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Rotura traumática dos isquiotibiais

História clínica

 

Mulher, 62 anos, com dor aguda na coxa esquerda durante treino funcional na praia. Foi colocado marcador cutâneo na região dolorosa referida pela paciente no terço médio da coxa.


Figura 1 (a-h): Imagens consecutivas da coxa esquerda no plano axial nas ponderações STIR (a-d) e T1 (d-h).



Figura 2 (a-b): Imagens da coxa esquerda no plano coronal nas ponderações STIR (2a) e T1 (2b).

Figura 3: Imagens da coxa esquerda no plano sagital na ponderação STIR.


Figura 4: Imagens adicionais do quadril esquerdo na ponderação T2 com supressão de gordura nos planos axial (4a) e coronal (4b).



Descrição dos achados


Figura 1 (a-h)’: Imagens consecutivas da coxa esquerda no plano axial nas ponderações STIR (a-d’) e T1 (d-h’) mostrando em STIR alteração do sinal com edema de permeio à junção miotendínea dos isquiotibiais (seta branca) com coleção adjacente (setas vermelhas) que apresenta área central com sinal mais heterogêneo (seta amarela). Note que o edema se estende às fibras musculares distais (seta azul). Em T1 a coleção apresenta sinal elevado (setas verdes), o que sugere conteúdo hemático, e a área central com sinal mais heterogêneo em STIR é predominantemente reduzido em T1 (seta laranja). A alteração do sinal nas fibras musculares distais tem sinal também elevado em T1, compatível com extensão distal do hematoma (seta rosa). Note o marcador cutâneo posicionado (seta preta).


Figura 2 (a-b)’: Imagens da coxa esquerda no plano coronal nas ponderações STIR (2a’) e T1 (2b’) mostrando bem em STIR o edema de permeio à junção miotendínea (seta branca) e às fibras musculares distais dos isquiotibiais (seta azul) e a extensão do hematoma (setas vermelhas) que apresenta sinal elevado em T1 (setas verdes). É possível também identificar “gap” entre a tuberosidade isquiática e os tendões isquiotibiais (seta amarela dupla).

Figura 3’: Imagens da coxa esquerda no plano sagital na STIR mostrando a extensão do hematoma (setas vermelhas) e a área central com sinal mais heterogêneo (setas amarelas) que deve representar coágulo.


Figura 4’: Foram obtidas imagens adicionais do quadril esquerdo na ponderação T2 com supressão de gordura nos planos axial (4a’) e coronal (4b’) porque a origem dos tendões isquiotibiais não foi incluída no plano axial da coxa. A coleção se inicia junto à tuberosidade isquiática onde não são observados os tendões isquiotibiais e há um intervalo preenchido por líquido (seta amarela dubpla) entre a tuberosidade isquiática (asterisco) e os tendões isquiotibiais retraídos (seta branca).



Discussão


Lesões miotendíneas são frequentes no quadril, especialmente em atletas. Os isquiotibiais (cabeça longa do bíceps femoral, semitendinoso e semimembranoso) são os tendões mais acometidos nos praticantes de corrida, futebol e salto.

 

No jovem com a apófise ainda não fusionada é comum o destacamento de fragmento ósseo. No adulto, a avulsão ocorre na êntese, geralmente na origem comum do bíceps femoral e do semitendinoso, sem fragmento ósseo identificável. A apresentação típica é a ocorrência de “pop” audível durante corrida, seguida de dor, que pode ser referida na região glútea, porção posterior da coxa, nas sacroilíacas ou ter características de radiculopatia devido à proximidade com o nervo ciático.

 

No caso do jovem atleta, os isquiotibiais são susceptíveis a lesões por estiramento durante a contração excêntrica que ocorre quando há necessidade de aceleração rápida na corrida. Os tendões que já apresentaram algum tipo de lesão pregressa são mais propensos a novas roturas.

 

Nos adultos mais velhos, a tendinose funciona como fator predisponente, e as roturas parciais podem evoluir para roturas completas com retração.

 

Esse caso ilustra um problema frequente na realização dos exames de coxa que é a exclusão da origem e/ou inserção dos tendões, prejudicando a mensuração da retração (“gap”) . Mesmo quando o marcador cutâneo estiver no terço médio da coxa, devemos incluir pelo menos a inserção tendínea mais próxima – se a dor for mais proximal incluir o quadril e se for mais distal incluir o joelho.

Ainda existe muita controvérsia em relação a melhor classificação das lesões miotendíneas que possa usada na ultrassonografia e/ou ressonância magnética, com cada uma apresentando vantagens e limitações.

 

1- A classificação mais simples e mais conhecida é a que considera três graus de gravidade e pode ser utilizada tanto para lesões tendíneas quanto musculares (tabela 1):


Tabela 1: Classificação das lesões miotendíneas por graus.


Apesar de muito utilizada, essa classificação não leva em consideração pontos importantes para tratamento e prognóstico:

- A localização da lesão

- Dimensões e extensão

- Etiologia

 

Nos últimos anos, surgiram outras classificações na tentativa de padronizar a nomenclatura facilitando a comunicação entre os profissionais envolvidos e estabelecer estratégias de tratamento mais efetivas:

 

2- Consenso de Munique em 2012.

Neste consenso (tabela 2), não se recomenda o uso do termo “estiramento” para descrever as lesões, uma vez que indica uma alteração biomecânica (seria o mecanismo do trauma).

 

Um dos diferenciais deste consenso é incluir as alterações musculares funcionais onde não há alteração estrutural visível ou apenas edema na RM decorrentes do excesso de exercício ou de alteração neuromuscular secundária a problema na coluna (central), como espondilólise ou hérnia discal, ou do próprio músculo (periférica) em que há disfunção no controle dos neurônios motores levando a desequilíbrio entre os músculos agonistas e antagonistas e que devem ser consideradas como diagnósticos diferenciais das alterações estruturais decorrentes de eventos traumáticos.

Os autores também levantam a questão de que na RM muitas vezes é difícil determinar se existe ou não alteração estrutural no músculo na presença de edema/hemorragia e separa as lesões em funcionais e estruturais.


Tabela 2: Versão modificada resumida do consenso de Munique. Veja a versão completa na referência: Terminology and classification of muscle injuries in sport: the Munich consensus statement. Br J Sports Med. 2013 Apr;47(6):342-50.


Embora mais completa, essa classificação não leva em conta a localização nem as dimensões das lesões e não tem critérios definidos para diferenciar as lesões parciais menores das mais significativas.

  

3- Classificação de Letter.

É importante descrever em detalhes a localização das lesões, pois o local influencia diretamente o prognóstico e tratamento. Algumas classificações levam em conta se foi acometido o músculo, a junção miofascial, a junção miotendínea ou o tendão, sendo esta a ordem de gravidade (tabela 3 e figura 5).


Tabela 3: Classificação das lesões miotendíneas em relação à localização: miofascial, miotendínea ou intratendínea.


Figura 5: Representação esquemática da cabeça longa do bíceps femoral mostrando a origem do tendão na tuberosidade isquiática, as porções miotendíneas proximal e distal, a inserção tendínea na fíbula, o ventre muscular e as porções periféricas (miofascial/aponeurótica).


Uma das limitações desta classificação é a diversidade de termos na descrição das lesões periféricas (miofascial, mioaponeurórica, do epimísio, etc.) que não são uniformes na literatura.

Os tendões são estruturas fibroelásticas entre o osso e o músculo e as aponeuroses são expansões ou extensões planas dos tendões. Os tendões e aponeuroses se conectam com os músculos, formando as junções miotendíneas e mioaponeuróticas, respectivamente.

As fáscias são membranas laminares de espessura e extensão variáveis derivadas do mesoderma e estão presentes no revestimento de diversas estruturas. O epimísio seria a fáscia específica que recobre os músculos.

 

O modelo habitual (figura 6) mostra o tendão se originando ou inserindo no osso (denominado por alguns autores de “tendão livre”) e se unindo às fibras do ventre muscular, sendo a transição onde identificamos tanto as fibras tendíneas quanto as musculares de junção miotendínea. Quando a extremidade do músculo se continua diretamente com o tendão, a junção entre eles é bem identificada. Mas, quando o músculo se funde ao tendão de forma oblíqua, as fibras tendíneas tem trajeto variável na substância do músculo (figuras 7 e 8).


Figura 6: Desenho da inserção tendínea no osso, da junção miotendínea e do ventre muscular.


Figura 7: Representação esquemática de imagem seccional no plano transversal mostrando os padrões distintos de transição entre os tendões e os músculos: junção miotendínea periférica onde o músculo se continua diretamente com o tendão, junção miotendínea central, com componentes periférico e central (em “T”, onde o tendão se continua com a aponeurose na periferia e também apresenta trajeto intramuscular formando 90° com a aponeurose) ou apenas se continuando com a aponeurose.



Figura 8 (a-c): Imagens de RM no plano axial na ponderação STIR do terço proximal das coxas (8a) e dos terços médio (8b) e distal (8c) da perna esquerda de outro paciente ilustrando alguns tipos de transição miotendínea. Em 8a junto à tuberosidade isquiática identificamos o tendão semimembranoso, enquanto que o tendão conjunto do bíceps femoral / semitendinoso já está se unindo às fibras musculares formando a junção miotendínea. À direita vemos a junção miotendínea do reto femoral em situação mais periférica proximalmente e à esquerda alguns milímetros inferiormente nota-se também componente central do tendão. Nas figuras 8b e 8c vemos que a fáscia do gastrocnêmico medial é bem mais fina que a junção mioaponeurótica e o solear apresenta junção mioaponeurótica  periférica, que vai formar o tendão calcâneo, e uma porção miotendínea central formando 90° com a aponeurose.


Outra limitação dessa classificação é também não levar em conta as dimensões e extensão da lesão.

 

 

4- Classificação MLG-R (Barcelona FC)

 

Propõe descrever as lesões segundo (tabela 4):

M - mecanismo de trauma: (direto – contusão) ou indireto (estiramento).

L - localização: no caso do trauma direto se nos terços proximal, médio ou distal. No trauma indireto, se acomete as porções proximal ou distal do tendão ou da junção miotendínea ou se a lesão é periférica. O termo “periférico” faz com que as terminologias “miofascial, miopaponeurótica, epimísio” não sejam necessariamente utilizadas, facilitando a comunicação.

G - grau pela RM: zero quando a RM é normal. No caso de alteração estrutural a lesão é quantificada pelo % da área seccional acometida no plano transversal, considerada mais significativa que a extensão longitudinal, variando de <10%, entre 11 e 25%, 26 a 49% ou >50%.

R – re-lesão, definida como lesão do mesmo tipo e no mesmo local ou local diferente no mesmo músculo até 2 meses após o retorno à atividade física.


Tabela 4: Classificação d MLG-R segundo o mecanismo do grau, localização, grau e novas lesões.


Essa classificação reúne vários pontos importantes e de valor prognóstico. A única limitação seria que nem sempre é fácil na vigência de edema mais extenso na RM distinguir se há ou não lesão das fibras musculares, muitas vezes sendo difícil quantificar o % da área seccional acometida de forma tão precisa.

 

 

5- Classificação de Pollock et al. (British athletics muscle injury classification)

Essa classificação tem tido boa aceitação, pois leva em consideração a localização das lesões, as dimensões e a área seccional acometida de forma mais aproximada, tornando-a mais reprodutível (tabela 5).


Tabela 5: Versão modificada resumida da classificação de Pollock et al. Veja a versão completa na referência: British athletics muscle injury classification: a new grading system. Br J Sports Med. 2014 Sep;48(18):1347-51.




Pontos principais neste caso:

Independente da classificação utilizada o laudo radiológico deve fornecer as seguintes informações:

 

- Músculo (s) e tendão (ões) acometido (s)

- Se lesão é tendínea, miotendínea, intramuscular ou periférica (mioaponeurórica / miofascial)

- Qual porção acometida (tendínea / miotendínea - proximal ou distal; muscular terços proximal, médio ou distal)

- Se rotura tendínea, miotendínea ou muscular é parcial ou completa

- No caso das roturas completas se é por avulsão ou na junção miotendínea

- Se há retração (“gap”), perda da tensão (trajeto sinuoso) ou delaminação

- No caso de lesões tendíneas parciais, se extensão longitudinal é < ou > 5 cm e se acomete < ou > 50% da espessura do tendão

- No caso das lesões musculares, mioaponeuróticas ou miotendíneas se extensão longitudinal é < 5 cm, entre 5 e 15 cm ou > 15 cm; se há descontinuidade das fibras musculares / miofasciais < 1 cm, entre 1 e 5 cm ou > 5 cm; se área seccional acometida é < 10%, entre 10 a 50% (se possível diferenciar se entre 10 e 25% ou entre 25 e 50%) ou > 50% considerando a distorção arquitetural e não toda a érea de edema.

- Se há hematoma intermuscular



LEITURA SUGERIDA


Hamilton B, Valle X, Rodas G, Til L, Grive RP, Rincon JA, Tol JL. Classification and grading of muscle injuries: a narrative review. Br J Sports Med. 2015 Mar;49(5):306. doi: 10.1136/bjsports-2014-093551.

 

Br J Sports Med. 2014 Sep;48(18):1347-51. doi: 10.1136/bjsports-2013-093302. 

 

Mueller-Wohlfahrt HW, Haensel L, Mithoefer K, Ekstrand J, English B, McNally S, Orchard J, van Dijk CN, Kerkhoffs GM, Schamasch P, Blottner D, Swaerd L, Goedhart E, Ueblacker P. Terminology and classification of muscle injuries in sport: the Munich consensus statement. Br J Sports Med. 2013 Apr;47(6):342-50. doi: 10.1136/bjsports-2012-091448.

 

Comin JMalliaras PBaquie PBarbour TConnell D. Return to competitive play after hamstring injuries involving disruption of the central tendon. Am J Sports Med. 2013 Jan;41(1):111-5. doi: 10.1177/0363546512463679. Epub 2012 Oct 30.

 

Rubin  DA. Imaging Diagnosis and Prognostication of Hamstring Injuries. AJR 2012; 199:525–533. doi:10.2214/AJR.12.8784.

 

Schneider-Kolsky MEHoving JLWarren PConnell DA. A comparison between clinical assessment and magnetic resonance imaging of acute hamstring injuries. Am J Sports Med. 2006 Jun;34(6):1008-15. doi: 10.1177/0363546505283835.

 

Koulouris GConnell D. Hamstring muscle complex: an imaging review. Radiographics 2005 May-Jun;25(3):571-86. doi: 10.1148/rg.253045711.

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