.


A coccidínea corresponde a menos de 1% dos casos de dor na coluna, embora sua prevalência em mulheres seja aproximadamente 4 a 5x maior em comparação com os homens, principalmente entre as mulheres com sobrepeso e com dois ou mais partos por via vaginal. Apesar de poder acometer qualquer faixa etária, é mais comum em pessoas com idade superior a 40 anos.

 

A situação mais encontrada na prática clínica é a do paciente referir trauma recente ou antigo (50 a 65% dos casos), com posterior desenvolvimento de dor crônica mecânica.

O trauma mais comum é o direto, geralmente por queda, em que pode haver contusão, fratura e/ou deslocamento (luxação ou subluxação) das peças coccígeas. Os microtraumas repetitivos, como os secundários a mau posicionamento corporal ao sentar ou períodos prolongados em motocicletas ou bicicletas, estão também frequentemente implicados na coccidínea, em conjunto com a morfologia sacrococcígea e alterações na mobilidade. Estão entre os fatores de risco para coccidínea a mobilidade da articulação sacrococcígea, curvatura ventral do cóccix mais acentuada e a presença de espícula posterior. No caso das mulheres há associação com multiparidade e aumento do índice de massa corpórea e no caso dos homens com subluxação intercoccígea.

 

A coccidínea pós-traumática ou idiopática é frequentemente subdividida em 3 categorias:

  • Hipermobilidade

  • Subluxação

  • Cóccix rígido (com ou sem espícula posterior)



Avaliação por imagem


No contexto do trauma agudo, a tomografia computadorizada (TC) é o exame de escolha para o diagnóstico de fratura coccígea, já que apenas uma minoria dos casos é identificada nas radiografias.


A ressonância magnética (RM) é útil na avaliação da alteração do sinal das peças coccígeas e dos tecidos ao redor, sendo importante ressaltar que as únicas estruturas com hipersinal nas sequências sensíveis a líquido na região do cóccix são as veias pré-sacrais, encontradas apenas ao longo da superfície anterior do cóccix, não sendo encontradas posteriormente. O contraste venoso pode ser útil na demonstração de processo inflamatório regional, corroborando o diagnóstico. É importante na avaliação da coccidínea realizar estudo específico da coluna sacrococcígea, com FOV e espessura menores e não estudo da coluna lombar ou lombossacra.


Alguns autores descreveram medidas na angulação sacrococcígea e intercoccígea que poderia ser avaliada na RM (figura 6). A média do ângulo sacrococcígeo (formado pela linha que passa pelo centro das margens superior e inferior de S1 e a linha que passa pelo centro das margens superior e inferior da primeira peça coccígea), de aproximadamente 127°, se manteve praticamente a mesma tanto entre os indivíduos assintomáticos como naqueles com coccidínea. Já o ângulo intercoccígeo (formado pela linha que passa pelo centro da primeira e da última peça coccígea) foi de 30° nos indivíduos do grupo controle e de aproximadamente 43° nos pacientes com coccidínea. É importante ressaltar que existem algumas divergências na literatura na descrição da mensuração dos ângulos sacrococcígeo e intercoccígeo, com alguns autores usando como referência uma linha que tangencia a curvatura posterior de S1/S2 e a curvatura posterior das últimas peças coccígeas. Veja a descrição das diversas medidas da coluna na página NOTAS & MEDIDAS / COLUNA.


Figura 6 (a-b): Imagens de RM da coluna sacrococcígea no plano sagital na ponderação T2 de outro paciente com coccidínea mostrando a medida do ângulo sacrococcígeo (6a) formado pelas linhas que passam no centro das margens superior e inferior de S1 e de Co1 (114°), e a medida do ângulo intercoccígeo (6b) formado pelas linhas que passam no centro das margens superior e inferior de S1 e de Co1 da primeira e da última peça coccígea (45°).

 

Na avaliação da coccidínea diversos autores recomendam estudo com radiografias dinâmicas, obtidas com o paciente em pé (idealmente após 10 minutos em pé) e sentado em uma superfície rígida, sendo orientado para reclinar para trás até o ponto de máximo desconforto, para identificar translação anormal ou angulação coccígea excessiva, situações que podem estar presentes em até quase 70% dos pacientes com coccidínea. A mobilidade normal do cóccix nas radiografias dinâmicas e de 5 a 25°.

 

Existem 2 padrões de hipermobilidade associados à coccidínea (figura 7):

  • Luxação ou subluxação posterior > 25% na posição sentada em comparação com o RX em pé, encontrada principalmente em pacientes obesos.

  • Flexão > 25° na posição sentada em comparação com o RX em pé, sendo considerada hipermobilidade acentuada quando > 35°.




Figura 7: Representação esquemática da avaliação da hipermobilidade coccígea no RX do cóccix em perfil nas posições em pé e sentada. É realizada a mensuração dos ângulos entre as porções proximal e distal do cóccix na posição em pé (ângulo P) sentada (ângulo S) e obtida a diferença entre elas (Valor de P – valor de S). Caso a diferença seja > 25° há hipermobilidade. 


Nos pacientes magros, a hiperflexão (cóccix tipo II) e a espícula posterior são as causas mais comuns de dor, enquanto a subluxação posterior está mais relacionada aos pacientes obesos, que apresentam aumento da pressão intrapélvica, além de terem restrição da rotação pélvica sagital na posição sentada, ocasionando pressão excessiva sobre a ponta do cóccix. A luxação anterior é menos comum e tende a ocorrer na última peça coccígea.

 

Já a mobilidade <5° caracteriza o cóccix rígido, que pode ser doloroso, especialmente quando associado a espícula posterior.

 

A RM dinâmica durante defecação (defecoRM) não mostrou ser útil na avaliação da coccidínea porque, embora a movimentação excessiva do cóccix ao sentar seja anormal, é observada grande mobilidade fisiológica do cóccix durante a defecação.


Usualmente a coccidínea é uma condição autolimitada, com melhora em cerca de 6 meses. Entretanto, alguns pacientes desenvolvem dor crônica refratária e que limita as atividades diárias, sendo importante o reconhecimento de causas potencialmente tratáveis. As opções de tratamento incluem adaptações ergonômicas, fisioterapia, terapia manual, injeções e bloqueios locais, com o tratamento conservador sendo efetivo em 90% dos casos. Nos casos não responsivos, a cirurgia (coccigectomia) pode ser necessária, com taxas de sucesso entre 60 a 92%, em especial nos pacientes com alterações degenerativas graves.



Leitura sugerida

 

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