A vértebra de transição (VT) é uma variante anatômica que pode estar presente de 10 a até 25% dos indivíduos. Embora na maioria dos casos seja assintomática, a VT pode causar muitos transtornos decorrentes de discrepâncias na nomenclatura dos níveis vertebrais. Os problemas vão desde laudos descrevendo a mesma alteração em níveis diferentes e dificuldades na revisão e realização de laudos comparativos nestes casos, até a realização de procedimentos e cirurgias no nível errado. Como podemos evitar confusão com VT? Desenvolvermos um passo a passo prático para o dia a dia:
Passo 1 - Ter conhecimento teórico sobre o significado e as diferentes formas de apresentação das vértebras de transição. Para isso já temos bastante conteúdo na página CLASSIFICAÇÃO / COLUNAS, no CASO DO MÊS DE NOVEMBRO/21 e no vídeo “Como descrever – vértebra de transição” no canal do YouTube mskrad.
Reforçando alguns conceitos básicos importantes:
VT não tem relação com o número total de vértebras, apenas significa que uma vértebra apresenta características de 2 segmentos distintos adjacentes.
A única forma confiável de sabermos o número total de vértebras e termos certeza dos níveis é a contagem das vértebras a partir de C2.
Alguns reparos anatômicos ajudam na suspeição de VT ou vértebra supranumerária, mas não substituem o padrão ouro, que é a contagem a partir de C2.
Passo 2 - Contar as vértebras a partir de C2. Isso é possível quando o paciente tem exames das 3 colunas, quando temos uma sequência localizadora da coluna total ou outros exames que permitem a contagem das vértebras (TC de pescoço, tórax e abdome, angioTC, RX de tórax, etc.).
Conseguir contar as vértebras é o ideal, pois só assim temos certeza que o número de vértebras é padrão ou que existem vértebras a mais ou a menos. Por isso, é fortemente recomendável que na RM da coluna lombar seja adquirida uma sequência localizadora no plano sagital de toda a coluna vertebral. #ficaadica
Passo 3 - Decidir como nomear a VT. Isso depende de você ter conseguido ou não contar as vértebras.
Você conseguiu contar as vértebras!!
Ótimo! Agora você sabe se o paciente tem o número padrão de vértebras (7 cervicais, 12 torácicas e 5 lombares) ou não.
Caso ele tenha o número habitual de vértebras, todas podem ser padrão ou podemos encontrar VT na transição toracolombar (VTTL), na transição lombossacra (VTLS) ou em ambas (VTTL + VTLS). Mas como o número de vértebras é o mesmo, podemos nomear as vértebras normalmente (T12, L1, L5 e S1), apenas descrevendo as alterações que caracterizam aquela determinada vértebra como transicional:
Exemplos:
- "T12 apresenta características de VT, com ausência de arco costal à direita e arco costal hipoplásico à esquerda";
- "L1 apresentando núcleo de ossificação não fusionado bilateral";
- "L5 apresentando megapófise transversa direita fusionada ao sacro, considerada como sacralização de L5";
- "Considerada lombarização de S1, com megapófises transversas articuladas ao sacro e disco rudimentar entre S1 e S2", etc.
Caso ele tenha um número maior de vértebras estamos diante de uma vértebra supranumerária na transição toracolombar e/ou na transição lombossacra. Nesse caso, podemos nomear a vértebra extra como "VT", mas também descrevendo as características para ficar bem claro no laudo.
Exemplos:
- "T12 com arcos costais bem formados e vértebra supranumerária na transição toracolombar denominada VT apresentando arcos costal direito hipoplásico";
- "T12 apresentando arco costal hipoplásico à esquerda e 6 vértebras lombares, com vértebra supranumerária denominada VT com megapófise transversa direita articulada ao sacro", etc.
Você NÃO TEM COMO contar as vértebras!!
Eita! E isso acontece o tempo todo quando só temos as imagens da coluna lombar :(
Agora fica um pouco mais complicado porque você não sabe se o paciente tem o número padrão de vértebras, mas tem alguns pontos que ajudam a diminuir as discrepâncias dependendo se o exame é RX/TC ou RM:
Laudo radiográfico ou tomográfico
A VT toracolombar (VTTL) na prática só é identificada nas radiografias (RX) e tomografia computadorizada (TC) porque na RM é muito difícil identificar um arco costal hipoplásico ou um núcleo de ossificação não fusionado.
Sem a contagem essa VTTL pode ser T12 (só sabemos quando identificamos 11 arcos costais bem formados nas vértebras acima), uma vértebra supranumerária ou L1 (só sabemos quando identificamos 12 arcos costais bem formados nas vértebras acima).
Passo 4 - Identificar se a VTTL apresenta algum tipo de arco costal (curto, hipoplásico e/ou unilateral) articulado à vértebra. Se chamarmos essa vértebra de VT, a vértebra abaixo será considerada L1. Essa é a melhor opção por algumas razões:
Quase 70% dos casos de VTTL apresentam arco costal hipoplásico e apenas cerca de 30% dos casos apresentam núcleo de ossificação não fusionado (situação em que a maioria dos radiologistas não percebe que há uma VT).
Nesses 70% dos exames com VTTL em que vamos identificar um arco costal hipoplásico, tanto faz se a vértebra acima for T11 ou T12, já que a vértebra abaixo será nomeada como L1 nas duas situações. Por isso, nomear a VTTL com arco costal hipoplásico como VT não vai alterar a contagem de vértebras lombares, reduzindo as chances de laudos discrepantes.
Nos casos da VT com núcleo de ossificação não fusionado, a maior chance é tratar-se de de L1 ou uma 13ª vértebra com características transicionais, sendo impossível essa diferenciação sem a contagem total das vértebras. O problema é que nesse caso faz diferença: se chamarmos essa vértebra VT a vértebra abaixo será L1; já se cnomearmos L1 a vértebra abaixo será L2. Alguns dados para ajudar a decidir como vamos nomear essa vértebra no laudo, pois nesse caso faz diferença:
- Embora não ocorra em todos os casos, quando identificamos um processo transverso maior que os demais, essa vértebra costuma ser L3.
- Identificar o número de vértebras lombares e sacrais e se há VT lombossacra concomitante (o que ocorre em 70-78% casos!). Assim a opção por VT ou L1 vai depender do que você considerar o mais provável em cada situação, mas sempre tendo a precaução de indicar a correlação com estudo radiográfico da coluna vertebral para confirmação dos níveis.
A VT lombossacra (VTLS) é facilmente identificada pela presença da megapófise transversa (maior que 1,9 cm no diâmetro craniocaudal). E no caso dos exames de RX e TC a identificação da transição toracolombar normal exclui a VTTL. Assim basta contar as vértebras abaixo da última vértebra com arcos costais normais (considerada T12) e nomear como L5, S1 ou VT se houver uma 6ª vértebra.
Laudo de ressonância magnética
A VT toracolombar (VTTL) não costuma ser identificada na RM mesmo quando são adquiridas imagens no plano coronal. Portanto, na RM a contagem total das vértebras é fundamental, pois é impossível diferenciar se temos 6 vértebras lombares ou 5 lombares associada a uma VT toracolombar. Outro recurso que também costuma não estar disponível nos exames de RM é a inclusão de todo o sacro para identificarmos o número de peças sacras.
Passo 5 - Identificar os reparos anatômicos mais úteis (origem da artéria renal direita e bifurcação da aorta).
A artéria renal direita costuma se originar entre a metade inferior do corpo vertebral L1 e a metade superior de L2, o que já ajuda a identificar o nível L1-L2 na maioria dos casos. A bifurcação da aorta costuma ocorrer em L4 ou L4-L5, o que ajuda a identificar como L4-L5 o nível logo abaixo da bifurcação. A combinação desses 2 reparos anatômicos aumenta a chance da identificação dos níveis L1-L2 e L4-L5 ser correta em mais de 95% dos casos e permite nomearmos a VT como L5, S1 ou VT se houver uma 6ª vértebra. Entretanto, como não é 100% acurado, sempre recomendar o estudo radiográfico da coluna total para confirmação.
Exemplos:
- "Provável VT lombossacra, considerada L5 com megapófises transversas";
- "Provável VT lombossacra, considerada sacralização de L5 com megapófise transversa direita articulada e megapófise transversa esquerda fusionada ao sacro";
- "Provável VT lombossacra, considerada lombarização de S1";
- "Provável VT lombossacra, considerada vértebra supranumerária (VT) com megapófise esquerda articulada ao sacro";
É útil também salvar uma imagem com as vértebras nomeadas para que o médico assistente e no caso de laudos comparativos futuros fique bem claro a nomenclatura das vértebras ;)
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