Patrícia Martins e Souza - Fevereiro 2025
Homem de 22 anos com dor crônica na coluna lombar. Solicitadas radiografias e tomografia computadorizada (TC) da coluna lombar.

Figura 1 (a-b): Radiografias da coluna lombar nas incidências anteroposterior (AP) (1a) e perfil (1b).

Figura 2 (a-c): Reconstruções tomográficas da coluna lombar no plano sagital com a técnica MPR e janela óssea.

Figura 3 (a-c): Reconstruções tomográficas da coluna lombar no plano coronal com a técnica MPR com janela óssea (3a e 3b) e de partes moles (3c).

Figura 4 (a-b): Reconstruções tomográficas da coluna lombar no plano transversal com a técnica MPR com janela de partes moles (4a) e óssea (4b).
Descrição dos achados

Figura 1 (a-b’): Radiografias da coluna lombar nas incidências anteroposterior (AP) (1a’) e perfil (1b’) mostrando destruição com redução da altura dos corpos vertebrais L2 e L3 (setas) em associação com escoliose esquerda e retificação da lordose lombar.

Figura 2 (a-c'): Reconstruções tomográficas da coluna lombar no plano sagital com a técnica MPR mostrando acentuada destruição com esclerose dos platôs apostos e redução da altura dos corpos vertebrais L2 e L3 por acunhamento anterior (setas). Há discreta cifose segmentar neste nível.

Figura 3 (a-c’): Reconstruções tomográficas da coluna lombar no plano coronal com a técnica MPR com janela óssea (3a e 3b’) e de partes moles (3c’) mostrando escoliose esquerda e acentuada destruição com esclerose dos platôs apostos de L2-L3 (setas brancas) associado a escoliose esquerda. Há aumento do volume do músculo psoas direito com coleção hipodensa de permeio (seta amarela) e hipodensidade mais discreta nas fibras musculares profundas do psoas esquerdo (seta azul).

Figura 4 (a-b’): Reconstruções tomográficas da coluna lombar no plano transversal com a técnica MPR com janela de partes moles (4a’) e óssea (4b’) mostrando o aumento do volume do músculo psoas direito com coleção hipodensa de permeio (seta amarela) e hipodensidade mais discreta nas fibras musculares profundas do psoas esquerdo (seta azul), ambos apresentando calcificações de permeio (setas verdes).
Discussão
Espondilodiscite é a infecção do disco intervertebral e das placas basais contíguas, já espondilite seria um termo mais abrangente que engloba a osteomielite, a espondilodiscite e o abscesso epidural. A infecção na coluna costuma ser subdividida em piogênica, a mais comum, responsável por cerca de 75% dos casos, e granulomatosa, causada por microrganismos que tendem a formar granulomas, incluindo bactérias, fungos e parasitas, correspondendo a aproximadamente 25% dos casos. Entre as bactérias causadoras da espondilodiscite granulomatosa as mais frequentemente encontradas são o Mycobacterium tuberculosis e a Brucella melitensis, causadora da brucelose.
A tuberculose é uma doença infecciosa pulmonar causada pelo Mycobacterium tuberculosis que em cerca de 20 a 25% dos casos apresenta manifestação extrapulmonar resultante de disseminação linfática e hematogênica. Usualmente a infecção é subclínica, uma vez que a resposta imune geralmente consegue isolar o foco infeccioso extrapulmonar. Nos casos de tuberculose latente o foco infeccioso extrapulmonar pode sofrer reativação após a primoinfecção. Embora a tuberculose espinhal possa coexistir com a tuberculose pulmonar ou outras formas de tuberculose extrapulmonar, apenas 18 a 28% dos casos apresentam diagnóstico prévio de tuberculose ou evidências atuais de tuberculose prévia ou ativa.
A tuberculose esquelética é responsável por 10 a 25% dos casos de doença extrapulmonar e a forma mais comum é a tuberculose vertebral, seguida pela artrite e osteomielite. A tuberculose vertebral ou espondilite / espondilodiscite tuberculosa, também conhecida como doença de Pott, foi descrita pela primeira vez em 1779 por Percival Pott. Costuma afetar predominantemente pacientes com menos de 40 anos de idade, diferentemente da espondilodiscite piogênica, que apresenta distribuição bimodal, afetando principalmente crianças e idosos.
O quadro clínico costuma ser insidioso, o que costuma retardar o diagnóstico, com os sintomas que costumam se estender por até 3 anos até o momento do diagnóstico. Os sintomas mais comuns são dor progressiva na coluna, anorexia e sintomas constitucionais, como febre baixa e perda ponderal, porém esses sintomas estão presentes em apenas 50% dos casos. A dor pode estar associada a espasmos e rigidez e, após semanas ou meses, podem surgir alterações neurológicas secundárias à compressão espinhal que pode levar a consequências devastadoras, como paraparesia e paraplegia.
Assim como na espondilodiscite piogênica, a infecção pelo Mycobacterium tuberculosis usualmente se inicia na porção anterior do corpo vertebral e, uma vez que dois corpos vertebrais são acometidos, o disco é afetado. Entretanto, a redução secundária da altura do disco intervertebral não é tão pronunciada em comparação com o observado na espondilodiscite piogênica; uma possível explicação seria a não produção de enzimas proteolíticas pelo Mycobacterium tuberculosis. levando a necrose, redução da altura e colapso do corpo vertebral e cifose, conhecida como deformidade de "gibbus", com risco de compressão da medula espinhal.
Usualmente mais de uma vértebra é acometida, tanto pela distribuição arterial segmentar do corpo vertebral como pela disseminação subligamentar da infecção, usualmente o ligamento longitudinal anterior, sendo mais comum o acometimento de mais de 2 vértebras em comparação com a espondilite piogênica. O envolvimento de múltiplos segmentos ocorre em a 10% dos casos.
A localização mais comum da espondilodiscite tuberculosa costuma ser na coluna torácica e transição toracolombar, com a região torácica baixa mais afetada nos pacientes mais jovens e a lombar alta nos pacientes mais velhos, seguida pela coluna lombar. A coluna cervical e o sacro são acometidos mais raramente. A infecção pode se estender para as partes moles adjacentes, com formação de abscessos que também podem causar compressão espinhal.
O diagnóstico da espondilodiscite tuberculosa costuma ser desafiador.
O laboratório, assim como da espondilodiscite piogênica, é inespecífico, com aumento do VHS > 20mm/h e da proteína C reativa. Os testes sorológicos da tuberculosa, tanto IgM quanto IgG, não são recomendados porque não são capazes de diferenciar entre os estágios agudo e crônico da doença espontânea e da vacina BCG. O teste cutâneo da tuberculina de Mantoux, embora recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para áreas endêmicas, pode ocasionar resultados falso negativos em pacientes imunocomprometidos. O teste ELISA, embora específico, não é capaz de diferenciar a infecção natural pela tuberculose da vacina BCG.
Amostras da região afetada são difíceis de obter, assim como o isolamento do agente infecioso, cujo resultado da cultura pode demorar de 2 a 6 semanas. Por isso, os exames de imagem são fundamentais para o diagnóstico, apesar de sua baixa especificidade.
O raio X costuma ser o primeiro exame a ser solicitado no caso de dor na coluna, porém é pouco sensível e específico para o diagnóstico porque os achados podem não ser identificados até várias semanas após o início dos sintomas. Os achados radiográficos sugestivos são a desmineralização óssea com perda da definição das margens da porção anterior das vértebras, geralmente com envolvimento de duas vértebras adjacentes, podendo ser observadas áreas líticas em alguns casos. Com a progressão da doença pode haver colapso anterior com deformidade de “gibbus” (do latim corcunda ou corcova), caracterizada por cifose segmentária de ângulo agudo, causada pelo colapso da parte anterior de um ou mais corpos vertebrais (figura 5). Embora frequentemente associada à tuberculose vertebral, essa deformidade pode ser encontrada em doenças congênitas (como acondroplasia e mucopolissacaridoses) e adquiridas (como osteoporose, histiocitose e doença de Scheuermann).

Figura 5: Reconstrução tomográfica no plano sagital com a técnica MPR de outro paciente com espondilite tuberculosa mostrando a deformidade de “gibbs” caracterizada por cifose angular segmentar (seta).
A tomografia computadorizada (TC) pode detectar alterações mais precocemente em comparação com o raio X, sendo útil para detectar a destruição óssea e para servir de guia para obtenção de tecido para confirmar o diagnóstico e o agente infeccioso responsável.
A ressonância magnética (RM) é o procedimento de escolha, sendo mais sensível que o RX e mais específica que a TC. Comparada com a espondilodiscite piogênica, o disco intervertebral pode não apresentar alto sinal em T2 e o acometimento dos elementos posteriores da vértebra é mais comum na espondilite tuberculosa. Esse padrão de preservação discal com acometimento posterior pode levantar suspeita de lesão neoplásica, mas na infecção tuberculosa classicamente há disseminação adjacente aos ligamentos e nas partes moles em direção anterolateral, sendo frequente a ocorrência de abscessos paravertebrais que costumam ser maiores em comparação com a espondilite piogênica, podendo ser volumosos e se estender para regiões adjacentes e vários níveis vertebrais (figura 6). No caso de acometimento da região cervical o abscesso pode se localizar posteriormente à fáscia pré-vertebral e se estender ao espaço retrofaríngeo. O abscesso pode também se estender inferiormente até o mediastino, acometendo a traqueia, esôfago ou cavidade pleural. Na coluna lombar o abscesso pode se estender às regiões inguinal e glútea e à porção proximal da coxa.

Figura 6 (a-b): Imagens de RM de pacientes com espondilodiscite tuberculosa (6a) e espondilodiscite piogênica (6b) para comparação. Na espondilodiscite tuberculosa os abscessos (setas brancas) tendem a ser maiores e com maior tendência à compressão da medula espinhal (seta vermelha) em comparação com a espondilodiscite piogênica (setas amarelas) e há maior destruição do corpo vertebral. No plano transversal é possível identificar a extensão do processo inflamatório / infeccioso para as partes moles adjacentes e cavidade pleural (setas azuis) na espondilodiscite tuberculosa e para o músculo psoas direito na espondilodiscite piogênica (seta verde). Modificado de Liu, Y.X., Lei, F., Zheng, L.P. et al. A diagnostic model for differentiating tuberculous spondylitis from pyogenic spondylitis: a retrospective case–control study. Sci Rep 13, 10337 (2023).
Nas fases tardias da tuberculose vertebral podem ser observados grandes abscessos paravertebrais sem dor significativa, pus ou sinais e sintomas inflamatórios expressivos, sendo denominados “abscessos frios”.
Os principais diagnósticos diferenciais da espondilodiscite tuberculosa são:
Espondilodiscite piogênica – no quadro 1 estão resumidas as principais diferenças entre as espondilodiscites piogênica e tuberculosa.

Quadro 1: Principais diferenças entre as espondilodiscites piogênica e tuberculosa.
Outras espondilodiscites granulomatosas – a principal cauda de espondilodiscite granulomatosa, depois da tuberculose, é a brucelose, uma zoonose causada pela Brucella melitensis e transmitida ao ser humano pelo contato direto ou indireto com alimentos lácteos não pasteurizados e de animais de produção, como bois, vacas, ovelhas, búfalos, porcos, entre outros, ou pelo contato com animais de companhia (cães), sendo considerada uma doença primariamente ocupacional. Nas áreas onde a zoonose é endêmica, a brucelose pode ser responsável por até metade dos casos de infecção na coluna. A distribuição da brucelose vertebral predomina na coluna lombar (60% dos casos), seguida pelo sacro (20%) e coluna cervical (12%), podendo ser multifocal em 3 a 13% dos casos. Um achado patognomônico da brucelose é conhecido como sinal de Pedro Pons: destruição da margem anterossuperior da vértebra acompanhada de osteoesclerose proeminente e osteofitos (figura). A formação de abscesso epidural é rara na brucelose, mas quando presente pode levar a grave dano neurológico.

Figura 7 (a-b): Imagens de RM (7a) e TC (7b) de paciente com brucelose, mostrando os sinais de espondilodiscite na RM (setas brancas) e o sinal de Pedro Pons, achado típico da brucelose, caracterizado por destruição da margem anterior dos corpos vertebrais associado a osteoesclerose e osteofitos. Modificado de Images in Infectious Diseases, Rev. Soc. Bras. Med. Trop. 53, 2020.
O tratamento da espondilite tuberculosa consiste em terapia antimicrobiana por cerca de 6 a 9 meses devido à alta taxa de recorrência com tratamentos mais curtos, e cirurgia para os casos de falência terapêutica, formação de abscessos ou fístulas, instabilidade vertebral e compressão da medula espinhal com déficit neurológico, o que inclui descompressão, debridamento, drenagem e fixação.
Metástases – principalmente nos casos de acometimento dos pedículos e arcos posteriores, destruição óssea com predomínio de lesões líticas, alteração do sinal das partes moles antes da formação de coleções organizadas (abscessos), discos intervretebrais com sinal normal e envolvimento de múltiplos níveis.
Sarcoidose e espondiloartropatia amiloide.
O tratamento da espondilite tuberculosa consiste em terapia antimicrobiana por cerca de 6 a 9 meses devido à alta taxa de recorrência com tratamentos mais curtos, e cirurgia para os casos de falência terapêutica, formação de abscessos ou fístulas, instabilidade vertebral e compressão da medula espinhal com déficit neurológico, o que inclui descompressão, debridamento, drenagem e fixação.
Leitura sugerida
Piccolo CL, Villanacci A, Di Stefano F, Fusco N, Donno DR, Cristofaro M, Taglietti F, Ianniello S. Spondylodiscitis and Its Mimickers: A Pictorial Review. Biomedicines. 2024 Nov 9;12(11):2566. doi: 10.3390/biomedicines12112566. PMID: 39595132; PMCID: PMC11591932.
Liu, Y.X., Lei, F., Zheng, L.P. et al. A diagnostic model for differentiating tuberculous spondylitis from pyogenic spondylitis: a retrospective case–control study. Sci Rep 13, 10337 (2023). https://doi.org/10.1038/s41598-023-36965-w.
Pintor IA, Pereira F, Cavadas S, Lopes P. Pott's disease (tuberculous spondylitis). Int J Mycobacteriol. 2022 Jan-Mar;11(1):113-115. doi: 10.4103/ijmy.ijmy_2_22. PMID: 35295033.
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