top of page

Fratura de Mallet

História clínica

 

Homem, 22 anos, bola bateu no dedo mínimo durante jogo de futebol há 2 meses. Realizada ressonância magnética (RM) da mão, com ênfase no 5º dedo.


Figura 1 (a-b): Imagens de RM do 3º ao 5º dedos no plano coronal nas ponderações T2 com supressão de gordura (1a) e T1 (1b).


Figura 2 (a-c): Imagens de RM do 5º dedo no plano sagital nas ponderações T2 com supressão de gordura (2a), T1 (2b) e T1 com supressão de gordura após administração venosa de contraste (2c).



Figura 3 (a-b): Imagens de RM consecutivas dos dedos no plano axial de proximal (mais superior) para distal (mais inferior) nas ponderações T2 com supressão de gordura (3a) e T1 (3b).


Descrição dos achados


Figura 1 (a-b)’: Imagens de RM do 3º ao 5º dedos no plano coronal nas ponderações T2 com supressão de gordura (1a’) e T1 (1b’) mostrando edema ósseo na falange distal do 5º dedo mais evidente na ponderação T2 com supressão de gordura por ser sensível a líquido, onde o edema apresenta alto sinal (seta amarela). Na ponderação T1 o edema aparece de forma mais sutil, como tênue hipossinal da medula óssea (seta branca).


Figura 2 (a-c)’: Imagens de RM do 5º dedo no plano sagital nas ponderações T2 com supressão de gordura (2a’), T1 (2b’) e T1 com supressão de gordura após administração venosa de contraste (2c’) mostrando as alterações em correspondência com o marcador cutâneo (setas azuis): edema ósseo na falange distal (seta amarela em 2a’) com realce pelo contraste (seta laranja em 2c’) em correspondência com fratura por avulsão na margem dorsal da falange distal, melhor identificada na ponderação T1 (seta vermelha em 2b’). Note que o tendão terminal do 5º dedo (setas verdes em 2a’ e 2c’) se insere no fragmento avulsionado.


Figura 3 (a-b)’: Imagens de RM consecutivas dos dedos no plano axial de proximal (mais superior) para distal (mais inferior) nas ponderações T2 com supressão de gordura (3a) e T1 (3b) mostrando a anatomia do tendão extensor do dedo mínimo: no nível da cabeça do metatarso o tendão do dedo mínimo (seta verde) se une à última divisão do tendão comum dos dedos (seta azul) tornando-se depois um tendão único (seta vermelha). No nível da articulação metacarpofalangiana, o tendão extensor se divide em duas bandas de cada lado da falange, uma medial e uma lateral (setas laranjas) e uma banda central (seta amarela). No nível da articulação interfalangiana distal as bandas medial e lateral convergem e se unem a fibras da musculatura intrínseca para formar o tendão terminal (seta branca) que se insere na margem dorsal da falange distal.


Discussão


Lesão traumática dos dedos está entre as lesões traumáticas mais comuns, responsável por até 20% das emergências ortopédicas, geralmente relacionado a esportes ou acidente de trabalho. O 5º dedo é o mais frequentemente acometido (38% das fraturas na mão). O diagnóstico precoce é crucial para o adequado tratamento e prevenção de complicações e perda da função.

Para avaliação adequada é importante conhecer a anatomia óssea e do mecanismo extensor dos dedos, nomenclatura utilizada pelos ortopedistas, tipos de fratura na falange distal, classificações utilizadas no “Mallet finger” e o que é importante informar nas lesões da falange terminal:


Anatomia óssea (figura 4)


Raio – engloba as falanges (que formam os dedos) e os metacarpos. Alteração no primeiro raio inclui acometimento do dedo e do metacarpo.

Os metacarpos se articulam com os ossos da fileira distal do carpo (trapézio, trapezoide, capitato e hamato) e com as falanges proximais (as articulações metacarpofalangianas).

As articulações metacarpofalangianas são unicondilares, permitindo desvio radial e ulnar e leve rotação.

As articulações interfalangianas proximais e distais são bicondilares em dobradiça.

A falange distal é dividida em três zonas anatômicas: a base (porção epifisária mais proximal), diáfise e tuberosidade ungueal (“tofo”). As demais falanges e os metacarpos são divididos em porção proximal (base), diáfise e porção articular distal. A porção articular distal dos metacarpos é também conhecida como cabeça do metacarpo.


Figura 4: Representação esquemática da mão mostrando os metacarpos e os dedos, que formam os raios. Os metacarpos são subdivididos em base (proximal), diáfise e cabeça (distal). Os dedos são compostos pelas falanges: proximal e distal no caso do polegar e proximal, média e distal nos demais dedos. As falanges distais são subdivididas em base, diáfise e tuberosidade ungueal. As demais falanges em porção proximal (base), diáfise e porção distal.



Anatomia extensora do 2º ao 5º dedos


Extensores dos dedos – formam quatro tendões, um para cada dedo (do 2º ao 5º), no plano dos metacarpos.

Os tendões extensor próprio do indicador e extensor do dedo mínimo depois se unem às divisões dos tendões extensores do 2º e do 5º dedos, respectivamente, para formar um tendão único (figuras 5 a 9).

No nível da cabeça dos metacarpos / articulações metacarpofalangianas são identificadas as bandas sagitais, que são parte do retináculo extensor que formam um cilindro ao redor da cabeça do metacarpo e da articulação metacarpofalangiana estabilizando os tendões extensores (figura 9).


Figura 5: Imagem de RM do punho no plano transversal na ponderação T1 mostrando os tendões extensores dos dedos (círculo azul) e o tendão extensor do dedo mínimo (seta amarela) em situação mais medial.

Figura 6: Imagem de RM do punho no plano transversal na ponderação T1 no nível da articulação radiocarpal mostrando que além de um tendão extensor específico para o dedo mínimo (seta amarela) existe um pequeno tendão mais profundo específico do 2º dedo (seta verde), o tendão extensor próprio do indicador.


Figura 7: Imagem de RM do punho no plano transversal na ponderação T1 no nível do carpo mostrando os tendões extensor do dedo mínimo (seta amarela), extensor próprio do indicador (seta verde) e as divisões dos tendões extensores dos dedos para os II, III, IV e V dedos.


Figura 8: Imagem de RM da mão no plano transversal na ponderação T1 no nível da diáfise distal do metacarpo (linha tracejada amarela na imagem de referência no plano sagital à direita) mostrando as divisões do tendão extensor dos dedos e o tendão extensor do dedo mínimo (seta amarela) em situação mais lateral.


Figura 9: Imagem de RM da mão no plano transversal na ponderação T1 no nível da cabeça do metacarpo (linha tracejada amarela na imagem de referência no plano sagital à direita) mostrando o tendão extensor do dedo mínimo (seta amarela) e os demais tendões extensores (setas brancas) como tendões únicos. As bandas sagitais medial e lateral (setas rosas) são parte do retináculo extensor que estabilizam  os tendões extensores.


O tendão extensor de cada dedo depois se divide em três bandas, uma de cada lado da falange (banda medial e banda lateral) e uma banda central (figura 10).

A banda central se estende além da falange proximal para se inserir na face dorsal da base da falange média (figura 11).

















Figura 10: Imagem de RM da mão no plano transversal na ponderação T1 no nível da articulação metacarpofalangiana (linha tracejada amarela na imagem de referência no plano sagital à direita) mostrando a banda central (seta amarela) e as bandas emdial e lateral (setas laranjas) do 5º dedo.

Figura 11: Imagem de RM do 5º dedo no plano sagital na ponderação T1 mostrando a inserção da banda central (seta amarela) na face dorsal da base da falange média.


As bandas medial e lateral se continuam ao longo das margens dorsais ulnar e radial da articulação interfalangiana proximal e da falange média (figura 12) se unem a fibras da musculatura intrínseca para formar os tendões conjuntos.

Os dois tendões conjuntos de cada dedo convergem ao longo da articulação interfalangiana distal para formar o tendão terminal que se insere na margem dorsal da base da falange distal (figura 13).

















Figura 12: Imagem de RM da mão no plano transversal na ponderação T1 no nível da falange média (linha tracejada amarela na imagem de referência no plano sagital à direita), após a insrção da banda central, sendo identificadas apenas as bandas medial e lateral (setas laranjas).

Figura 13: Imagem de RM do dedo de outro paciente no plano sagital na ponderação T1 mostrando a banda central (seta amarela) que se insere na face dorsal da base da falange média e o tendão terminal (seta branca) que se insere na face dorsal da base da falange distal.


Verdan dividiu as lesões dos tendões em zonas anatômicas de I a VIII (figura 14):

Zona I – falange distal e articulação interfalangiana distal (IFD)

Zona II – falange média

Zona III –articulação interfalangiana proximal (IFP)

Zona IV – falange proximal

Zona V – articulação metacarpofalangiana

Zona VI – metacarpos (dorso da mão)

Zona VII – carpo

Zona VIII – antebraço


Figura 14: Representação esquemática das zonas anatômicas de Verdan para localização das lesões dos tendões extensores.


Tipos de fratura na falange distal


As fraturas nas falanges distais estão entre as mais comuns, correspondendo a cerca de 50% de todas as fraturas na mão. O mecanismo de lesão mais comum é o secundário a força axial aplicada na ponta do dedo, que pode ser acompanhada de hiperextensão passiva (predispondo a avulsão óssea) ou hiperflexão passiva (predispondo a lesão do tendão extensor) da articulação interfalangiana distal em jovens atletas ou em acidentes de trabalho. Nos idosos, as fraturas podem ocorrer de vido a quedas ou durante atividades diárias (como arrumar a cama ou calçar meias). Nas crianças é comum o trauma por choque direto (“crush”), como quando o dedo se prende a uma porta.

 

Geralmente as fraturas das falanges não cursam com luxação, mas as fraturas nas bases das falanges distais tendem a ser instáveis por serem sítio de inserção dos tendões flexores e extensores. As fraturas nas falanges distais também podem ser complicadas por lesão no leito ungueal, sendo importante a detecção de qualquer alargamento da linha de fratura.

 

"Mallet finger" é a lesão na falange mais comum no esporte e resulta na avulsão do tendão extensor terminal na margem dorsal da base da falange distal. São também conhecidas como “dedo do baseball”, embora também ocorram com frequência no vôlei, basquete e futebol. Pode se manifestar com lesão isolada na inserção tendínea, parcial ou completa, com ou sem retração, estar associada a discreto fragmento avulsionado ou a evidente fratura por avulsão na margem dorsal da falange distal, conhecida como fratura de Mallet. Cursa com deformidade em flexão da interfalangiana distal (dedo em martelo) devido à perda da oposição à força flexora e, nos casos crônicos, pode se associar a hiperextensão da interfalangiana proximal (deformidade em pescoço de cisne).


Classificações das fraturas na falange distal


Foram propostas diversas classificações para as fraturas da falange distal, mas ainda não existe um consenso, pois nem todas as classificações tem relação com o prognóstico e/ou tratamento.



Na classificação AO as fraturas são divididas em fraturas da tuberosidade ungueal (figura 15), da diáfise (figura 16) e da base, onde também são incluídas as fraturas na placa fisária na criança (figura 17).


















No Brasil, a classificação clínico-radiológica de Albertoni, descrita em 1986 e que utiliza a radiografia em perfil, é amplamente utilizada:



Mas, na literatura mundial, a classificação de Doyle é a mais conhecida:



Foi também proposta uma classificação alternativa por Classificação de Wehbé e Schneider que leva em consideração e presença ou não de subluxação volar e o grau de deslocamento do fragmento dorsal da falange distal, onde se insere o tendão terminal:



O tratamento costuma ser conservador, mas geralmente é indicado o tratamento cirúrgico quando existe subluxação volar da falange distal. Ainda há controvérsia em relação ao % de acometimento da superfície articular e o risco de subluxação. Durante muitos anos foi considerado o limite de acometimento de 1/3 da superfície articular como indicador de tratamento cirúrgico, mas trabalhos mais recentes têm considerado limites maiores, como superior a 39% ou quando a fratura acomete pelo menos 50% da superfície articular.

 

Alguns autores também consideram o tratamento cirúrgico quando há afastamento (diastase) do fragmento > 3 mm.



Pontos principais neste caso:

O que devemos informar nos casos de Mallet finger / fratura de Mallet:

- Tipo de acometimento (apenas tendíneo, com fragmento ósseo destacado ou fratura por avulsão na base da falange distal)

- Nos casos de avulsão óssea o % aproximado do acometimento da superfície articular, usando como referência o fragmento dorsal (onde se insere o tendão terminal)

- Diastase do fragmento, com medida quando existir (significativa quando > 3 mm)

- Se há subluxação ou luxação volar da falange distal

- Nos casos dos pacientes com fise aberta se fratura é através da placa de crescimento, se há descolamento fisário (Salter-Harris tipo 1), se há deslocamento fisário com fratura (Salter-Harris 3) e se a fratura cruza a fise saindo através da placa de crescimento.



LEITURA SUGERIDA


 

Petchprapa CN, Vaswani D. MRI of the Fingers: An Update. AJR Am J Roentgenol. 2019 Sep;213(3):534-548. doi: 10.2214/AJR.19.21217. 

 

Bai RJ, Zhang HB, Zhan HL, Qian ZH, Wang NL, Liu Y, Li WT, Yin YM. Sports Injury-Related Fingers and Thumb Deformity Due to Tendon or Ligament Rupture. Chin Med J (Engl). 2018 May 5;131(9):1051-1058. doi: 10.4103/0366-6999.230721.

Almeida VAS, Fernandes CH, Santos JBGD, Schwarz-Fernandes FA, Faloppa F, Albertoni WM. Evaluation of interobserver agreement in Albertoni's classification for mallet finger / Avaliação de concordância interobservador da classificação de Albertoni para dedo em martelo. Rev Bras Ortop. 2017; 12;53(1):2-9. doi: 10.1016/j.rboe.2017.12.001.

 

Lamaris GA, Matthew MK. The Diagnosis and Management of Mallet Finger Injuries. Hand (NY). 2017 May;12(3):223-228. doi: 10.1177/1558944716642763.

 

Elzinga KE, Chung KC. Finger Injuries in Football and Rugby. Hand Clin. 2017;33(1):149-160. doi: 10.1016/j.hcl.2016.08.007. 

 

Oflazoglu K, Moradi A, Braun Y, Ring D, Chen NC, Eberlin KR. Mallet Fractures of the Thumb Compared With Mallet Fractures of the Fingers. Hand (NY). 2017;12(3):277-282. doi: 10.1177/1558944716672192.

 

Bachoura A, Ferikes AJ, Lubahn JD. A review of mallet finger and jersey finger injuries in the athlete. Curr Rev Musculoskelet Med. 2017;10(1):1-9. doi: 10.1007/s12178-017-9395-6. 

 

Moradi A, Braun Y, Oflazoglu K, Meijs T, Ring D, Chen N. Factors associated with subluxation in mallet fracture. J Hand Surg Eur Vol. 2017;42(2):176-181. doi: 10.1177/1753193416669929. 

 

Wieschhoff GG, Sheehan SE, Wortman JR, Dyer GS, Sodickson AD, Patel KI, Khurana B. Traumatic Finger Injuries: What the Orthopedic Surgeon Wants to Know. Radiographics. 2016 Jul-Aug;36(4):1106-28. doi: 10.1148/rg.2016150216. 

 

Salazar Botero S, Hidalgo Diaz JJ, Benaïda A, Collon S, Facca S, Liverneaux PA. Review of Acute Traumatic Closed Mallet Finger Injuries inAdults. Arch Plast Surg. 2016;43(2):134-44. doi: 10.5999/aps.2016.43.2.134. 

 

Scalcione LR, Pathria MN, Chung CB. The athlete's hand: ligament and tendon injury. Semin Musculoskelet Radiol. 2012;16(4):338-49. doi: 10.1055/s-0032-1327007.

Comments


bottom of page