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O verdadeiro significado do “laudo descritivo”


Os gêneros tradicionais do texto são descrição, narração e dissertação, que podem estar presentes nos textos técnicos ou científicos apresentando estruturas e características formais específicas.


Descrever é representar algo ou alguém mediante a indicação de aspectos característicos dando uma ideia geral com distinto grau de detalhe. As três finalidades do texto descritivo são: identificar, localizar e qualificar.


O laudo radiológico é um relatório emitido após a análise das imagens de uma determinada região onde são descritas as condições encontradas, reconhecendo as estruturas e reparos anatômicos para diferencia-los das variações da anatomia e das condições anormais visando, sempre que possível, um diagnóstico. Por definição, todo laudo radiológico é um texto técnico descritivo e, como tal, deve ter precisão vocabular, exatidão dos pormenores e impessoalidade.


A questão não é se o laudo é descritivo, mas se está adequado ao que se propõe: auxiliar o médico solicitante a chegar a diagnóstico preciso para que seja traçada a conduta adequada. Atenderia às expectativas um perito descrever a cena de um crime como “foram observadas imagens ovaladas de aparente cor vermelha de tamanhos variados esparsas, inespecíficas”? Ou se esperaria mais de um especialista, visto que esta descrição levanta mais dúvidas do que fornece respostas: o que significa “aparente” cor vermelha – poderia ser outra cor? Sendo inespecífico, poderia sangue, tinta, esmalte ou molho de tomate? Será que o que parecia uma cena de crime foi apenas alguém que quebrou uma garrafa de vinho?

Não é por acaso que muitos laudos se parecem com esta descrição. Por exemplo, a frase “Focos de sinal elevado esparsos no tendão supraespinhal que podem representar rotura.” – não identifica o problema corretamente, não localiza, qualifica, nem dimensiona a lesão, não dá ideia da gravidade do quadro e não raramente desvia o solicitante do diagnóstico que ele queria confirmar (se há uma lesão com indicação cirúrgica ou não). Isso ocorre pela premissa errada de que a “descrição” é uma ferramenta que pode ser usada para mascarar falta de conhecimento através de frases padrão que parecem servir para todos os casos.


O “American College of Radiology” (ACR) publicou em seu boletim online um texto sobre o que seria o laudo radiológico perfeito (https://acrbulletin.org/march-2016/385-radiology-report-writing). Resumindo e adaptando à nossa realidade:


- Trate o laudo como um potencial documento legal porque você nunca saberá se aquele laudo poderá futuramente ser posto em julgamento, onde cada palavra e frase serão questionadas.


- Pensamento organizado através de relatórios claros e concisos. Elaborar um texto adequado leva tempo e é mais complexo que parece. Na verdade, é mais desafiador formular um texto curto que contenha todas as informações relevantes do que textos longos e confusos. O autor cita Mark Twain: “I didn’t have time to write a short letter, so I wrote a long one instead”.


- Não estruturar o texto em prosa, mas em parágrafos curtos. Textos longos fazem com que o médico assistente não leia o corpo do texto. E nos laudos musculoesqueléticos muitas vezes é difícil resumir em uma única impressão todos os achados. Por isso, quanto mais direta for a comunicação, melhor. Por que descrever “áreas mal definidas de sinal elevado em DP acometendo a medula óssea no aspecto posterior do platô tibial compatíveis com áreas de edema” se bastaria descrever “edema na porção posterior do platô tibial”? Além da frase desnecessariamente longa, o médico solicitante costuma saber o significado de “sinal elevado em DP”?


- Uso sensato das palavras. As palavras devem ser escolhidas com cuidado, pois seu uso incorreto prejudica a compreensão e pode até ter implicações legais. Tendemos a repetir frases aprendidas sem o devido questionamento se elas estão mesmo corretas, até mesmo em indicar a localização exata da alteração. Por exemplo, a palavra “junto” usada como locução prepositiva significa “ao lado, próximo, perto”. Não é raro encontrarmos em laudos a frase “sinal elevado junto ao corno posterior do menisco” – em vez de passar a mensagem de que há uma lesão no corno posterior do menisco, esta frase poderia ser interpretada como a existência de alguma estrutura com sinal elevado adjacente ao menisco, o que poderia ser um corpo livre cartilaginoso.


- Evitar frases ambíguas. Dizer “não pode ser excluído” ou “correlacionar clinicamente” tem que estar acompanhado de algum tipo de explicação e não serem meras frases soltas. Além de dar a impressão que o radiologista está transferindo a responsabilidade da interpretação das imagens para o médico solicitante, pode levantar questionamentos: realmente não pode ser excluído por uma limitação do método ou a limitação está no conhecimento do radiologista ou no exame realizado de forma incompleta ou inadequada? Teria algo a ser feito que poderia excluir a suspeita, como complemento ou a indicação de outro exame mais adequado? Correlacionar clinicamente seria pela necessidade de algum dado específico que só o médico solicitante possui ou quem está confeccionando o laudo não tem nenhuma noção do contexto clínico do paciente? Ou pior, está ignorando as informações clínicas do pedido médico e questionário? Frases ambíguas em vez de protegeram o radiologistas podem muitas vezes ser usadas facilmente contra ele.


- A descrição deve permitir que o cenário seja visualizado. Uma regra básica para sabermos se nossa descrição está adequada é pensar que, caso não seja possível ver as imagens, com a descrição qualquer um poderá visualizar mentalmente a alteração descrita.


- Comunicação clara que poderá ser entendida por qualquer um em qualquer momento. O fato de um texto ser técnico não que dizer que ele não deverá seguir as regras da boa escrita, com palavras bem escolhidas, pontuação adequada, raciocínio lógico, termos atualizados, etc.


O único meio do radiologista ser necessário e respeitado profissionalmente é através do seu laudo, por isso todas as iniciativas para termos relatórios bem aceitos e que façam diferença são um investimento para nosso futuro.

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