Recentemente tivemos o lançamento de mais uma versão cinematográfica do maior sucesso de Agatha Christie (1890-1976), o “Assassinato no Oriente Express”. O protagonista da maioria dos seus livros policiais é o detetive belga Hercule Poirot, que ficou conhecido pela sua paixão pela “ordem e método” e sua frequente citação sobre o “uso das pequenas células cinzentas”. Ele também frequentemente desdenhava os detetives clássicos que procuravam pistas na cena do crime com uma lupa, afirmando que poderia resolver qualquer enigma "apenas sentado na sua poltrona".
O especialista em medicina diagnóstica não deixa de realizar um trabalho investigativo, usando as imagens para tentar chegar a um diagnóstico. E no caso da radiologia musculoesquelética isso pode ser extremamente desafiador, principalmente porque não estamos muito familiarizados com a ortopedia quando iniciamos nossa espacialização. Mas veja como as frases mais famosas de Hercule Poirot podem nos ajudar a ser radiologistas melhores:
“O importante é ter ordem e método”
Nada melhor do que seguir uma ordem no laudo que tenha alguma coerência – seja pelas estruturas anatômicas, os compartimentos, causa e consequência... A ordem nos ajuda também a não esquecer de analisar e citar determinadas estruturas e facilita a compreensão do médico solicitante que recebe os relatórios ordenados numa linha de raciocínio lógico. Ter um método reprodutível nos laudos também é fundamental para não deixarmos passar alterações importantes. A metodologia baseada numa ordem de trabalho – abrir as imagens, ler o pedido médico, questionário e anotações de quem acompanhou ou realizou o exame, buscar exames anteriores, analisar as imagens seguindo um checklist pré-definido, tentar juntar os achados num mecanismo fisiopatológico para, finalmente, elaborar um texto claro, conciso e de fácil compreensão que auxiliará o médico assistente a chegar ao diagnóstico e determinar a melhor conduta.
“A explicação mais simples é sempre a correta.”
Muitas vezes queremos fazer diagnósticos “brilhantes” ou desconhecemos o que geralmente acompanha determinado tipo de trauma e, com isso, deixamos de ver o óbvio e mais provável. Como dizem, “o mais comum é o que acontece mais comumente”, por isso precisamos estar familiarizados com os mecanismos mais frequentes de lesão, deixando os diagnósticos mais raros para os casos onde eles realmente podem ser uma possibilidade.
“Não preciso sair da minha poltrona.”
Assim como Hercule Poirot, o trabalho do radiologista na maioria das vezes é à distância: não temos a oportunidade de conversar ou examinar o paciente e tudo que possuímos são as imagens. Mas as imagens também podem contar uma história. O padrão de edema muitas vezes é típico ou até mesmo patognomônico de determinado tipo de lesão. E determinadas lesões costumam estar acompanhadas de outras que, mesmo sutis, podem ser identificadas se devidamente pesquisadas.
“Que simetria temos aqui? Nenhuma!”
Poirot tinha obsessão pela simetria. E a busca pela simetria pode chamar nossa atenção para inúmeros diagnósticos, uma vez que existe uma simetria habitual tanto nas articulações quanto nos dimídios direito e esquerdo. Comparar as porções medial com a lateral, o volume dos músculos que costumam ser semelhantes e analisar o membro contralateral (como nos exames de pacientes ainda com a fise aberta ou na pesquisa de alterações musculares) pode ser extremamente útil.
“Uso apenas as células cinzentas. A sorte, deixo-a para os outros.”
O radiologista, sendo médico especialista em imagem, também deve exercitar o raciocínio clínico. Só conhecendo o máximo que pudermos de um caso e pensando de forma investigativa, sabendo identificar e valorizar determinados detalhes conseguiremos chegar a um diagnóstico preciso ou excluir suspeitas importantes. Como dizia Winston Churchill, “o que chamamos de sorte é o cuidado com os pormenores”.
Comments