'Saber fazer' e 'saber como se faz' parecem ser a mesma coisa, mas existe uma grande diferença entre as duas situações. Para entender melhor essa diferença e o que isso tem a ver com a radiologia, vamos usar como exemplo o bolo de laranja.
Eu ‘sei como se faz’ um bolo de laranja e um bolo gelado de coco que fazem muito sucesso na família porque eu pesquisei na internet e segui a receita da Rita Lobo do site panelinha (# ficaadica – lá tem muitas receitas que costumam dar certo, mesmo para quem nunca fez antes!) e da Carole Crema que faz um dos bolos molhadinhos de coco mais famosos do país. Me senti a própria boleira profissional na pandemia seguindo essas receitas! Até que me perguntaram se eu sabia fazer bolo de laranja low carb. Não. E bolo de frutas? Não. E torta de maçã? Também não...
‘Saber como se faz’ é fácil, porque basta apenas reproduzir algo a partir de um passo a passo pré-determinado. É a famosa ‘receita de bolo’. O problema disso é que você fica limitado a fazer apenas o que aprendeu sempre do mesmo modo e nas mesmas circunstâncias, e não associa outros conhecimentos para melhorar a prática. É por isso que tantas receitas não funcionam, porque mesmo a gente seguindo o passo a passo direitinho, não conseguimos reproduzir todas as condições de quem as criou – os ingredientes têm melhor procedência ou outra composição, o forno e os utensílios usados são diferentes, a forma de misturar é outra, e por aí vai.
No dia a dia do profissional de radiologia é a mesma coisa – usar o mesmo protocolo de uma articulação em outra às vezes dá certo, mas muitas vezes é um desastre. Um conceito de fratura ou rotura tendínea de uma região nem sempre vai poder ser aplicado a outras, assim como conceitos e nomenclaturas de diferentes especialidades. Um nódulo de contorno espiculado na mama, por exemplo, é sinal de suspeição de malignidade, enquanto que existem alterações ósseas comuns com contorno espiculado que são benignas, como a enostose. O que chamamos de perfusão em musculoesquelético, onde é usada a ponderação T1, em neurorradiologia se usa a ponderação T2... Só ‘saber como se faz’ faz do profissional de radiologia um ‘apertador de botão’ ou um ‘laudista’ que repete frases feitas – dá certo só até certo ponto.
E qual seria a diferença com ‘saber fazer’? Enquanto que no ‘saber como se faz’ apenas reproduzimos uma informação, no ‘saber fazer’ todo o seu conhecimento, incluindo aqueles que aparentemente não tem nada a ver com a situação, é usado para algo ser feito da melhor forma possível. Não importa que circunstâncias você vai encontrar, como você realmente ‘sabe’, vai conseguir encontrar uma forma de executar com excelência. Quem “sabe fazer”, conhece as propriedades e funções de cada ingrediente, assim como o que pode influenciar o resultado. Sabe que o ovo acrescenta gordura e dá liga, assim se precisar fazer um bolo sem ovos vai saber o que pode substituir; sabe que a espessura e material da assadeira influencia o resultado, então se estiver usando uma assadeira diferente vai saber corrigir o tempo e a temperatura do forno. Ou seja, quem “sabe fazer” pode até seguir uma receita como base, mas usa outros conhecimentos (como química e física, no caso do bolo) e a experiência adquirida do que não funciona ou já deu errado para conseguir ter senso crítico e adaptar uma determinada receita a várias situações, além de criar outras novas.
Na enquete do Instagram (@mskrad) sobre “Você acha que é um problema atual a informação ser passada de forma muito resumida e superficial?” muitos comentaram que, infelizmente, sim... Nada contra resumos e informações curtas, principalmente quando queremos uma consulta rápida, mas isso não faz ninguém ‘saber fazer’ nada, é o equivalente a seguir uma receita fácil de bolo: resolve o problema do lanche do domingo, mas não transforma ninguém em profissional e, muito menos, em especialista.
Em uma entrevista, a Rita Lobo (apresentadora do “Cozinha prática” no GNT e criadora do site panelinha) disse que “Por trás da simplicidade de um bolo de liquidificador tem MUUUUITO teste, muito trabalho”. Ou seja, não é só seguir uma receita, tem muito estudo e tentativa e erro por trás. E só assim saímos do lugar comum de ser uma pessoa que só sabe como se faz porque segue uma receita à risca - se perder a receita ou faltar algum ingrediente já era. Ela adquiriu e usou diversas formas diferentes de conhecimento para saber o que faz não só um bolo dar certo, mas qualquer tipo de bolo.
Para você sair do lugar comum e se tornar um profissional respeitado não basta seguir informações curtas e limitadas, isso requer estudos mais profundos e que reúnam diversas áreas de conhecimento.
"Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes".
Comments