No texto “Forma e Conteúdo” publicado em outubro/20 foi colocado que o laudo ideal é aquele que consegue fazer bom uso da semântica: o significado e os sentidos que as palavras podem tomar de acordo com o contexto. E o correto entendimento do que está oculto passa pelo entendimento do significado de implícito, dedução, inferido, pressuposto, subentendido e assumido, o que pode fazer toda a diferença na descrição de diversas alterações.
Implícito é aquilo que não se expressa de modo claro, ou seja, não está explícito, mas pode ser deduzido facilmente. E o que seria dedução? Chegar a uma conclusão utilizando somente o raciocínio, fundamentando-se em certos princípios, premissas ou fatos. Seria equivalente a inferir, que também significa deduzir, geralmente partindo de indícios, fatos ou raciocínios.
Na afirmação “Choveu a noite toda e a grama agora está molhada” eu tenho duas informações explicitas: choveu e a grama está molhada. Mas, se eu omitir a segunda frase e apenas colocar “Choveu a noite toda”, eu posso deduzir ou inferir que a grama está molhada.
Saber que determinadas informações estão implícitas ajuda a confeccionarmos laudos mais sucintos, sem muita redundância ou repetição de informações, o que também já foi abordado do texto "Forma e Conteúdo". Por exemplo, em um laudo de ressonância magnética do joelho, eu posso escrever:
“Afilamento das superfícies das cartilagens articulares de revestimento do compartimento femorotibial medial do joelho”.
Mas, se eu colocar apenas “Afilamento das cartilagens do compartimento femorotibial medial”, o entendimento será exatamente o mesmo numa frase muito mais curta, já que é facilmente deduzido que eu só posso estar me referindo ao joelho, que o compartimento femorotibial é um compartimento articular revestido por cartilagem e as cartilagens começam a afilar a partir da superfície, ou seja, são informações que não acrescentam nada ao laudo.
Entretanto, não podemos esquecer que a dedução implica em conhecimento e pressupostos.
Ao citarmos “Lesão de Bankart” está implícito que é uma lesão do labrum anteroinferior da glenoide, mas apenas para quem conhece a definição do que é a lesão de Bankart. Por isso, mesmo que a informação esteja implícita, às vezes vale a pena ser mais explícito, mesmo que um pouco redundante, para garantir que o laudo será facilmente entendido por qualquer profissional, colocando “Lesão do labrum anteroinferior da glenoide, compatível com lesão de Bankart”. Não só não deixa dúvidas do local da lesão, como tem um papel educativo informando o que significa lesão de Bankart.
Da mesma forma, colocar “Bursite” quando nos deparamos com uma distensão anormal de uma bursa é válido, já que uma distensão moderada ou volumosa só pode representar bursite. Entretanto, colocar “Mínima quantidade de líquido na bursa ..., inferindo bursite leve” demonstra desconhecimento de que é normal haver pequena quantidade de líquido para lubrificação tanto nas articulações quanto na bursa, logo essa dedução não é válida, pois uma mínima quantidade de líquido em uma bursa é provavelmente fisiológico.
Uma informação é considerada pressuposta quando um enunciado depende dela para fazer sentido. A pergunta “Quando Jeremias voltará para casa?” só faz sentido se considerarmos que Jeremias saiu de casa. Da mesma forma, afirmar que existe “Infiltração líquida ao redor do ligamento colateral medial por estiramento” só faz sentido se o paciente sofreu um evento que precipitou um estiramento. Caso contrário, a infiltração líquida pode ter outras causas, não permitindo essa conclusão.
Ao contrário das informações pressupostas, as informações subentendidas não são marcadas no próprio enunciado, são apenas sugeridas, ou seja, podem ser entendidas como insinuações e interpretadas de diversas formas. Por isso, enquanto os pressupostos são partilhados por quem faz o enunciado e por quem recebe a informação, os subentendidos são de responsabilidade do receptor, que assume determinadas verdades. A publicidade, por exemplo, parte de hábitos e pensamentos da sociedade para criar subentendidos. Ao mostrar uma pessoa usando um perfume e atraindo uma série de admiradores, quem recebe essa informação pode assumir que, se ela usar o mesmo perfume também vai atrair admiradores. Mas isso não necessariamente foi explicitado, é apenas assumido por quem assistiu. Ou seja, assumido é o que achamos, podendo ser verdade ou não.
Por isso, devemos ter cuidado com informações soltas ou incompletas no laudo, pois não sabemos como isso vai ser interpretado. A descrição de "traço" remete a fratura e “nódulo” pode ser assumido como câncer ou imagem suspeita por quem recebe a informação, por exemplo, e podemos apenas estar nos referindo a achados sem significado clínico, como uma imagem linear vascular ou a um depósito focal de gordura.
Por isso devemos ter clareza ao passar a informação para evitarmos laudos prolixos e confusos, informações que não vão ser compreendidas por quem não é radiologista ou que podem ser mal interpretadas e gerar pânico e procedimentos desnecessários.
“Um sábio nunca é precipitado na escolha das palavras". Confúcio
Bom dia li com interesse o BLOG, porém uma coisa que deve deixar claro, além das definições explícitas dos termos implícito, dedução, inferir...é para quem você está vendendo o laudo, ou quem é o cliente! O cliente pode gostar de textos mais curtos, ou mesmo textos repletos de adjetivos. O que escrevemos nos relatórios não é para nós, e sim para o cliente. Aquela "pequena quantidade de líquido na bursa" pode ser a única coisa que o ortopedista quer ler no relatório, exceto laudo (relatório ou exame) normal!