No I Curso de Trauma dos Membros Superiores discutimos duas situações bem frequentes na radiologia musculoesquelética:
A primeira é a do “tubarão branco” (erro de percepção), quando a alteração está presente, mas não é identificada. No post de dezembro/17 discutimos algumas das causas mais comuns que levam a falso-negativos, como:
Qualidade técnica do exame – exames de má qualidade estão diretamente relacionados à não detecção de lesões, sendo papel fundamental do radiologista zelar para que os exames sejam diagnósticos. A baixa resolução, não inclusão de estruturas de interesse no FOV, não usar marcador cutâneo, a falta de determinada(s) sequência(s) ou angulações, não administração de contraste, assim como não orientar a condução de exames específicos, como nas lesões do peitoral maior, podem nos fazer deixar de identificar uma alteração importante.
Condições de trabalho insatisfatórias – fadiga visual, ritmo de trabalho excessivo, falta de motivação, excesso de interrupções e distrações aumentam consideravelmente a chance de erro.
Satisfação da busca – encontrarmos uma alteração pode fazer com que nos demos por satisfeitos e não busquemos outros achados que também podem ser relevantes e até mais importantes que o detectado inicialmente.
A segunda situação é a do “tubarão baleia” (análise limitada que leva a erro de interpretação), quando a alteração é detectada, mas sua importância não é compreendida ou é sub ou superestimada resultando em diagnóstico final incorreto. Vários fatores podem levar a essa situação, alguns também descritos no texto publicado em dezembro/17, como a análise isolada das imagens sem conhecimento do contexto clínico e histórico do paciente / exames anteriores, assim como a falta de conhecimento sobre o assunto.
Outro fator, discutido em novembro/17, é confundir laudo descritivo com descrição literal. O laudo descritivo deve identificar, localizar e qualificar com o objetivo de auxiliar o médico solicitante a chegar a um diagnóstico preciso. Podemos descrever a imagem acima como “um tubarão macho da espécie baleia, com estimativa do comprimento e peso e informações relevantes sobre o seu estado geral”, ou podemos descrevê-la de forma literal como “uma criatura preta de bolinhas brancas”. Pelo fato da descrição literal não deixar de ser verdadeira, muitos consideram que é aceitável. Mas esse tipo de descrição pode ter consequências até mais graves do que não detectar, porque não identifica o problema corretamente, não localiza, qualifica, nem dimensiona a lesão, nem dá ideia da gravidade do quadro e não raramente desvia o solicitante do diagnóstico correto. Por exemplo, se em vez de descrever claramente uma fratura o radiologista informa que há “área mal definida de hipersinal em DP com imagens lineares hipointensas em T1 de permeio”, o médico assistente pode considerar que há apenas uma contusão óssea e, com isso, uma fratura que poderia evoluir bem pode cursar com depressão articular ou desalinhamento por tratamento incorreto. Da mesma forma, uma fratura em consolidação descrita de forma literal pode induzir o médico solicitante a pensar em lesão tumoral com consequências desastrosas. Uma regra básica para sabermos se nossa descrição está adequada é pensar que, caso não seja possível ver as imagens, com a descrição qualquer um poderá visualizar mentalmente a alteração descrita e chegar ao diagnóstico correto.
Estruturar o texto em parágrafos curtos que contenham todas as informações relevantes induz a menos erros de interpretação do que textos longos e confusos, embora leve tempo e seja mais complexo que parece. Como dizia Mark Twain: “I didn’t have time to write a short letter, so I wrote a long one instead”.
As palavras também devem ser escolhidas com cuidado, pois seu uso incorreto prejudica a compreensão. Como não estamos familiarizados com os termos ortopédicos, muitas vezes as descrições fogem da nomenclatura existente, gerando laudos que predispõe a erros e falhas de comunicação. Tendemos também a repetir frases sem o devido questionamento se elas estão mesmo corretas e sem o devido conhecimento dos critérios utilizados para considerar uma alteração significativa ou não, o que é muito frequente no trauma: muitas vezes desvios e angulações são descritos como acentuados, quando pelos critérios na literatura não são considerados relevantes. O contrário também ocorre: alterações importantes que podem ter tratamento cirúrgico ou mau prognóstico são descritas como “mínimas” ou ignoradas.
Precisamos sempre lembrar que ter relevância é o que garante a permanência e valorização de qualquer especialidade.
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