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Miopatia por corpúsculos de inclusão

Paciente do sexo masculino, 63 anos, com quadro insidioso de fraqueza muscular progressiva nos membros inferiores. Solicitada ressonância magnética (RM) das coxas e das pernas.


Figura 1: Filme da RM das coxas nas ponderações STIR e T1 no plano coronal.

Figura 2: Filme da RM das coxas nas ponderações STIR, T1 e difusão com b0 e b800 no plano transversal.

Figura 3: Filme da RM das pernas nas ponderações STIR e T1 no plano coronal.

Figura 4: Filme da RM das pernas nas ponderações STIR, T1 e difusão com b0 e b800 no plano transversal.



O paciente foi submetido a nova RM após 1 ano, após piora dos sintomas:

Figura 5: Filme da RM das coxas nas ponderações STIR e T1 no plano coronal.


Figura 6: Filme da RM das coxas nas ponderações STIR e T1 no plano transversal.


Figura 7: Filme da RM das pernas nas ponderações STIR e T1 no plano coronal.

Figura 8: Filme da RM das pernas nas ponderações STIR, T1 e difusão com b0 e b800 no plano transversal.



Descrição dos achados


Figura 5 (a-d): Imagens de RM das coxas em 2018 mostrando área de edema na porção proximal do vasto lateral direito identificada como área de hipersinal em STIR nos planos coronal (5a) e transversal (5c) (setas brancas) e na sequência de difusão (seta verde em 5d). Note na ponderação T1 (5b) que o vasto lateral direito (seta vermelha) tem volume reduzido em relação ao contralateral (asterisco amarelo).


Figura 6 (a-e): Imagens de RM das coxas em 2018 mostrando área de edema na porção distal dos vastos laterais, mais evidente no direito (setas brancas) em relação ao esquerdo (setas laranja) identificadas como áreas de hipersinal em STIR nos planos coronal (6a) e transversal (6d). Note que o edema, mesmo discreto, é evidente na sequência de difusão (6e) tanto no lado direito (seta verde) quanto no esquerdo (seta azul).


Figura 7 (a-b): Imagens de RM do terço médio das coxas em 2018 com a técnica STIR (7a) e difusão com b800 (7b) mostrando que os retos femorais (asteriscos brancos) estão relativamente poupados, o que é característico da miopatia por corpúsculos de inclusão. O edema está presente principalmente nos vastos laterais, sobretudo à direita (seta branca), sendo bem mais discreto à esquerda (seta laranja). Note que o hipersinal na difusão nos músculos vastos laterais direito (seta verde) e esquerdo (seta azul) é mais evidente na difusão e muito tênue no STIR.


Figura 8 (a-d): Imagens de RM no plano transversal nas sequências STIR (acima) e T1 (abaixo) mostrando o controle evolutivo em 1 ano. Houve acentuação do edema no músculo vasto lateral direito (setas brancas), que apresenta volume ainda mais reduzido em comparação com o exame prévio (seta vermelha). Além disso, surgiu edema difuso (seta amarela) com pequena atrofia do músculo vasto lateral esquerdo (seta laranja).


Figura 9 (a-d): Imagens de RM no plano transversal do terço médio das coxas nas sequências STIR (acima) e T1 (abaixo) mostrando o controle evolutivo em 1 ano. O edema no exame de 2019 acomete todos os músculos vastos bilateralmente (setas brancas), mas os retos femorais (asteriscos) continuam sendo poupados. Note na ponderação T1 que houve significativa redução volumétrica dos músculos da coxa, principalmente à direita.


Figura 10 (a-d): Imagens de RM no plano transversal do terço distal das coxas nas sequências STIR (acima) e T1 (abaixo) mostrando o controle evolutivo em 1 ano. Além do edema difuso mais acentuado no quadríceps (setas brancas), há no último exame pequena lipossubstituição das suas fibras (setas amarelas) e surgimento de edema nos músculos do compartimento posterior da coxa direita (setas azuis) e predominando no bíceps femoral esquerdo (seta verde), com redução volumétrica difusa dos ventres musculares.


Figura 11 (a-e): Imagens de RM das pernas em 2018 mostrando edema difuso nos terços distais dos músculos do compartimento anterior (setas brancas), mais evidente na sequência de difusão (setas verdes), notando-se à direita lipossubstituição de algumas fibras (seta amarela). Há pequena área de edema nas fibras mais laterais do sóleo direito (setas azuis) identificada tanto em STIR quanto em difusão, sendo que na sequência de difusão há hipersinal nas fibras laterais do sóleo esquerdo (seta laranja) que não é tão evidente em STIR.


Figura 12 (a-d): Imagens de RM no plano transversal do terço proximal das pernas nas sequências STIR (acima) e T1 (abaixo) mostrando o controle evolutivo em 1 ano. Em 2018 já havia redução volumétrica dos músculos do compartimento anterior (seta laranja), que se acentuou significativamente em 1 ano (seta amarela), além de ser mais evidente o hipersinal em STIR bilateralmente (setas brancas). Após 1 ano é evidente o acometimento da cabeça medial dos gastrocnêmios (setas azuis) e surgiu redução volumétrica também dos músculos do compartimento anterior da perna esquerda (seta vermelha).


Discussão


As miopatias inflamatórias são um grupo heterogêneo de desordens de natureza autoimune em que ocorre inflamação adquirida da musculatura esquelética.


Existem diversas propostas de classificação das miopatias inflamatórias, sendo a subdivisão mais conhecida a proposta pela EULAR/ACR (European League Against Rheumatism / American College of Rheumatology) que separa as miosites em polimiosite, dermatomiosite e miosite por corpúsculos de inclusão. Outros autores já incluem dentro do grupo das miopatias inflamatórias a miopatia necrotizante imunomediada e a síndrome antissintetase, que faz parte do espectro síndrome overlap com miosite, que engloba um grupo de pacientes que apresenta miosite associada a outras desordens do colágeno, como síndrome de Sjogren, esclerose sistêmica, esclerodermia, lúpus eritematoso sistêmico (LES) e também artrite reumatoide.


O diagnóstico das miopatias inflamatórias é feito pela combinação do:

  • Quadro clínico - mialgia e fraqueza músculo progressiva, que pode estar associado a outros sintomas sistêmicos secundários a comprometimento de outros órgãos

  • Exames laboratoriais - aumento do valor normal da creatinoquinase (CK) e das enzimas hepáticas como um indicador de dano celular muscular

  • Detecção de autoanticorpos específicos

  • Ressonância magnética é o método de imagem de escolha por demonstrar os sinais de miosite (edema em grupos musculares específicos nas sequências sensíveis a líquido e na difusão com b800) e atrofia / lipossubstituição muscular

  • Biópsia muscular para avaliação histopatológica


É importante ressaltar que a biópsia muscular pode resultar em resultados falso-negativos em até 23% dos casos, devendo sempre ser associada aos achados da RM que, embora menos específica, é mais sensível que a biópsia.


As sequências mais utilizadas na avaliação das miopatias inflamatórias pela RM são a ponderação T1 e sequências sensíveis a líquido, como T2 e DP com supressão de gordura e STIR (sigla do inglês Short-TI Inversion Recovery).

Recentemente, têm surgidos estudos mostrando vantagens da utilização da RM do corpo inteiro, que permite a detecção subclínica de outros grupos musculares além dos membros superiores e inferiores, que costumam ser os mais frequentemente estudados.

O emprego de sequências de difusão (DWI) também tem sido preconizado já que o aumento da difusão das moléculas de água no músculo edematoso reflete inflamação ativa, e diversos estudos têm demonstrado a superioridade da difusão sobre o STIR com a utilização de valores de b de 800, sendo mais sensível principalmente nos casos de edema mais sutil que pode não ser identificado no STIR, como vimos nesse caso no exame de 2018, já que no exame de controle de 2019 não foi feita difusão.


A combinação da análise das sequências STIR e difusão com b800 tem se mostrado superior quando comparado com a leitura dessas sequências isoladamente. Com a sequência de difusão é possível calcular o coeficiente de difusão aparente (ADC), que quando reduzido reflete áreas onde a difusão é limitada pela abundância das membranas celulares e quando aumentado reflete as regiões com menor celularidade. Dessa forma, os músculos afetados pela miosite vão apresentar valores de ADC maiores em comparação com o músculo normal, enquanto os músculos que apresentam infiltração gordurosa (lipossubstituição) vão apresentar valores de ADC menores.


A apresentação da miopatia por corpúsculos de inclusão é distinta de todas as outras formas de miopatia inflamatória, o que faz com que o diagnóstico possa ser feito apenas pelo quadro clínico, dados laboratoriais e achados de ressonância magnética, sem necessidade de biópsia em todos os casos. Apesar disso, devido ao seu início insidioso é frequente o retardo no diagnóstico por se considerar que os sintomas podem ser decorrentes do envelhecimento. Portanto, é fundamental o conhecimento das suas características e dos achados típicos de imagem para que a hipótese diagnóstica seja indicada no laudo radiológico.


No quadro abaixo estão resumidas as principais diferenças entre a miopatia por corpúsculos de inclusão e as demais miopatias inflamatórias:


Quadro 1: Principais diferenças entre a miopatia por corpúsculos de inclusão e as demais miopatias inflamatórias.


Apesar do início do quadro da miopatia por corpúsculos de inclusão ser insidioso, com progressão que costuma ser mais lenta e com valores de CK que podem até ser normais, o prognóstico é reservado, com alta morbidade. A atrofia com lipossubstituição costumam ser bastante acentuadas com a progressão da doença. É estimado que cerca de um terço dos pacientes precise usar cadeira de rodas após cerca de 14 anos após o início dos sintomas e quase todos necessitem após 20 anos de doença.


Embora nenhum achado isolado seja específico da miopatia por corpúsculos de inclusão, a combinação de fraqueza na extensão do joelho maior que a da flexão do quadril e a flexão dos dedos pior que a extensão é fortemente suspeita, principalmente se ainda for associada a acometimento do bíceps, tríceps e compartimento anterior da perna. Na figura está ilustrado os músculos mais frequentemente acometidos na miopatia por corpúsculos de inclusão, nas demais miopatias inflamatórias e em ambas.

Figura 13: Padrão de acometimento muscular na miopatia por corpúsculos de inclusão (em azul), nas demais miopatias inflamatórias (em rosa) e em ambas (em amarelo). Modificado de Inclusion body myositis: clinical features and pathogenesis. Nat Rev Rheumatol. 2019 May;15(5):257-272.



Disfagia é uma queixa frequente, acometendo até 50-70% dos pacientes, e problemas com a deglutição podem estar presentes como sintoma inicial, com maior risco de pneumonia por aspiração, responsável pela alta taxa de mortalidade destes pacientes


O aumento das enzimas musculares é inferior ao das demais miopatias, podendo ser normal ou em torno de até 10 a 15 vezes do valor normal da CK (geralmente inferior a 1000 (IU/L).


O anticorpo relacionado à miopatia por corpúsculos de inclusão é o cN1A (antigo “Mup44”), presente em 30 a 60% dos casos e associado em alguns estudos a pior prognóstico e desenvolvimento de disfagia. Apesar de ter especificidade estimada entre 92 a 96%, em trabalhos recentes o anticorpo cN1A foi encontrado também em pacientes com outras doenças autoimunes, como síndrome de Sjögren, lupus eritematoso sistêmico e dermatomiosite, devendo sua detecção ser analisada com cautela.


As características histológicas típicas da miopatia por corpúsculos de inclusão são a inclusão de proteína B amiloide nas fibras musculares, que se tornam vacuolizadas, e anormalidades mitocondriais.


A relação entre a miopatia por corpúsculos de inclusão e neoplasia é controversa, mas estudos mais recentes descrevem uma associação significativa entre a miopatia por corpúsculos de inclusão e leucemia linfocítica granular.


A miopatia por corpúsculos de inclusão não costuma responder efetivamente ao tratamento padrão das miopatias inflamatórias em geral com glicocorticoides e imunossupressores, o que torna seu diagnóstico precoce importante para que não seja utilizada imunossupressão desnecessária.



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