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Doença de Scheuermann

Adolescente de 14 anos do sexo masculino com acentuação da cifose torácica e referindo dor após atividade física mais intensa. Solicitada ressonância magnética (RM) da coluna torácica.


Figura 1 (a-b): imagens da coluna torácica no plano sagital nas ponderações T1 (a) e T2 (b).


Descrição dos achados


Figura 1 (a-b)’: imagens da coluna torácica no plano sagital nas ponderações T1 (a’) e T2 (b’) mostrando acunhamento anterior de três vértebras torácicas consecutivas (setas brancas em T7, T8 e T9), que apresentam pequenos nódulos de Schmörl em associação (setas amarelas). À direita mesma imagem da figura 1b’ mostrando os ângulos de acunhamento anterior de 11°, 13° e 10°, respectivamente. Há  também desidratação com redução da altura dos discos intervertebrais em T7-T8 e T8-T9.



Discussão


A doença de Scheuermann, também conhecida como cifose juvenil, osteocondrose juvenil da coluna ou doença discogênica juvenil, é uma condição em que ocorre acentuação anormal da curvatura da coluna secundária a deformidade dos corpos vertebrais que apresentam aspecto em cunha anterior descrita por Holger Scheuermann em 1920.


A doença de Scheuermann é subdividida em 2 tipos:

  • Tipo 1 - forma mais comum, apenas a coluna torácica é acometida, com o ápice da curva cifótica em T7 a T9

  • Tipo 2 - acometimento das colunas torácica e lombar, com o ápice da curva cifótica em T10 a T12.

 

A prevalência doença de Scheuermann na população geral é em torno de 1 a 8%, com maior acometimento em adolescentes (12 aos 17 anos) do sexo masculino (2:1), sendo muito rara em crianças com idade inferior a 10 anos.

 

A exata etiologia ainda não foi completamente estabelecida, mas acredita-se que exista algum componente genético, possivelmente autossômico dominante de acordo com alguns trabalhos com gêmeos. Alguns autores sugerem que há alteração na mineralização e ossificação das placas terminais das vértebras durante o crescimento, com redução do colágeno em relação às proteoglicanas na sua cartilagem, causando crescimento desproporcional do corpo vertebral que resulta no aspecto clássico da vértebra em cunha que leva à cifose. O estresse mecânico também tem sido implicado na etiologia da doença de Scheuermann pela sua maior incidência em atletas que participam de esportes que requerem flexão e extensão significativas da coluna.

 

Os principais diagnósticos diferenciais da doença de Scheuermann são a cifose postural (flexível) e a cifose secundária a alguma situação conhecida, como escoliose, espondilite anquilosante ou pós-cirúrgica.

 

A forma de apresentação típica é adolescente com idade entre 12 e 17 anos apresentando alteração postural, geralmente percebida pelos pais, que buscam avaliação da deformidade, ou o adolescente pode referir dor na região hipercifótica que piora com a atividade física e melhora com repouso. Ao exame físico a hipercifose é rígida, não se resolvendo com a extensão ou quando o paciente fica em decúbito dorsal, podendo ocorrer em associação acentuação da lordose cervical e/ou lombar, escoliose e encurtamento dos isquiotibiais. A hiperlordose lombar secundária à doença de Scheuermann ocorre numa tentativa de restaurar o balanço sagital, mas uma vez que o limite da lordose é atingido e há progressão da hipercifose torácica o balanço sagital se torna positivo, o que pode afetar a qualidade da vida adulta e acelerar a doença degenerativa lombar.


O método de imagem de escolha para avaliação da doença de Scheuermann é o RX das colunas torácica e lombar na posição ortostática. A RM pode ser necessária no caso de suspeita de hérnias discais, sendo a tomografia computadorizada geralmente não recomendada de rotina por acarretar radiação ionizante desnecessária. Nos pacientes com hiperlordose lombar compensatória pode ser indicada a realização de radiografias da coluna lombar em perfil em posição neutra ortostática e hiperextensão na posição supina (decúbito dorsal), comparando as medidas da lordose lombar (figura 2). Geralmente a lordose lombar tende a ser maior na radiografia em pé em comparação com a posição supina devido ao efeito da carga. Se as medidas forem iguais, isso significa que o paciente atingiu o limite natural de compensação do balanço sagital.


Figura 2 (a-b): Radiografias da coluna lombar em perfil de paciente com hiperlordose lombar compensatória à cifose torácica na posição ortostática neutra (a) e na posição supina (b) mostrando que a lordose é maior com o paciente em pé (a). Modificado de JAAOS Glob Res Rev 2024;8: e23.00187.


O diagnóstico por imagem da doença de Scheuermann é baseado nos critérios de Sorensen descritos em 1964:

•       Cifose torácica > 40° OU

•       Cifose toracolombar > 30° E

•       Pelo menos 3 vértebras consecutivas acunhamento anterior ≥ 5°

 

A determinação do grau da cifose é feita na radiografia da coluna em perfil através do ângulo de Cobb: uma linha é traçada ao longo da margem superior da vértebra cefálica mais inclinada e da margem inferior da vértebra caudal mais inclinada da curva cifótica (figura 3).



Figura 3: Representação esquemática da coluna torácica no plano sagital (perfil) mostrando o cálculo do ângulo de Cobb. É considerado um dos critérios diagnósticos da doença de Scheuermann quando o ângulo é > 40°.

 

Para determinação do grau de acunhamento anterior são traçadas linhas tangenciando as margens superior e inferior da vértebra. Como normalmente não há acunhamento, essas linhas vão tender a ser paralelas entre si. É considerado acunhamento significativo quando o ângulo entre as margens superior e inferior do corpo vertebral é ≥ 5° (figura 4).


Figura 4: Representação esquemática de vértebras da coluna torácica no plano sagital (perfil) com acunhamento anterior mostrando o cálculo do ângulo de acunhamento. É considerado um dos critérios diagnósticos da doença de Scheuermann quando o ângulo de cada vértebra é ≥ 5°.


Para mais medidas da coluna vertebral veja a página NOTAS & MEDIDAS / COLUNA.





Outros achados que podem estar associados à doença de Scheuermann:

  • Escoliose

  • Hiperlordose cervical e/ou lombar

  • Espondilólise / espondilolistese (geralmente em L5)

  • Irregularidades nas placas terminais das vértebras

  • Nódulos (hérnias) de Schmörl (herniação de material discal através das placas terminais adjacentes)

  • Redução da altura dos espaços discais

  • Hérnias discais


Alguns autores preconizam o termo doença de Scheuermann “atípica” para descrever os casos que ocorrem na coluna lombar ou toracolombar e também aqueles que não preenchem completamente os critérios propostos por Sorensen, como os pacientes que apresentam cifose torácica e apenas uma vértebra em cunha associada a irregularidades nas placas terminais.


A maioria dos pacientes com doença de Scheuermann é assintomática e com cifose < 60°, por isso o tratamento costuma ser conservador, envolvendo modificação no estilo de vida, exercícios de alongamento e, caso ocorra quadro álgico, alívio sintomático da dor. Os paciente com curva cifótica < 60° na infância em geral evoluem com pouca ou nenhuma sequela na vida adulta. Os pacientes oligossintomáticos com esqueleto imaturo e ângulos entre 60 e 80° podem se beneficiar de coletes e órteses que, embora não corrijam a deformidade, podem evitar sua progressão.

Nos casos de cifose torácica acentuada (>70 a 80°), déficit neurológico / compressão medular, comprometimento cardiopulmonar e dor refratária pode ser necessária correção cirúrgica da deformidade (figura 5).  A principal complicação do tratamento cirúrgico da doença de Scheuermann torácica é a pseudoartrose.



Figura 5 (a-b): Radiografias da coluna em perfil de paciente com doença de Scheuermann toracolombar com a imagem pré-operatória (a) mostrando acentuada cifose com ápice da curva em T11 e imagem pós-operatória (b) mostrando a correção da deformidade com osteotomia de subtração no pedículo (seta). Modificado de Journal of Children’s Orthopaedics 2023, Vol. 17(6) 535–547.


Já nos casos da doença de Scheuermann atípica localizada na coluna lombar o tratamento é mais controverso, com alguns autores já indicando intervenção cirúrgica nos casos com cifose toracolombar > 25 a 30°, enquanto outros consideram que a correção cirúrgica nestes casos cursa com muitos efeitos adversos, como a cifose juncional, e não costuma alterar significativamente o balanço sagital.

 

A maioria dos pacientes tem sucesso com o tratamento conservador e a dor costuma se resolver após a maturidade esquelética. Entretanto, pacientes com doença de Scheuermann, sobretudo o subtipo que afeta a coluna toracolombar, apresentam maior risco de dor crônica na vida adulta quando comparados à população geral.



Leitura sugerida

 

Haselhuhn JJ, Odland K, Soriano PBO, Jones KE, Polly DW Jr. A Novel Surgical Indication for Scheuermann's Kyphosis. J Am Acad Orthop Surg Glob Res Rev. 2024 Mar 5;8(3):e23.00187. doi: 10.5435/JAAOSGlobal-D-23-00187. PMID: 38441155; PMCID: PMC10914238.

 

Cetik RM, Latalski M, Yazici M. Management of low back pain accompanying sagittal plane pathologies in children: Spondylolysis/spondylolisthesis and Scheuermann's disease. J Child Orthop. 2023 Nov 27;17(6):535-547. doi: 10.1177/18632521231215873. PMID: 38050599; PMCID: PMC10693848.

 

Mousavi SR, Farrokhi MR, Liaghat A, Hassani A, Kazeminezhad A, Ghaffarpasand F. Atypical Scheuermann's disease with severe kyphosis and negative sagittal balance in the thoracolumbar region: A case report and literature review. Int J Surg Case Rep. 2023 Aug;109:108618. doi: 10.1016/j.ijscr.2023.108618. Epub 2023 Aug 4. PMID: 37557040; PMCID: PMC10424201.

 

Mansfield JT, Bennett M. Scheuermann Disease. 2023 Jul 31. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024 Jan–. PMID: 29763141.


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