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Pensando sobre os pensamentos


Metacognição se refere à análise do processo de pensamento pelo próprio indivíduo, o que é muito útil para se evitar vieses - erros sistemáticos e previsíveis que podem afetar o processo de raciocínio, levando a conclusões incorretas.


Existem duas formas básicas de pensamento que utilizamos ao analisar uma questão, popularizadas como “pensamento dual” pelo médico canadense Dr. Pat Croskerry, um estudioso do raciocínio clínico diagnóstico:


Tipo 1 – heurístico ou intuitivo

O termo heurístico vem do grego “eu encontro”, “eu descubro”, tendo a mesma origem da exclamação “heureca”, atribuída ao matemático grego Arquimedes (287–212 a.C.).

É o pensamento rápido, não racional, quase reflexo, que permite decisões rápidas com pouca informação, baseado no reconhecimento de padrões. É um tipo de estratégia mental que ignora parte da informação com o objetivo de tornar a escolha mais fácil e rápida.


A heurística pode também ser descrita como a capacidade de descobrir, inventar ou resolver problemas mediante a experiência (própria ou observada), somada à criatividade e ao pensamento divergente (ou lateral, caracterizado pela geração de múltiplas e criativas soluções para um mesmo problema; é capaz de encontrar relações entre ideias, conceitos e processos que carecem de qualquer semelhança), sobretudo quando o problema a ser encarado é por demais complexo ou traz informações incompletas.


Por ser inconsciente, o pensamento heurístico é aplicado sem que muitas vezes os indivíduos se deem conta do processo. No geral, pode ser considerado como um atalho que preserva e conserva energia e recursos mentais. Quanto mais experiente for o médico, mais ele usará o pensamento heurístico, uma vez que sua familiaridade com padrões repetitivos aumenta sua habilidade em reconhecê-los, funcionando efetivamente em grande parte dos casos.


Do lado negativo, por ser um processo geralmente aplicado de forma automática e inconsciente é sujeito a inúmeros vieses, principalmente se o indivíduo é excessivamente seguro e arrogante, quando utilizado de forma precipitada e por pessoas com pouca experiência e vivência no assunto.


Tipo 2 – analítico ou deliberativo

Forma de pensamento mais analítica e racional para a tomada de decisão, quando um padrão não é reconhecido de imediato. Nesse caso, usamos um raciocínio mais elaborado para tentar encontrar mais elementos que nos permitam resolver a questão. Este caminho “analítico” é mais consciente, porém lento e nos exige mais tempo e energia, mas é descrito como altamente efetivo em relação à probabilidade de acerto por estar menos propenso a vieses cognitivos. Nesse caso, usamos mais o pensamento convergente, que consiste em achar uma única solução apropriada a um problema.


Entretanto, ele também não está livre de vieses, sobretudo quando o médico não tem consciência destes padrões, muitas vezes acreditando que está utilizando um raciocínio analítico racional, sem perceber que está caindo em armadilhas cognitivas.


Alguns exemplos práticos da forma como o “pensamento dual” funciona:

Um radiologista experiente, ao se deparar com essa imagem de RM do joelho no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura, em poucos segundos já sabe que esse paciente deve ter rotura do ligamento cruzado anterior e muito provavelmente uma lesão meniscal, mesmo sem estar vendo estas lesões, inferindo apenas pelo padrão de contusão óssea. Nesse caso, ele usou o pensamento heurístico, em que você simplesmente "sabe" apenas pelo reconhecimento de padrões.


Já um radiologista com menos experiência precisará elaborar uma linha de raciocínio usando o pensamento analítico - esse edema ósseo seria contusional? Se encaixa em algum padrão de trauma? Quais lesões estariam associadas? Ou seja, ele precisa pensar mais sobre o assunto antes de formular uma hipótese.


Veja agora estes exemplos de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura de 4 pacientes diferentes com edema adjacente ao ligamento colateral medial (LCM). É comum os radiologistas atribuírem automaticamente a estiramento, mesmo utilizando o pensamento analítico: "vejo edema ao redor do LCM e este deve estar relacionado a estiramento, pois aprendi que quando tem edema ao redor de ligamentos a causa pode ser estiramento ou rotura de diferentes graus".

Mas cada paciente tem um diagnóstico diferente:

1- Estiramento grau I do ligamento colateral medial.

2- Depósito de hidroxiapatita adjacente ao côndilo femoral medial identificado em imagem mais posterior.

3- Luxação transitória lateral da patela, com edema adjacente ao ligamento patelofemoral medial que se estendeu junto ao ligamento colateral medial.

4- Rotura complexa do menisco medial, com colapso subcondral no côndilo femoral medial e edema reacional adjacente.


Ou seja, mesmo quando pensamos de forma racional, consciente e analítica podemos errar se nossa base de informações não estiver correta ou for insuficiente. O fato de tentarmos achar uma solução única também pode nos fazer não enxergar outras opções possíveis.


O ideal é a combinação das duas formas de pensamento, associada a ativamento de recursos para evitarmos os vieses cognitivos que levam a erros. Em outros posts veremos as armadilhas cognitivas mais comuns que não percebemos ao usarmos tanto o pensamento heurístico quanto o analítico.

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