É muito comum os radiologistas considerarem o “exame TA-GT” um exame bem específico, separado dos demais. Na verdade, TA-GT significa apenas uma distância (entre o fundo da tróclea e a tuberosidade tibial), um entre vários outros dados que devem fazer parte da avaliação de qualquer paciente com história de dor anterior e instabilidade femoropatelar.
Um dos centros que mais estudam a instabilidade femoropatelar é a Escola de Cirurgia do Joelho de Lyon, na França, conhecida como “Escola Lyonesa”. Ela coloca a instabilidade femoropatelar dentro da síndrome da dor anterior do joelho, onde encontramos basicamente 5 tipos de pacientes:
1- Pacientes com dor anterior, mas sem alterações na forma da articulação femoropatelar, instabilidade ou achados relevantes no exame físico. Esses pacientes costumam vir com a indicação de “condropatia patelar” e muitos acabam focando apenas na cartilagem patelar, mas é importante também descartar outras causas de dor anterior.
2- Pacientes com dor e alguma alteração na forma da articulação femoropatelar, mas que negam instabilidade ou luxação patelar. É também frequente a indicação ser “condropatia patelar”, mas esses casos são considerados “instabilidade potencial” porque podem existir fatores predisponentes para deslocamento patelar. Além disso, até mais da metade dos pacientes que luxaram a patela não percebem o deslocamento, sendo um dos papéis do radiologista reconhecer os sinais de luxação prévia, conforme discutido no caso do mês de outubro/17.
3- Pacientes com “instabilidade objetiva”, definida pela ocorrência de pelo menos um episódio de luxação da patela.
4- Pacientes com “instabilidade major”, definida pela ocorrência de luxação recidivante da patela.
5- Pacientes com artrose femoropatelar.
Dessa forma, qualquer paciente que se apresente com “dor anterior no joelho” e suspeita de “condropatia patelar” ou paciente jovem com artrose femoropatelar precoce ou artrose femoropatelar acentuada, sem alteração degenerativa significativa nos compartimentos femorotibiais, deve ser avaliado buscando ativamente as seguintes alterações, a maioria delas já discutida em detalhes nos casos do mês:
- Lesão nas cartilagens patelar e troclear (muitas vezes negligenciada);
- Alteração no tendão quadríceps, ligamento patelar, coxins adiposos anteriores (não apenas a gordura de Hoffa, mas também o coxim adiposo retroquadricipital e a gordura pré-femoral);
- Sinais indicativos de luxação lateral transitória da patela e de fraturas osteocondrais;
- Lesão dos ligamentos do retináculo medial, presente na grande maioria dos pacientes que apresentaram luxação lateral traumática da patela (http://www.mskrad.com.br/maio-2018-joelho)
- Inclinação patelar e distúrbio do mecanismo extensor (http://www.mskrad.com.br/janeiro-2018), que são causa de dor, podem predispor a degeneração e não necessariamente estão relacionados a instabilidade;
- Displasia troclear (http://www.mskrad.com.br/fevereiro-2018), o principal fator de risco para instabilidade e luxação recidivante que deve ser avaliada em todos os exames de joelho de crianças, adolescentes e adultos jovens sintomáticos, seja nos exames de RX, TC ou RM.
- Alteração na altura da patela;
- Aumento da distância entre o fundo da tróclea e a tuberosidade tibial (distância TA-GT ou TT-GT), também considerado um fator de risco para instabilidade.
As técnicas cirúrgicas mais utilizadas no nosso meio são as reconstruções ligamentares e a transferência da tuberosidade tibial nos casos em que ela está mais lateralizada que o habitual. Um dos parâmetros mais utilizados para definir a medialização da tuberosidade da tíbia é a medida da distância TA-GT, que pode ser feita tanto na TC quanto na RM, embora essa medida não seja a única, tendo sido descritas nos últimos anos algumas medidas alternativas, conforme discutido no caso do mês de dezembro (http://www.mskrad.com.br/dezembro-2018). A forma mais comum de medir a distância TA-GT é sobrepor a imagem do fundo da tróclea com a imagem da tuberosidade tibial, mas existem outras formas de medir sem a sobreposição, conforme ilustrad na página NOTAS & MEDIDAS/JOELHO (https://www.mskrad.com.br/joelho-2).
Portanto, é fundamental saber o contexto e importância das diversas alterações encontradas nos pacientes com dor anterior, instabilidade (objetiva, potencial e major) e artrose. É muito importante conhecer o “tracking” patelar normal para saber o que é fisiológico em extensão, quais as medidas que devem ser feitas só em flexão e o que não pode ser avaliado quando há derrame articular. Esse conhecimento também ajuda a entender as diferenças na condução dos exames dos pacientes com luxação aguda traumática dos com luxação recidivante.
Uma das “fake news” mais antigas da história do Brasil foi a que disseminou a ideia de que misturar leite com manga era fatal, conceito que perdurou por mais de um século. Já na nossa especialidade, uma “fake news” comum é a que diz que os exames de joelho estão entre os mais simples, sendo um dos primeiros exames de articulação que o radiologista se sente mais seguro para laudar e assinar, ainda mais quando é de paciente jovem com indicação de condropatia. Na verdade, o joelho está entre as articulações mais complexas, com grande incidência de erros diagnósticos com impacto na qualidade de vida das pessoas. E, diferentemente do leite com manga, a mistura de falta de conhecimento mais profundo, banalização e busca por volume pode ser fatal para a qualidade dos exames, laudos e para a especialidade.
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