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"Minimomaníaco"


Qualquer pessoa que trabalhe emitindo laudos ou relatórios precisa ser preciso na escolha das palavras porque precisamos ter certeza que o que escrevemos vai ser entendido da forma correta por quem recebe. Muitas vezes usamos palavras que fazem sentido para nós ou que carregam uma intenção específica que nem sempre vai ter o mesmo entendimento por quem lê. “Mínimo” é uma palavra muito usada em laudos radiológicos, mas existem radiologistas que abusam desse termo, os “minimomaníacos”.

Então essa palavra estaria errada? Não. Por definição, se procurarmos nos dicionários, a palavra “mínimo” significa “muito pequeno, diminuto, menor que todos os demais num conjunto (como é o caso, por exemplo, do dedo mínimo, o menor de todos os dedos), a menor quantidade (de determinada coisa)”.



Portanto, existem diversas situações em que cabe a palavra “mínimo” nos laudos: mínima irregularidade na borda livre do menisco, mínima irregularidade condral, etc.




O problema é quando a palavra “mínimo” é mal empregada, ficando muitas vezes contraditória, dando a impressão de que a pessoa desconhece algumas definições e conceitos ou podendo gerar interpretações equivocadas. Quando isso pode acontecer?




Usar “mínimo” dando uma medida que não seria “mínima”


Levando em conta que “mínimo” seria sinônimo de “diminuto” (ínfimo, microscópico), uma palavra que costuma ser empregada para achados imensuráveis, fica contraditório escrever “mínimo (ou diminuto) cisto medindo 2 cm”. Um cisto que mede 2 cm em qualquer articulação já deixou de ser mínimo há muito tempo. Mínimo nesse caso seria um cisto até difícil de medir com o cursor de tão pequeno.

Muita gente usa a palavra “mínimo” querendo dar a entender que é um achado sem importância, mas existem outras formas mais eficientes de passar essa mensagem. Podemos apenas falar “pequeno cisto subcortical no platô tibial”, sem entrar em detalhes de medida, o que já reduz a ideia de importância (quanto maior e com mais detalhes é uma descrição, mais vai parecer que ela é importante!). Ou colocar que o achado provavelmente não tem significado clínico, como é o caso dos restos cartilaginosos ou pequenos encondromas e dos depósitos focais de gordura nos corpos vertebrais, por exemplo. Não fica claro para muita gente que o “mínimo” quer dizer sem relevância clínica. E, se uma coisa é tão minúscula e sem importância, por que descrever um nada??


Usar “mínimo” sugerindo uma alteração que, por definição, seria o contrário de mínimo


Esse tipo de situação acontece muito quando estamos falando de líquido. Não devemos esquecer que as articulações e tendões são relacionados a movimento e, para o movimento ser eficiente, é importante haver lubrificação, da mesma forma que ocorre com as máquinas onde se coloca óleo no motor para que as engrenagens sofram menos desgaste. Logo, é normal haver pequena quantidade de líquido intra-articular, nas bolsas e bainhas tendíneas que sofrem mais atrito e/ou se comunicam com a articulação, como nas bainhas dos tendões tibial posterior, flexor longo do hálux e da cabeça longa do bíceps e nas bolsas subacromialdeltoideana, infrapatelar profunda e retrocalcânea. O que caracteriza o derrame articular, assim como a tenossinovite e a bursite, é o aumento do líquido nessas regiões – se a definição é de aumento, como a gente descreve usando um termo que seria para descrever a menor quantidade de todas? “Mínima quantidade de líquido na bursa ...” pela lógica seria indicativo de bursite (líquido aumentado) ou de líquido fisiológico (líquido discreto)? Colocar essa frase como indicativo de bursite deixa o ortopedista bem confuso...


Esse tipo de raciocínio geralmente indica duas situações:

  1. A pessoa replica frases que o serviço usa sem pensar no seu significado e em como isso pode ser entendido pelas pessoas de fora

  2. A pessoa é insegura ou não tem conhecimento das definições e conceitos e acredita que colocando “mínimo” estaria acertando sempre – acreditar faz parte da natureza humana, tem quem acredite em fada, duende, unicórnio, só que acreditar não torna algo verdade. Colocar “mínimo derrame articular” ou “mínima quantidade de líquido na bursa ..., por bursite” não faz quem escreveu acertar sempre. Ela apenas acredita que, com isso, se for bursite ela escreveu que era e se não for ela colocou mínimo indicando que não era nada. A verdade:

  • A clínica é soberana. Algumas vezes os sintomas antecedem a imagem. Falo por experiência própria: eu já tive capsulite no ombro e a primeira ressonância magnética foi normal mesmo eu sentindo muita dor. Então, em muitos casos, não ter líquido não exclui algumas doenças, os achados tem que ser correlacionados com o contexto.

  • Se for realmente bursite, tenossinovite, ou qualquer “ite” passível de ser diagnosticada por imagem, por definição o líquido não seria mínimo. E, se o líquido for mínimo e o paciente não tiver sintomas, não seria bursite, ou seja, não tem como ser as duas coisas ao mesmo tempo.

  • Precisamos saber os conceitos e as definições antes de dar o laudo – existem critérios na literatura definindo a partir de quando podemos considerar uma série de alterações, precisamos sempre checar antes de emitir um relatório!


Conteúdos que podem te ajudar:

A página NOTAS & MEDIDAS do site tem exatamente esse objetivo, lá temos diversas definições e medidas validadas na literatura.




O caso desse mês é justamente sobre “Derrame articular no joelho”






A playlist no canal do Youtube sobre “Frases de devemos repensar” e “Como descrever” vai te ajudar a emitir relatórios com muito mais consistência.







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