A expressão “preto no branco” surgiu no Brasil no século XIX, mas ainda é utilizada para afirmar que algo ficou bem esclarecido ou documentado por escrito de forma legítima, sem dar margem a dúvida, já que algo escrito em letras pretas sobre um fundo branco fica registrado de forma clara para qualquer um conseguir ler.
Já o termo “palavras brancas” significa exatamente o contrário – são palavras que não fazem a menor diferença no texto, como se estivessem escritas em branco sobre um fundo branco, tanto faz estarem presentes ou não. Portanto, é uma situação que deveria ser evitada na linguagem culta, que é o tipo de linguagem utilizada nos laudos radiológicos.
Tautologia é um termo pomposo para descrever a repetição desnecessária de uma mesma ideia usando termos diferentes, sendo algo a ser evitado na escrita formal. É originado do grego tautologos (tautos, que significa idêntico, e logos, palavra ou o que foi dito), sendo também conhecido como pleonasmo vicioso.
Existe uma certa confusão entre os termos pleonasmo e redundância e vamos agora entender melhor como isso se aplica aos laudos radiológicos.
Em primeiro lugar, pleonasmo nem sempre é ruim e nem sempre é sinônimo de redundância! Por isso, ele é uma figura de linguagem classificada em dois tipos:
1- Pleonasmo de reforço ou estilístico
É uma forma legítima de comunicar no sentido de reforçar uma ideia, a despeito da repetição de alguns termos. Nesse caso, não há desperdício ou excesso de sentidos, o que causaria incompreensão. Ao contrário, serviria para dar força ou mais clareza ao que está sendo expresso. Alguns exemplos que mostram o pleonasmo relacionado ao significado:
"Eu não acreditaria se não tivesse visto o massacre com meus próprios olhos".
"Ele chorou muitas lágrimas depois que terminamos".
Nesses casos, “ver” e chorar” já têm implícito no seu próprio significado que ver é com os olhos e que chorar implica em derramar lágrimas. Mas, o massacre poderia ter sido visto na televisão ou em fotos, assim como alguém pode chorar derramando poucas lágrimas. Dessa forma, o pleonasmo serve para ficar bem claro o significado, qualificação, quantificação e/ou veracidade das situações – a pessoa viu o massacre pessoalmente, não podendo ser enganada por edição de imagens, por exemplo.
Portanto, quando escrevemos “Tendão supraespinal espessado e acentuadamente heterogêneo, por tendinopatia”, há uma certa repetição de ideias, mas isso serve para deixar bem claro porque consideramos que o tendão apresenta tendinopatia (veracidade), fornecendo qualificação, ao citar o que está caracterizando a tendinopatia (espessamento e alteração do sinal) e sua quantificação (acentuada).
Poderia ser colocado apenas “Tendinopatia do supraespinal”? Em termos de ideia, sim. Mas, se você lembra dos textos “Filme x livro” e o "O verdadeiro significado do laudo descritivo", um dos preceitos recomendados pelo American College of Radiology para o laudo radiológico perfeito é que o texto deve permitir visualizar perfeitamente as alterações descritas, dando ideia exata da alteração, mesmo sem acesso às imagens.
“Tendinopatia do supraespinal” poderia ser discreta, ter leve aumento do sinal ou baixo sinal no caso de tendinopatia cálcica, o tendão pode ter espessura normal, estar espessado ou afilado e poderia até ter rotura associada, tudo isso dentro do “pacote” da tendinopatia. Por isso, mesmo que um pouco repetitivo, é recomendado usar um pouco de repetição de ideias nestes casos para fornecer um laudo claro e dentro das recomendações do laudo ideal.
2- Pleonasmo vicioso ou redundância
Esse tipo de pleonasmo é condenado pela norma culta por ser considerado um vício de linguagem. Diferentemente do pleonasmo de reforço, a redundância não possui uma intenção expressiva e nem provoca nenhum tipo de alteração no sentido - é ocasionado por desatenção ou falta de conhecimento do enunciador, que acaba afirmando o óbvio. No exemplo “O carrasco decapitou a cabeça do condenado”, o verbo decapitar já significa cortar a cabeça, não existe “decapitar uma perna”. Isso não reforça ou deixa a ideia mais clara, mas sim indica que a pessoa se distraiu e fez uma repetição desnecessária ou que não sabe o significado de decapitar, gerando as “palavras brancas”, situação que também ocorre nas descrições radiológicas:
“O carrasco decapitou a cabeça do condenado” .
“O carrasco decapitou a cabeça do condenado”.
“Tendinose do tendão infraespinal”
“Tendinose do tendão infraespinal”.
“Artrose da articulação acromioclavicular”
“Artrose da articulação acromioclavicular”.
Existem também situações em que não há falta de conhecimento no uso das palavras, mas elas apenas não fazem falta no texto, que apenas fica maior à toa:
“Análise comparativa com exame anterior realizado em ... ”
“Análise comparativa com exame anterior realizado em ... ”
“Foi identificada a presença de cisto subcortical no platô tibial medial.”
“Destaca-se a presença de cisto subcortical no platô tibial medial.”
“Destaca-se a presença de Cisto subcortical no platô tibial medial.”
Ficar atento aos vícios de linguagem não é frescura! Isso é muito importante nos laudos porque as mensagens subliminares são poderosas... Prezar a linguagem culta e a clareza das informações indica que você se preocupa com o laudo, com o entendimento de quem vai ler e presta atenção ao sentido das palavras. Um questionamento frequente que ouço de pacientes e médicos assistentes é o de que se você não presta atenção ao que escreve estaria prestando a devida atenção à interpretação das imagens? Não deixe que detalhes coloquem em risco sua credibilidade!
“Com o preto e branco e todas as gamas de cinza posso me concentrar na densidade das pessoas, suas atitudes, seus olhares, sem que estes sejam parasitados pela cor”.
Sebastião Salgado
Fotógrafo brasileiro que trabalha inteiramente com fotos em preto e branco e recebeu praticamente todos os principais prêmios de fotografia do mundo, famoso principalmente pelo trabalho “Exodus” e que foi o primeiro brasileiro a integrar o rol de imortais da Academia de Belas Artes da França.
O documentário sobre seu trabalho “O sal da Terra”, dirigido por seu filho e Wim Wenders, foi indicado ao Oscar 2015 de melhor documentário.
Comentarios