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Por que não evoluo?


Patrícia Martins e Souza


Uma das sensações mais comuns e incômodas da vida adulta é sentir que não estamos evoluindo, mesmo nos esforçando. A maioria de nós passa a vida tentando fazer o seu melhor, seja no trabalho, família, vida pessoal, mas parece que nada é suficiente. Mesmo gostando do que fazemos no trabalho e sendo interessados, parece que não tem leitura, aula, estudo, coach, que dê jeito, sempre falta alguma coisa para nos sentirmos verdadeiramente seguros e dignos de reconhecimento na nossa profissão. Parece familiar para você?

 

Eu muitas vezes me senti assim, achando que por mais esforço, tempo e energia despendidos, a impressão era que eu não melhorava na mesma proporção da dedicação. Isso mudou quando eu me deparei com um discurso do educador e palestrante Eduardo Briceño, autor do livro “The Performance Paradox”, que fez muito sentido para mim.

 

Segundo Briceño, existem duas zonas: a zona do desempenho e a zona do aprendizado. A zona do desempenho é onde está a execução, o ‘fazer’, é onde aplicamos intencionalmente tudo que aprendemos. Portanto, nela colocamos o que já sabemos. A zona do aprendizado é onde está o aperfeiçoamento. É onde buscamos o conhecimento do que não dominamos.

 

O problema apontado por ele é que ocupamos frequentemente cada uma dessas zonas na proporção inadequada – gastamos a maior parte do tempo na zona do desempenho, deixando em segundo plano a zona de aprendizado. Isso porque crescemos ouvimos que “só se aprende fazendo”, mas não é tão simples assim – até podemos aprender enquanto fazemos, mas se apenas fizermos algo isso não nos levará realmente a aprender. Isso não quer dizer que a zona de desempenho não tenha valor: a prática é motivadora e nos permite identificar os pontos que precisamos desenvolver. Mas, como a zona do desempenho é onde aplicamos intencionalmente tudo que aprendemos, nosso objetivo é executar da melhor forma possível, então nos concentramos naquilo que já dominamos e não nos permitimos errar. Só que, como muitas vezes não dominamos realmente aquele assunto, acabamos buscando atalhos que viabilizem a execução, ficando na superficialidade, focando em disfarçar potenciais erros para não revelar nossa falta de conhecimento.

 

 No caso específico da radiologia seria focar principalmente nos laudos e em “tocar” os exames: acreditamos que quanto maior o número de laudos ou de exames executados maior será nossa evolução. E um dos fatores de confusão é que a prática tende a aumentar a velocidade, o que pode criar a ilusão de que somos capazes o suficiente já que estamos mais “ágeis”, então paramos de ir à zona da aprendizagem dedicando todo tempo apenas em fazer nosso trabalho. 

Só que a zona de aprendizado tem algo tão inestimável quanto o conhecimento em si: como na zona do aprendizado o objetivo é o aperfeiçoamento, fazemos atividades nos concentrando naquilo que não dominamos e nos permitimos errar, pois sabemos que vamos aprender com os erros. Além disso, também buscamos ferramentas fora do assunto de interesse que nos ajudam a melhorar a performance - procuramos conhecimentos paralelos que de alguma forma vai nos ajudar na execução, mesmo que inicialmente não pareça tão óbvio.

 

Muitas vezes não sabemos como e no que melhorar na radiologia musculoesquelética porque a ortopedia é uma área que não costumamos ter familiaridade. Além disso, nossos ambientes muitas vezes são de alto risco e com muita pressão, onde se espera algo próximo da perfeição, o que nos limita a uma zona de conforto rejeitando potenciais erros e atrasos, evitando determinados exames e não desenvolvendo estratégias de feedback. Como romper esse ciclo vicioso?


O caminho para o alto padrão é alternar de forma equilibrada ambas as zonas, construindo habilidades na zona de aprendizagem para poder aplica-las na zona de desempenho. E, para isso, precisamos detectar o que precisamos desenvolver dentro da zona do aprendizado da radiologia musculoesquelética que será útil na execução dos exames e confecção dos laudos.

 

Por exemplo, para quem opera os equipamentos parece que basta saber onde fica cada articulação e saber quais os comandos usar para obter as imagens. Mas, o conhecimento mais detalhado da anatomia e saber o significado das indicações clínicas vão ajudar em muito a obtenção de exames mais diagnósticos e não apenas “exames padrão” que muitas vezes nem incluem a área onde está o problema em questão ou não são feitas as angulações ou reconstruções mais favoráveis.

 

Da mesma forma, o radiologista não deve apenas se ater apenas às descrições das alterações, que muitas vezes nem são relevantes. É fundamental saber o porquê de cada sequência e ter senso crítico sobre o padrão técnico da imagem – a qualidade é suficiente para detectarmos as possíveis alterações naquele caso? A marcação foi adequada em relação aos planos anatômicos? Acrescentaria ao diagnóstico alguma sequência extra ou uso de contraste? Precisamos sair da rotina em determinado caso? Quando o paciente deveria ser reconvocado?

 

Como especialistas em medicina diagnóstica devemos ter certeza de que foi feito o melhor possível em benefício do paciente e devemos também ter uma análise ética de cada caso: O exame está realmente satisfatório? Você faria o exame exatamente dessa forma se fosse de alguém da sua família? Está confiante de que todos os recursos disponíveis foram utilizados da melhor forma?  Há risco de deixarmos passar uma lesão que tenha consequências para o paciente?

 

Ambas as zonas deveriam ser parte de nossas vidas, mas termos consciência de quando queremos estar em cada uma delas, com que objetivo, foco e expectativas, nos ajuda a evoluir e desempenhar melhor nossas funções. 


"A sabedoria não vem do acerto, mas do aprendizado com os erros".

Monja Coen

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