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DOMS

Patrícia Martins e Souza - Abril de 2022


Mulher, 37 anos, apresentando dor na região escapular direita alguns dias após treinamento intenso no crossfit. Solicitada ressonância magnética (RM) da cintura escapular e do braço direito:


Figura 1 (a-c): Imagens de RM no plano coronal da cintura escapular e braço direito na ponderação STIR de anterior (1a) para posterior (1c).



Figura 2 (a-d): Imagens de RM no plano transversal da cintura escapular na ponderação STIR de superior (2a) para inferior (2d).


Figura 3 (a-f): Imagens consecutivas de RM no plano transversal do braço direito nas ponderações STIR (à esquerda) e T1 (à direita) de superior (3a) para inferior (3f). Clique nas setas para passar as imagens.


Figura 4 (a-d): Imagens de RM no plano sagital da cintura escapular na ponderação T2.


Descrição dos achados


Figura 1 (a-c)’: Imagens de RM no plano coronal da cintura escapular e braço direito na ponderação STIR de anterior (1a’) para posterior (1c’) mostrando edema difuso nos músculos redondo maior (setas amarelas) e braquial (setas brancas). Há também infiltração líquida no tecido subcutâneo do braço (setas azuis) e junto à fáscia do braquial (setas verdes).


Figura 2 (a-d)’: Imagens de RM no plano transversal da cintura escapular na ponderação STIR de superior (2a) para inferior (2d) mostrando edema difuso nos músculos redondo maior (setas amarelas) com discreta infiltração líquida perifascial (setas azuis). Note que o edema respeita o limite das fibras musculares (seta laranja).


Figura 3 (a-f)’: Imagens consecutivas de RM no plano transversal do braço direito nas ponderações STIR (à esquerda) e T1 (à direita) de superior (3a’) para inferior (3f’) mostrando edema difuso no músculo braquial (setas brancas) e infiltração líquida no tecido subcutâneo (setas azuis) e perifascial (setas verdes). Clique nas setas para passar as imagens.


Figura 4 (a-d)’: Imagens de RM no plano sagital da cintura escapular na ponderação T2 mostrando edema difuso no músculo redondo maior (setas amarelas).



Discussão


DOMS é a sigla em inglês de Delayed-Onset Muscle Soreness para descrever a dor muscular de início tardio relacionada ao exercício. A etiologia da DOMS está relacionada ao aumento da pressão e do conteúdo de água no compartimento acometido, que afeta de forma desproporcional as fibras musculares tipo 2 (responsáveis pela contração rápida) que sofrem alteração microestrutural nas bandas z dos sarcômeros, o que pode ser identificado nos estudos de tensor de difusão.

Embora a fisiopatologia ainda não esteja completamente esclarecida, o mecanismo primário mais aceito é que o dano microestrutural às células musculares leva a degradação da proteína, apoptose (morte celular programada) e resposta inflamatória local. Trabalhos recentes têm proposto que há também acometimento das fibras de colágeno do tecido conectivo e que a contração excêntrica poderia levar a microrroturas e inflamação na fáscia profunda, propondo que o termo “delayed onset soft tissue stiffness (DOSS)” seria mais preciso.

Tipicamente, DOMS ocorre após a realização de exercícios com vigorosa contração excêntrica (quando há alongamento muscular durante a contração) de forma prolongada e intensa em músculos que não estão completamente acostumados ao tipo de movimento empregado. Para maiores detalhes sobre os tipos de contração muscular veja a página NOTAS & MEDIDAS / MÚSCULO).

Parece que no desenvolvimento de DOMS a intensidade tem papel mais importante em comparação com a duração do exercício.


A DOMS faz parte das lesões musculares traumáticas subagudas (quadro 1). Embora seja considerada uma lesão leve (quadro 2), é uma das principais causas de comprometimento do rendimento esportivo.

Quadro 1: Classificação das lesões musculares traumáticas.


Quadro 2: Classificação das lesões musculares agudas/subagudas.


Neste caso os músculos acometidos foram o redondo maior, mais sintomático, e o braquial.


Músculo redondo maior


O músculo redondo maior se origina no ângulo inferior e margem lateral da porção distal da escápula e se insere na porção medial do sulco intertubercular do úmero (figuras 5 e 6).


Figura 5: Ilustração da cintura escapular em visão posterior mostrando o músculo redondo maior (em azul) se originando posteriormente na porção inferior da escápula e se inserindo anteriormente no úmero.


Figura 6: Imagem de RM no plano transversal na ponderação STIR (mesma imagem da figura 4d) mostrando a inserção do redondo maior (seta amarela) insere na porção medial do sulco intertubercular do úmero.


O músculo redondo maior é inervado pelo subescapular inferior (C5-C7) e tem como funções principais a extensão e rotação interna do braço. Adicionalmente, também contribui para a estabilização do ombro, embora não faça parte do manguito rotador. Juntamente com os músculos peitoral maior e grande dorsal, o redondo maior através do movimento de adução puxa o tronco superiormente quando o úmero está fixo, por isso que esses 3 músculos são conhecidos como os “músculos da escalada”.


Músculo braquial


O músculo braquial é o flexor primário do antebraço, tem formato fusiforme e está localizado no compartimento anterior do braço, profundamente ao bíceps braquial, formando o assoalho da fossa cubital. Em alguns casos é dividido em 2 partes e suas fibras podem se fundir com as fibras musculares do bíceps braquial, coracobraquial e/ou pronador redondo. Origina-se da metade distal da superfície anterior do úmero e se insere no processo coronoide / tuberosidade da ulna (figura 7) e é inervado pelo musculocutâneo (C5,C6) e pelo radial (C7).

Figura 7: Ilustração do braço em visão anterior mostrando o músculo braquial (em azul) se originando da face anterior da metade distal do úmero. e se inserindo na tuberosidade da ulna.



Diagnóstico


Os pacientes com DOMS referem dor gradual, restrição dolorosa aos movimentos, rigidez e edema após várias horas ou dias da realização do exercício. Tipicamente, as manifestações mais precoces são secundárias ao dano ultraestrutural e se iniciam de 6 a 12 horas após o exercício, aumentando progressivamente até atingir o pico da dor após 48 a 72 horas, seguida de resolução espontânea em 5 a 7 dias, sendo que alguns casos podem persistir por até 2 semanas. Pode acometer um músculo isolado ou um pequeno grupo de músculos com função similar.


A DOMS está associada a aumento nos níveis séricos de creatinoquinase (CPK), considerada um marcador indireto de dano muscular, assim como aumento da interleucina 6 (IL-6) e da proteína C reativa (PCR), embora sejam inespecíficos.


Na ultrassonografia (USG) o músculo pode ter aspecto normal ou apresentar discretas áreas hiperecoicas de permeio. A análise comparativa com o membro contralateral pode ser útil na detecção de aumento da espessura muscular no lado afetado, mas dependendo do tipo de exercício, ambos os lados podem ser acometidos. Por estas razões, a USG tem papel muito limitado no diagnóstico de DOMS, sendo a RM o padrão ouro.


Na ressonância magnética (RM) encontramos aumento do volume e do sinal do músculo acometido nas sequências sensíveis a líquido refletindo o aumento do líquido intramuscular e intersticial, tendo forte correlação com o grau de dano ultraestrutural. As alterações na RM são mais evidentes de 3 a 5 dias após o exercício, mas alterações residuais podem persistir por até 80 dias.

No caso de a RM ser realizada logo após a realização de um exercício extenuante os resultados costumas ser negativos, uma vez que o edema surge durante a resposta inflamatória. Por outro lado, a realização da RM durante o pico do edema pode superestimar o tipo de lesão. Diversos autores recomendam a realização da RM de 24 a 72 horas após o exercício, uma vez que o pico do edema ocorre em torno de 3 dias após a atividade física. No caso de DOMS há preservação da arquitetura muscular, sem as alterações na junção miotendíneas típicas do estiramento ou roturas parciais ou completas.


O principal diagnóstico diferencial da DOMS é o estiramento muscular. Embora em alguns casos seja difícil a diferenciação entre DOMS e estiramento grau I, existem diferenças importantes entre as duas situações: a dor do estiramento ocorre logo após o evento e costuma ser exacerbada pela contração concêntrica. O edema muscular segue o padrão penado do músculo, enquanto na DOMS é mais difuso e sem sinais de lesão estrutural macroscópica.


Outra causa de dor relacionada ao exercício é a síndrome compartimental crônica, conhecida como CECS (do inglês Chronic Exertional Compartment Syndrome), uma condição comum e frequentemente subdiagnosticada que cursa com dor, caimbras e retesamento durante o exercício, tipicamente nas porções anterior e lateral das pernas (95% dos casos), embora outros locais possam ser afetados, como os pés, mãos, antebraços e musculatura paravertebral. Os sintomas usualmente se resolvem rapidamente após a cessação da atividade, embora raros casos possam progredir para síndrome compartimental aguda.


A lista com os diagnósticos diferenciais principais do edema muscular difuso identificado nas sequências sensíveis a líquido na RM está na página NOTAS & MEDIDAS / MÚSCULO.



Leitura sugerida


Nico MAC, Carneiro BC, Zorzenoni FO, Ormond Filho AG, Guimarães JB. The Role of Magnetic Resonance in the Diagnosis of Chronic Exertional Compartment Syndrome. Rev Bras Ortop (Sao Paulo). 2020 Dec;55(6):673-680. doi: 10.1055/s-0040-1702961.

Velasco TO, Leggit JC. Chronic Exertional Compartment Syndrome: A Clinical Update.Curr Sports Med Rep. 2020 Sep;19(9):347-352. doi: 10.1249/JSR.0000000000000747.


Heiss R, Lutter C, Freiwald J, Hoppe MW, Grim C, Poettgen K, Forst R, Bloch W, Hüttel M, Hotfiel T. Advances in Delayed-Onset Muscle Soreness (DOMS) - Part II: Treatment and Prevention. Sportverletz Sportschaden. 2019 Mar;33(1):21-29. doi: 10.1055/a-0810-3516.

Advances in Delayed-Onset Muscle Soreness (DOMS): Part I: Pathogenesis and Diagnostics. Hotfiel T, Freiwald J, Hoppe MW, Lutter C, Forst R, Grim C, Bloch W, Hüttel M, Heiss R. Sportverletz Sportschaden. 2018 Dec;32(4):243-250. doi: 10.1055/a-0753-1884.


Cepková J, Ungermann L, Ehler E. Acute Compartment Syndrome. Acta Medica (Hradec Kralove). 2020;63(3):124-127. doi: 10.14712/18059694.2020.26.


Guo J, Yin Y, Jin L, Zhang R, Hou Z, Zhang Y. Acute compartment syndrome: Cause, diagnosis, and new viewpoint. Medicine (Baltimore). 2019 Jul;98(27):e16260. doi: 10.1097/MD.0000000000016260.


Flores DV, Mejía Gómez C, Estrada-Castrillón M, Smitaman E, Pathria MN. MR Imaging of Muscle Trauma: Anatomy, Biomechanics, Pathophysiology, and Imaging Appearance. Radiographics. 2018 Jan-Feb;38(1):124-148. doi: 10.1148/rg.2018170072.


Guermazi A, Roemer FW, Robinson P, Tol JL, Regatte RR, Crema MD. Imaging of Muscle Injuries in Sports Medicine: Sports Imaging Series. Radiology. 2017 Mar;282(3):646-663. doi: 10.1148/radiol.2017160267.


Longo V, Jacobson JA, Fessell DP, Mautner K. Ultrasound Findings of Delayed-Onset Muscle Soreness. J Ultrasound Med. 2016 Nov;35(11):2517-2521. doi: 10.7863/ultra.15.12066.

Delcour L, Dallaudière B, Omoumi P, Kirchgesner T, Vande Berg B, Cyteval C, Larbi A. Delayed onset muscle soreness. JBR-BTR. 2014 Sep-Oct;97(5):313. doi: 10.5334/jbr-btr.1339.

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