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Hamartoma lipofibromatoso do nervo mediano

Adolescente de 12 anos do sexo masculino referindo aumento progressivo do volume do punho esquerdo com surgimento de parestesia no trajeto do nervo mediano. Solicitada ressonância magnética (RM) do punho.


Figura 1 (a-b): Imagens consecutivas de RM do punho no plano transversal nas ponderações T1 (1a) e DP com supressão de gordura (1b) de proximal para distal.


Figura 2 (a-b): Imagens de RM do punho no plano coronal nas ponderações T1 (2a) e DP com supressão de gordura (2b).


Figura 3: Imagem de RM do punho no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura.


























Descrição dos achados


Figura 1 (a-b)’: Imagens consecutivas de RM do punho no plano transversal nas ponderações T1 (1a') e DP com supressão de gordura (1b’) de proximal para distal mostrando aumento significativo do nervo mediano, com afastamento dos seus fascículos que apresentam sinal intermediário em T1 (setas azuis) e hipersinal em DP com supressão de gordura (setas amarelas), envoltos por tecido com sinal de gordura em T1 (setas brancas curvas), com supressão do sinal em DP (seta salmão). Ponta de seta vermelha indicando o marcador cutâneo posicionado na região de aumento do volume sinalizado pelo paciente.


Figura 2 (a-b)’: Imagens de RM do punho no plano coronal nas ponderações T1 (2a') e DP com supressão de gordura (2b’) mostrando os fascículos do nervo mediano afastados entre si no sentido longitudinal, onde apresentam aspecto semelhante a espaguete, com sinal intermediário em T1 (setas azuis) e hipersinal em DP com supressão de gordura (setas amarelas), envoltos por tecido com sinal de gordura.



Figura 3’: Imagem de RM do punho no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura mostrando também o nervo mediano aumentado de volume, com os fascículos no eixo longitudinal envoltos por tecido com sinal de gordura (setas), suprimido nessa sequência.





















Discussão


O hamartoma lipofibromatoso foi descrito pela primeira vez em 1953 por M.L. Mason como um lipoma intraneural e, desde então, ficou também conhecido como hamartoma fibrolipomatoso, proliferação fibrogordurosa, perineurolipoma, lipofibroma, fibrolipoma e lipomatose neural. Porém, em 1969, o termo hamartoma lipofibromatoso foi introduzido por Johnson e Bonfiglio e passou a ser o termo mais aceito para essa condição. Pela World Health Organisation (WHO) o hamartoma lipofibromatoso é classificado como um tumor de linhagem lipomatosa, sendo considerado como uma lipomatose do nervo.


É uma neoplasia benigna dos nervos periféricos caracterizada pelo crescimento hamartomatoso de tecido fibroadiposo (adipócitos maduros e fibroblastos) que fica contido pelo epineuro e pelo perineuro, o que resulta na expansão do nervo com separação dos seus fascículos (figuras 4 a 6).


Figura 4: Representação esquemática do nervo periférico normal, composto por fibras nervosas, que formam os fascículos (grupos de fibras nervosas entre o endoneuro e contidas pelo perineuro). O conjunto de fascículos forma o nervo, revestido pelo epineuro, que tem duas porções: a interna, entre os fascículos, e a externa ou superficial, que recobre os fascículos que, em conjunto, formam o nervo.


Figura 5: Representação esquemática de nervo periférico apresentando hamartoma lipofibromatoso, composto por tecido fibroadiposo (em amarelo), circundando os fascículos, mas se mantendo dentro dos limites do nervo acometido, já que que fica contido pelo epineuro e pelo perineuro.


Figura 6 (a-b): Exames anatomopatológicos em corte transversal em pequeno aumento (6a) mostrando vários fascículos nervosos (setas brancas) em meio a abundante infiltração gordurosa (asterisco), e em maior aumento (6b) mostrando os adipócitos (asteriscos) circundando um fascículo (seta preta). Modificado de Radiol Bras 2002;35(5):287–291 (6a) e de www.pathologyoutlines.com (6b).


É um tumor raro que acomete principalmente crianças com menos de 10 anos de idade de forma esporádica, com leve predomínio no sexo masculino. A real incidência do hamartoma fibrolipomatoso não foi bem estabelecida, sendo encontrado na literatura principalmente relatos de caso ou pequenas séries com poucos casos coletados. Sua etiologia ainda é desconhecida, mas acredita-se que pode ter origem congênita em virtude da sua apresentação geralmente ocorrer na infância, embora alguns autores acreditem que seu crescimento possa ser estimulado por irritação ou inflamação do nervo.


O hamartoma lipofibromatoso ocorre quase que exclusivamente nos membros (mais de 90% dos casos), sobretudo no membro superior (cerca de 75% dos casos). No membro superior os nervos mais acometidos são o mediano (60 a 80% dos casos), seguido pelo ulnar (7%) e radial, podendo também acometer o nervo supraescapular e os nervos do plexo braquial. No membro inferior o nervo mais acometido é o plantar (11%), com casos descritos também nos nervos ciático, tibial posterior e fibular.


Tipicamente a apresentação é de uma massa assintomática de crescimento lento e progressivo, que pode ser visível ao exame físico acompanhando o trajeto do nervo acometido (figura 7). Quando se torna sintomática, o que costuma ocorrer mais na terceira e quarta décadas, geralmente está associada a compressão ou encarceramento do nervo, e as queixas mais comuns são de dor, dormência e parestesia. No caso do acometimento do nervo mediano, os sintomas frequentemente são decorrentes da síndrome do túnel do carpo.


Figura 7: Fotografia da mão esquerda de paciente que apresenta volumoso hamartoma lipofibromatoso delimitado em azul. Modificado de Indian Journal of Orthopaedics 2021; 55 (1):S267–S272.


Como o crescimento do nervo acarreta deformidade visível, geralmente na mão ou nos dedos, essa condição também ficou conhecida como macrodistrofia ou macrodactilia lipomatosa. A macrodactilia ocorre em cerca de 30% dos casos, com leve predomínio no sexo feminino (figura 8).


Figura 8: Fotografia da mão esquerda de paciente que apresenta hamartoma lipofibromatoso do nervo mediano (seta preta) associado a macrodactilia no 3º dedo (pontas de seta). Modificado de Current Reviews in Musculoskeletal Medicine (2020) 13:696–707.


A macrodistrofia lipomatosa é uma forma rara de hipertrofia localizada, descrita em 1925 por Hans Feriz e caracterizada pela proliferação de todos os elementos mesenquimais, mas com predomínio desproporcional de tecido adiposo, em correspondência com a zona de inervação do esclerótomo. Muitos termos foram usados para descrever essa condição, considerada como uma forma rara de gigantismo local, como acromegalia parcial, megalodactilia, gigantismo digital, macromelia e gigantismo limitado. É uma forma de macrodactilia verdadeira, geralmente unilateral, em que o crescimento do(s) dedo(s) é mais rápido que o crescimento normal das demais estruturas na infância, cessando o crescimento na puberdade. Acomete mais frequentemente o membro inferior e, quando acomete o membro superior, geralmente afeta o 2º e o 3º dedos. É considerada uma doença congênita não hereditária. A macrodistrofia lipomatosa é uma condição distinta do hamartoma lipofibromatoso, mas ambas podem coexistir e também se confundir, já que o hamartoma lipofibromatoso pode ocasionar crescimento dos dedos. Uma diferença seria que, apesar de em ambas as situações podermos encontrar depósito de tecido adiposo intramuscular, na macrodistrofia lipomatosa ocorre também depósito de gordura periosteal, levando a alteração óssea em associação com o depósito de gordura neural, no subcutâneo e nos compartimentos musculares (figura 9).


Figura 9 (a-b): Fotografia (9a) e radiografia (9b) da mão direita de um paciente de 52 anos com hamartoma lipofibromatoso do nervo mediano associado a macrodistrofia lipomatosa. Há gigantismo local do polegar e porção radial do indicador (pontas de seta pretas), que na radiografia está em correspondência com gigantismo ósseo associado a osteoartrose precoce (pontas de seta brancas), tratada com artrodese e fixação interna com fios de cerclagem. Nota-se cicatriz no antebraço (seta em 9a) por exploração cirúrgica prévia. Modificado de AJR Am J Roentgenol. 2006 Mar;186(3):805-11.


Não existe uma diretriz bem estabelecida para o diagnóstico e tratamento do hamartoma lipofibromatoso.

As radiografias podem ser úteis na avaliação da macrodactilia e detecção de artrose precoce, conforme visto na figura 9.


Na ultrassonografia o hamartoma lipofibromatoso se manifesta como imagens hipoecoicas agrupadas representando os fascículos neurais espessados de permeio a um substrato hiperecogênico composto principalmente por gordura (figura 10).


Figura 10 (a-b): Hamartoma lipofibromatoso do nervo mediano em mulher de 31 anos identificado na ultrassonografia como bandas neurais espessadas (setas brancas) com aspecto de cabos hipoecoicos no eixo longitudinal (10a) e em corte transversal (10b), circundados por tecido gorduroso hiperecoico (setas amarelas). Modificado de AJR Am J Roentgenol. 2006 Mar;186(3):805-11.


É possível também identificar o hamartoma lipofibromatoso na tomografia computadorizada como uma formação com densidade negativa (de gordura) circundando os fascículos neurais (figura 11).


Figura 11: Imagem de tomografia computadorizada no plano transversal de paciente com hamartoma lipofibromatoso do nervo mediano (seta amarela). Modificado de Radiol Case Rep. 2015 Nov 6;8(4):895.


Apesar de poder ser identificado na USG e na TC, o método de escolha para o diagnóstico do hamartoma lipofibromatoso é a ressonância magnética, onde o aspecto costuma ser patognomônico, fazendo com que a biópsia seja desnecessária. A imagem típica é de uma formação expansiva alongada com sinal de gordura em todas as sequências circundando os fascículos neurais que ficam com aspecto serpengiforme, que na ponderação T1 apresentam sinal isointenso e na ponderação T2 ou DP com supressão de gordura sinal hiperintenso, se assemelhando no plano coronal a um espaguete e no plano transversal a um cabo em que os fascículos neurais seriam os fios, conforme visto neste caso. A RM também permite a identificação do hamartoma lipofibromatoso em locais de acesso mais difícil à USG, como no plexo braquial (figura 12).



Figura 12 (a-b): Imagens de RM na ponderação T1 no plano coronal (12a) e no plano transversal (12b) em homem de 55 anos que apresenta hamartoma lipofibromatoso do plexo braquial direito no nível da formação dos ramos terminais do plexo braquial (seta branca), acometendo os nervos mediano e radial ao longo do seus trajetos no braço (setas pretas). Modificado de AJR Am J Roentgenol. 2006 Mar;186(3):805-11.


Outras causas de neuropatias compressivas na infância seriam:

  • Síndrome do desfiladeiro torácico – a incidência na população geral é estimada em cerca de 0,3 a 2%, sendo mais comum no adulto de meia idade e no sexo feminino (3 a 4:1), com 20% dos casos ocorrendo em pacientes com menos de 25 anos. É secundária à compressão nervosa, arterial e/ou venosa na região do desfiladeiro torácico secundária a alguma alteração anatômica (como costela cervical ou processo transverso de C7 longo), a estresse repetitivo (principal em situações que mantém o braço em abdução, como tocar violino), tumores (como osteocondroma) ou trauma. Nas crianças e adolescentes a compressão venosa é a mais comum, enquanto no adulto a compressão neural é o subtipo mais prevalente.


  • Síndrome do processo supracondilar – o processo supracondilar é uma proeminência óssea na face anteromedial do úmero distal, a aproximadamente 5 cm do epicôndilo medial, tipo um esporão que tipicamente aponta para o epicôndilo, que costuma ser identificado como achado de imagem incidental. Entretanto, entre eles existe uma banda fibrosa denominada ligamento de Struthers e, caso a artéria braquial e o nervo mediano tenham trajeto passando abaixo do ligamento de Struthers, podem sofrer compressão causando sintomas, o que ocorre em cerca de 0,1 a 2,7 % da população geral e é conhecido como a síndrome do processo supracondilar.


  • Síndrome do túnel cubital – relacionada à compressão do nervo ulnar no cotovelo e pode ser também consequente à subluxação do nervo ulnar sobre o epicôndilo medial. Na criança e no adolescente pode ser ocasionada por uso excessivo de videogames devido ao excesso de flexão do cotovelo e também por esportes de arremesso, deformidade em valgo (cubitus valgus), músculo ancôneo epitroclear acessório, fraturas no epicôndilo medial ou luxação do cotovelo.


  • Síndrome do túnel do carpo – embora seja a neuropatia compressiva mais comum no adulto, é rara na população pediátrica, sendo geralmente associada a alguma anomalia anatômica, como deformidade óssea, mal formação vascular, músculo acessório ou secundária a esforço repetitivo (como tocar algum instrumento ou esporte), trauma ou ganglion, além do hamartoma lipofibromatoso.


Embora o hamartoma lipofibromatoso surja na infância, muitas vezes seu diagnóstico só é feito na vida adulta, quando costuma ser mais sintomático.


Os diagnósticos diferenciais de lesões expansivas na região do nervo mediano incluem o neuroma traumático, neurofibroma / neurofibromatose tipo I, schwannoma, cisto ganglion, mal formação vascular e lipoma, mas a faixa etária e o aspecto de imagem do hamartoma lipofibromatoso são tão típicos, sobretudo na ressonância magnética, que não costuma haver dificuldade no diagnóstico.


Natroshvili e cols. identificaram quais os tumores raros que podem causar compressão do nervo mediano em adultos e o hamartoma lipofibromatoso foi o mais comumente encontrado (figura 13).


Figura 13: Gráfico do tipo pizza mostrando os principais tumores causadores de compressão do nervo mediano em adultos, sendo que as fatias afastadas representam causas neurais: hamartoma lipofibromatoso (em azul claro, o mais comum), schwannoma (verde claro), perineurioma intraneural (amarelo ouro), lipoma intraneural (verde água), neurotequeoma (bege) e neurofibroma plexiforme (preto). No grupo “outros”, em vermelho, foram reunidas as causas benignas apenas esporadicamente relacionadas a compressão neural, como hamartoma, tumor glômico, condroma extraesquelético, osteocondromatose sinovial, hemangioma sinovial, osteofitos no trapézio, hibernoma, melororreostose, macrodistrofia lipomatosa e fibrolipoma aponeurótico calcificado. Causas malignas esporádicas foram reunidas no grupo “outros-malignos”, em azul escuro: sarcoma epitelioide, linfoma não- Hodgkin, neuroleucemiose e metástase de tumor de mama.


Por ser um tumor benigno, o tratamento é direcionado aos sintomas, podendo ser necessária a ressecção cirúrgica. Porém, a conduta deve levar em conta a necessidade de preservação da função neural, o que pode ser difícil na cirurgia, que tem demonstrado resultados controversos na literatura. Os tumores que infiltram o nervo têm abordagem mais difícil, sendo geralmente indicada nessa situação a epineurotomia com dissecção intraneural.

Em muitos casos, devido à morbidade da ressecção cirúrgica, o paciente é orientado a modificar a forma de realizar suas atividades para evitar a compressão local e aliviar os sintomas, como segurar a caneta de outra forma e adaptar os movimentos cotidianos. No caso de sintomas relacionados à síndrome do túnel do carpo a liberação do retináculo pode resolver completamente os sintomas, com alguns autores inclusive preconizando a liberação profilática.



LEITURA SUGERIDA


Elbayer AM, Alharami S, Elhessy AH. Lipofibromatous Hamartoma of the Median Nerve: A Case Report. Cureus. 2023 Jan 8;15(1):e33516. doi: 10.7759/cureus.33516.


Natroshvili T, Peperkamp K, Malyar MA, Wijnberg D, Heine EP, Walbeehm ET. Rare Tumors Causing Median Nerve Compression in Adults-A Narrative Review. Arch Plast Surg. 2022 Sep 23;49(5):656-662. doi: 10.1055/s-0042-1756345.


Ranjan R, Kumar R, Jeyaraman M, Kumar S. Fibrolipomatous Hamartoma (FLH) of Median Nerve: A Rare Case Report and Review. Indian Journal of Orthopaedics (2021) 55 (Suppl 1):S267–S272, https://doi.org/10.1007/s43465-020-00149-9.


Natroshvili T, Peperkamp K, Malyar MA, Wijnberg D, Heine EP, Walbeehm ET. Rare Tumors Causing Median Nerve Compression in Adults-A Narrative Review. Arch Plast Surg. 2022 Sep 23;49(5):656-662. doi: 10.1055/s-0042-1756345.


Codd CM, Abzug JM. Upper Extremity Compressive Neuropathies in the Pediatric and Adolescent Populations. Curr Rev Musculoskelet Med. 2020 Dec;13(6):696-707. doi: 10.1007/s12178-020-09666-4.


Maldjian C. Fibrolipomatous hamartoma of the median nerve on CT. Radiol Case Rep. 2015 Nov 6;8(4):895. doi: 10.2484/rcr.v8i4.895. PMID: 27330651; PMCID: PMC4899561.


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