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No nível do mar



A localização das lesões ou alterações é uma das partes mais importantes do laudo radiológico. Mas, o que parece simples, muitas vezes acaba se confundindo com vícios de linguagem e na falta de entendimento sobre o significado e os sentidos que as palavras podem tomar de acordo com o contexto.


No blog do mês passado, “Localize corretamente”, discutimos o significado de alguns dos termos mais utilizados na localização de lesões, como topografia, projeção, junto, etc. Mas, outros termos que merecem consideração é o uso de “ao nível”, “no nível”, “em nível” e “a nível”.


“Ao nível de” é uma expressão sinônima de “na altura de”, “à altura de” e “no nível de”. Logo, podemos usar tanto “ao nível”, quanto “no nível de”. Mas o que isso significa? O termo “no / ao nível de” indica um nivelamento, um encontro de duas ou mais coisas ou pessoas que se encontram na mesma altura.


Um exemplo simples para entender o significado de “no / ao nível de” é a expressão “no / ao nível do mar”. Quando dizemos que uma determinada cidade se encontra no nível do mar, o que isto significa? Que ela está no mar? Apenas se fosse a cidade perdida de Atlântida. Uma cidade no nível do mar significa que ela está na mesma altura do mar, podendo nem ser uma cidade litorânea, pode ser até uma cidade no meio do continente sem nenhum contato com o mar. Já uma cidade acima do nível do mar significa que ela está em uma altura superior à altura do mar.


Ou seja, quando dizemos “no nível” ou “ao nível”, por definição, o que estamos descrevendo não pode estar naquele lugar específico. Uma cidade no nível do mar não pode estar no mar, assim como um peixe não está no nível do mar, ele está no mar. Um peixe no nível do mar teria que estar fora do mar, como num aquário de uma casa numa cidade no nível do mar.


Portanto, é válido usar os termos “no nível” ou “ao nível” nos laudos radiológicos quando queremos dar uma ideia da localização de uma alteração usando outro local como referência. Por exemplo, dizer que “um cálculo ureteral está no nível da vértebra L3” está correto, já que o cálculo não está na vértebra, ela é apenas uma referência que dá ideia da altura do cálculo – que poderia estar mais superior ou inferior, mas assim sabemos de forma aproximada em que altura do ureter o cálculo está. Já não seria correto dizer que “um cálculo se encontra no nível do óstio ureteral” porque neste caso ele está no próprio óstio.


Em musculoesquelético, vejo muitas descrições como “rotura radial no nível do corpo do menisco”, o que não estaria correto, já que a lesão está no próprio menisco. Em vários casos a mensagem vai ser entendida, como nesse exemplo, pois a rotura radial só poderia estar no menisco. Mas, e se descrevermos “ganglion no nível do ligamento cruzado anterior”? Por definição, estaríamos descrevendo um ganglion adjacente ao ligamento cruzado ou na mesma altura que o ligamento, mas muitos descrevem um ganglion intraligamentar desta forma, o que só confunde e pode gerar interpretações diferentes.


Esse tipo de erro ocorre muitas vezes por hesitação em ir direto ao ponto e dizer de forma direta onde a alteração está: rotura no corpo menisco, líquido na bursa, fratura na cabeça da fíbula, etc. Em vez disso, são inseridos termos desnecessários, que muitas vezes nem mesmo estão corretos, conforme já discutido no blog do mês passado: rotura “junto” ao corpo menisco (estaria então no corno anterior ou posterior, já que junto seria do lado, e não no corpo?), líquido “na topografia” da bursa, fratura “ao nível” da cabeça da fíbula (seria então uma fratura no platô tibial?).


“Em nível de” não é uma expressão incorreta, mas os sinônimos são outros, como “no âmbito de”, “em termos de”, “com status de”. É uma expressão meramente acessória, podendo geralmente ser suprimida da frase e não tem relação com lugar, que é a nossa questão nos laudos radiológicos.


“a nível de” é uma expressão muito falada no dia a dia, mas é bastante criticada pelos estudiosos da língua portuguesa, que a consideram errada, nada além de um mero modismo. Como a língua é viva, pode ser que esta expressão no futuro fique consagrada pelo uso, mas até lá deve ser evitada em textos formais que pedem o uso da norma culta e também seu uso não costuma se referir a lugar, mas sim “do ponto de vista de”, “em relação a”, “no que se refere a”, etc., não tendo muito uso nos laudos radiológicos.


"O analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender".

Alvin Toffler (1928-2016,

escritor e futurista norte-americano, autor do livro “A terceira onda”)

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