Patrícia martins e Souza - Setembro de 2020
História clínica
Adolescente de 15 anos, sexo masculino, apresentando dor no quadril esquerdo há 1 ano, com piora progressiva e limitação dos movimentos. Solicitado inicialmente radiografias e depois tomografia computadorizada da bacia.
Figura 1 (a-b): Radiografias da bacia (1a) e localizada do quadril esquerdo (1b) na incidência anteroposterior (AP).
Figura 2 (a-c): Reconstrução tomográfica da bacia no plano coronal com a técnica MPR e filtro de osso.
Figura 3 (a-b): Reconstrução tomográfica da bacia no plano transversal com a técnica MPR e filtro de osso.
Figura 4: Reconstrução tomográfica da bacia no plano sagital com a técnica MPR e filtro de osso.
Figura 5: Reconstrução tomográfica da bacia no plano coronal com a técnica MPR e filtro de partes moles.
Figura 6 (a-b): Reconstrução tomográfica da bacia no plano transversal com a técnica MPR e filtro de partes moles no nível dos ilíacos (6a) e dos ísquios (6b).
Descrição dos achados
Figura 1 (a-b)’: Radiografias da bacia (1a’) e localizada do quadril esquerdo (1b’) na incidência anteroposterior (AP) mostrando lesão lítica no grande trocânter esquerdo (setas amarelas).
Figura 2 (a-c)’: Reconstrução tomográfica da bacia no plano coronal com a técnica MPR e filtro de osso mostrando lesão lítica no grande trocânter esquerdo (setas amarelas) que apresenta calcificações de permeio (setas vermelhas) e margem esclerótica (setas brancas).
Figura 3 (a-b)’: Reconstrução tomográfica da bacia no plano transversal com a técnica MPR e filtro de osso mostrando a lesão lítica em situação mais superior no grande trocânter esquerdo (seta amarela) e o componente esclerótico mais inferior (seta branca).
Figura 4’: Reconstrução tomográfica da bacia no plano sagital com a técnica MPR e filtro de osso mostrando lesão lítica no grande trocânter esquerdo (seta amarela) que apresenta calcificações de permeio (setas vermelhas) e margem esclerótica (seta branca).
Figura 5’: Reconstrução tomográfica da bacia no plano coronal com a técnica MPR e filtro de partes moles mostrando atrofia da musculatura glútea esquerda (setas laranjas), com lipossubstituição quase completa do glúteo médio (seta verde), e atrofia da musculatura adutora deste lado (setas azuis).
Figura 6 (a-b)’: Reconstrução tomográfica da bacia no plano transversal com a técnica MPR e filtro de partes moles no nível dos ilíacos (6a’) e dos ísquios (6b’), mostrando atrofia do músculo glúteo máximo esquerdo (seta laranja), com lipossubstituição quase completa do glúteo médio (seta verde), atrofia lipossubstituição do músculo piriforme (seta branca) e de parte da musculatura adutora deste lado (setas azuis).
Discussão
O condroblastoma, conhecido também como tumor de Codman, é um tumor raro de origem cartilaginosa - cerca de 1% dos tumores ósseos primários, 6% dos tumores ósseos benignos e o terceiro tumor de natureza cartilaginosa benigna, ficando atrás apenas do encondroma e do osteocondroma. Acomete mais frequentemente o quadril, ombro e joelho, e os ossos envolvidos em 70% dos casos são o fêmur, o úmero e a tíbia proximais, podendo também acometer os ossos das mãos e dos pés e a patela. O acometimento de ossos chatos é bem mais raro, mas, quando acometidos, o comportamento tende a ser mais agressivo em comparação com os ossos longos.
O condroblastoma tem predileção pela cavidade medular das epífises dos ossos longos, podendo estender-se para a metáfise, e pelas apófises. Só em 2% dos casos há acometimento primário da metáfise ou diáfise e, raramente, o condroblastoma pode acometer a córtex dos ossos longos.
A faixa etária típica do condroblastoma compreende a 2ª (cerca de 70% dos casos) e 3ª (cerca de 30% dos casos) décadas de vida, comumente dos 10 aos 20 anos de idade (70% dos casos), quase nunca acometendo pacientes com idade superior a 30 anos. Nas localizações atípicas a faixa etária costuma ser maior, com média de idade em torno de 26 anos. Há predileção pelo sexo masculino (2:1).
Na tabela 1 estão listadas as principais características típicas do condroblastoma:
Tabela 1: Características típicas do condroblastoma.
Os sintomas são inespecíficos: dor em quase todos os casos, sendo frequentes edema e impotência funcional associados.
No RX o condroblastoma tipicamente se apresenta como uma lesão lítica única bem definida, excêntrica, com margem lobulada, septações, podendo apresentar calcificações internas, expansão da cortical e halo de esclerose. Reação periosteal também é um achado comum, ocorrendo em mais de 50% dos casos. As dimensões do condroblastoma variam entre 1 a 4 cm (média de 3,5 cm), sendo um critério na distinção com o condrossarcoma, que costuma ser maior. Entretanto, os condroblastomas em localizações atípicas tendem a apresentar maiores dimensões, com relatos de condroblastoma no acetábulo chegando a 10 cm de diâmetro e na metáfise do úmero com 7 cm.
Na RM o sinal é variável, geralmente de baixo a intermediário na ponderação T1 e heterogêneo em T2, com halo de baixo sinal e realce lobular, marginal e septal pelo contraste. O sinal depende da maturidade da matriz condroide, celularidade, calcificações e presença de hemossiderina e componente cístico aneurismático. É comum a associação com edema perilesional e nas partes moles adjacentes e, em cerca de 4% casos pode ocorrer derrame articular e sinovite. O derrame articular, que pode ocorrer também em outros tumores benignos, como o osteoma osteoide e o osteoblastoma, parece ser uma resposta inflamatória anômala induzida pelo tumor.
Alguns condroblastomas, especialmente os que acometem ossos curtos, como patela, calcâneo e tálus, podem apresentar áreas císticas e hemorrágicas que representam áreas de cisto ósseo aneurismático secundário. A incidência estimada de cisto ósseo aneurismático secundário no condroblastoma é de 10 a 30% e costuma ser maior em pacientes acima de 20 anos de idade.
Embora o condroblastoma seja uma lesão benigna, tem comportamento ativo, com recorrência local e, embora muito raro, pode estar associado a metástases, especialmente para os pulmões.
Diagnóstico diferencial do condroblastoma
Existem 3 tumores que tipicamente apresentam predileção pela EPÍFISE dos ossos longos: o tumor de células gigantes (TCG), o condroblastoma e o condrossarcoma de células claras.
O TCG tem localização epifisária, periarticular, idade típica dos 20 aos 30 anos (fise fechada). Nos raros casos de TCG que acomete pacientes com a fise ainda aberta, a localização costuma ser metafisária. As dimensões costumam ser maiores em comparação com as do condroblastoma. É comum afilamento e abaulamento cortical, não costuma haver halo de esclerose (apenas uma neocórtex em “casca de ovo”, típica das lesões benignas agressivas) ou calcificações de matriz condral. Reação periosteal é muito rara, mas fratura patológica ocorre na apresentação de cerca de 12% dos casos.
O condrossarcoma de células claras é uma variante rara do condrossarcoma (menos de 2% de todos os condrossarcomas, geralmente de baixo grau de malignidade e com prognóstico melhor que o do condrossarcoma convencional). É tipicamente epifisário e com características de imagem muito semelhantes ao condroblastoma, sendo que em mais de 50% dos casos há extensão à metáfise ou o centro da lesão é metaepifisário. As dimensões costumam ser maiores em relação ao condroblastoma (tamanho médio na apresentação em torno de 5 cm) e acomete indivíduos na 3ª a 5ª décadas de vida. Há também predileção pelo sexo masculino, um pouco maior em comparação com o condroblastoma (2,5 a 3,5:1).
O osteossarcoma like-condroblastoma é uma variante rara do osteossarcoma (menos de 1% de todos os osteossarcoma), com predileção pela 3ª década de vida e geralmente acometendo os ossos dos pés, em especial os metatarsos. Outros locais descritos foram o fêmur, costelas, úmero, tíbia, tálus, falanges, fíbula, ísquio e ílio. Não há relato de casos em crianças com idade inferior a 10 anos.
Algumas condições não-tumorais que acometem a epífise devem ser consideradas também no diagnóstico diferencial do condroblastoma:
Nas crianças a osteomielite acomete preferencialmente os ossos longos como a tíbia e o fêmur. Embora a fise seja tradicionalmente considerada uma barreira que impediria a extensão do acometimento metafisário para a epífise, estudos com RM demonstraram acometimento epifisário na osteomielite em pacientes com a fise aberta.
Granuloma eosinofílico é a forma isolada monostótica da histiocitose de calulas de Langerhans, caracterizada pela agregação de eosinófilos, leucócitos, macrófagos e células de Langerhans. Até 50% dos granulomas eosinofílicos são encontrados na coluna, mas podem acometer os ossos longos, geralmente na metáfise ou diáfise e, mais raramente, na epífise.
Lesões osteocondrais de origem traumática, como osteocondrite dissecante.
Ganglion intra-ósseo é uma lesão óssea benigna não-neoplásica preenchida por material mucoide viscoso, podendo ter halo de esclerose. Maior prevalência em indivíduos na 4ª e 5ª décadas de vida.
Doença de Trevor é uma desordem rara do desenvolvimento da epífise, causada por um crescimento osteocondral anormal irregular. Alguns consideram essa alteração como uma espécie de osteocondroma intra-articular. Acomete geralmente o joelho e o tornozelo.
O tratamento do condroblastoma inclui curetagem agressiva ou ressecção do osso acometido, e os índices de recorrência variam entre 10 e 36%. Pelo acometimento epifisário, deformidade articular e discrepância no tamanho dos membros inferiores pode ocorrer em 7 a 50% dos casos.
LEITURA SUGERIDA
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