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Alterações mecânicas na articulação sacroilíaca

Paciente do sexo feminino, 57 anos, com dor crônica nas articulações sacroilíacas e em controle evolutivo de sacroileíte. Solicitada ressonância magnética (RM) da bacia e das articulações sacroilíacas.

Figura 1 (a-c): RM da bacia no plano coronal nas ponderações T2 com supressão de gordura (SG) e T1 de anterior (1a) para posterior (1c).

Figura 2 (a-b): RM da bacia no plano transversal nas ponderações T2 com supressão de gordura (SG) e T1 de superior (2a) para inferior (2b).

Figura 3 (a-d): RM das articulações sacroilíacas no plano coronal oblíquo nas ponderações STIR, T1 e T1 com supressão de gordura (SG) de anterior (3a) para posterior (3d).


Figura 4 (a-b): Imagens tomográficas da bacia com reconstruções MPR nos planos coronal (4a) e transversal (4b). À direita imagem do sacro no plano sagital mostrando a angulação das imagens coronal (linha rosa) e transversal (linha amarela).


Figura 5 (a-b): Imagens tomográficas da bacia com reconstruções MPR nos planos coronal oblíquo de anterior para posterior (5a a 5d) e transversal oblíquo do terço superior (5e). À esquerda imagem do sacro no plano sagital mostrando a angulação das imagens coronal oblíquo (linha rosa) e transversal oblíquo (linha amarela).


Figura 6: Imagem tomográficas da bacia com reconstrução MPR mais espessa no plano coronal oblíquo e à esquerda imagem do sacro no plano sagital mostrando a angulação (linha azul).


Figura 7 (a-b): Imagens tomográficas das articulações sacroilíacas direita (7a) e esquerda (7b) com reconstrução MPR mais espessa no plano sagital.



Descrição dos achados

Figura 1 (a-c)’: RM da bacia no plano coronal nas ponderações T2 com supressão de gordura (SG) e T1 de anterior (1a’) para posterior (1c’) mostrando edema na margem sacral da articulação sacroilíaca direita (setas amarelas) com aparente esclerose (setas brancas) em correspondência a proeminência óssea (setas laranjas).

Figura 2 (a-b)’: RM da bacia no plano transversal nas ponderações T2 com supressão de gordura (SG) e T1 de superior (2a’) para inferior (2b’) mostrando edema na margem sacral da articulação sacroilíaca direita (setas amarelas) com sinal heterogêneo em T1 (seta verde) e aparente esclerose adjacente (seta branca). Há discreto edema nas partes moles adjacentes (setas azuis).

Figura 3 (a-d)’: RM das articulações sacroilíacas no plano coronal oblíquo nas ponderações STIR, T1 e T1 com supressão de gordura (SG) de anterior (3a’) para posterior (3d’) mostrando.



Figura 4 (a-b)’: Imagens tomográficas da bacia com reconstruções MPR nos planos coronal (4a) e transversal (4b). À esquerda imagem do sacro no plano sagital mostrando a angulação das imagens coronal (linha rosa) e transversal (linha amarela).


Figura 5(a-b)’: Imagens tomográficas das articulações sacroilíacas com reconstruções MPR nos planos coronal oblíquo de anterior para posterior (5a a 5d) e transversal oblíquo do terço superior (5e). À esquerda imagem do sacro no plano sagital mostrando a angulação das imagens coronal oblíquo (linha rosa) e transversal oblíquo (linha amarela).

Figura 6’: Imagem tomográfica das articulações sacroilíacas com reconstrução MPR mais espessa no plano coronal oblíquo e à esquerda imagem do sacro no plano sagital mostrando a angulação (linha azul). No plano oblíquo fica bem claro que a esclerose (seta branca) está localizada nos terços superior/médio da articulação, região da área de carga.


Figura 7 (a-b)’: Imagens tomográficas das articulações sacroilíacas direita (7a) e esquerda (7b) com reconstrução MPR mais espessa no plano sagital mostrando esclerose (seta branca) e proeminência óssea (seta laranja) na região da área de carga, onde alteração que não está presente na articulação sacroilíaca esquerda.


Discussão


Como durante muito tempo as articulações sacroilíacas foram consideradas articulações estáveis, sem mobilidade, historicamente pensava-se que as alterações degenerativas eram menos prováveis em comparação com as alterações de natureza inflamatória. Apesar das articulações sacroilíacas conseguirem suportar grande sobrecarga mecânica sem apresentar escorregamento expressivo, isso não quer dizer que não exista nenhuma mobilidade articular. Em pacientes com doença degenerativa lombar, autores observaram maior rotação das articulações sacroilíacas durante a flexão e extensão do tronco (3,4°) em comparação com indivíduos normais (1,4°).


Alterações mecânicas e degenerativas nas articulações sacroilíacas são de 20 a 100 vezes mais frequentes que a sacroileíte, mesmo nos pacientes que referem dor com características inflamatórias. Entretanto, essas alterações tendem a ser subestimadas nos exames de imagem, sendo importante reconhecer os padrões de apresentação das alterações nas articulações sacroilíacas para não confundir com espondiloartropatia axial, ocasionando um exagero no diagnóstico de sacroileíte reumática com os potenciais efeitos adversos dos tratamentos preconizados.


Na avaliação das articulações sacroilíacas é fundamental a compreensão de alguns conceitos relacionados à anatomia e biomecânica, locais de predileção e critérios diagnósticos das espondiloartropatias axiais e os principais diagnósticos diferenciais.



Anatomia


A articulação sacroilíaca é altamente especializada e sua principal função é transmitir a carga do esqueleto axial para os membros inferiores e vice-versa, fornecendo um suporte estável e flexível para a porção superior do corpo através de sua superfície articular irregular associada aos ligamentos que fornecem resistência às forças verticais de cisalhamento (figura 8).

Figura 8: Representação esquemática das inserções ligamentares nas articulações sacroilíacas. Modificado de mountainhp.ca.


A articulação sacroilíaca também pode ser considerada uma grande entese, devido ao seu grande componente fibrocartilaginoso (característico de uma sínfise) que é sítio de inserção dos ligamentos sacroilíacos e da cápsula articular, o que faz com que as articulações sacroilíacas sejam frequentemente envolvidas na espondiloartrite.


A articulação sacroilíaca apresenta porções bem distintas. A porção anterior é uma anfiartrose – articulação onde os ossos são unidos por cartilagem e que apresenta alguma mobilidade, cujas características são semelhantes às de uma sínfise. Os terços superior e médio da porção anterior formam a área de carga da articulação sacroilíaca e o terço anteroinferior é considerada uma articulação sinovial verdadeira. A porção posterior é uma sindesmose – articulação onde os ossos são unidos por uma faixa fibrosa / ligamentar. O terço posterossuperior é fibroso, representando apenas uma fenda entre o sacro e o ílio, sem cartilagem, com ligamentos intraósseos unindo os dois ossos. A região entre as porções sinovial e fibrosa é conhecida como zona transicional que pode apresentar variações anatômicas complexas, como defeitos de desenvolvimento da cartilagem articular (figura 9).



Figura 9: Representação esquemática da articulação sacroilíaca em perfil, subdividida nas porções anterior (cartilaginosa, com alguma mobilidade, formando a área de carga nos terços superiores e revestida de sinóvia inferiormente) e posterior (fibrosa / ligamentar).


Para mais detalhes sobre os diferentes tipos de articulação veja a página CLASSIFICAÇÕES / OUTROS – CLASSIFICAÇÃO DAS ARTICULAÇÕES.




A espessura da cartilagem das articulações sacroilíacas é menor na margem ilíaca (em torno de 1 mm de cartilagem fibrosa) em comparação com a margem sacral (de 3 a 5 mm de cartilagem fibrosa), o que contribui para uma tendência das alterações se iniciarem na margem ilíaca e só depois haver acometimento na margem sacral (figura 10). Embora existam diferenças de espessura entre as margens da articulação sacroilíaca e a espessura sacral normal variar entre os indivíduos, ela deve ser uniforme e a linha cortical ao longo da articulação deve estar intacta.


Figura 10: Representação esquemática das articulações sacroilíacas no plano transversal, com a articulação sinovial (S) localizada na porção mais anterior, onde é possível notar que a espessura da cartilagem da margem sacral é maior em comparação com a margem ilíaca. Posteriormente não há articulação sinovial, e sim uma sindesmose. Modificado de musculoskeletalkey.com.



Avaliação por imagem


Uma das grandes dificuldades na avaliação das articulações sacroilíacas é sua obliquidade, com a superfície articular apresentando inclinação ventral (anterior) que varia de pessoa para pessoa.


A incidência radiográfica mais útil na avaliação das articulações sacroilíacas é a incidência de Ferguson (figura 11), uma modificação da incidência anteroposterior da bacia que elimina parte das projeções teciduais e permite boa avaliação da porção mais anteroinferior da articulação. Entretanto, as alterações iniciais e mais discretas não são identificadas nas radiografias, com sua baixa sensibilidade e pouca concordância interobservador limitando sua avaliação.



Figura 11(a-b): Posicionamento da incidência de Ferguson (11a), que seria o mesmo da incidência anteroposterior da bacia, mas com inclinação do raio de 30 a 35°. Essa inclinação permite a obtenção de imagem com visão tangencial das articulações sacroilíacas e do sacro (11b).


A tomografia computadorizada (TC) é o padrão ouro na identificação de pequenas erosões e na detecção da esclerose, mas a radiação ionizante é uma questão relevante, o que faz com que a ressonância magnética (RM) seja o exame de escolha na avaliação e acompanhamento das alterações nas articulações sacroilíacas.


Nos exames seccionais (TC e RM) devem ser obtidas imagens no plano coronal oblíquo das articulações sacroilíacas (semicoronal) usando como referência a margem dorsal do corpo vertebral S2. Já em relação à marcação do plano transversal é comum encontrarmos duas opções: manter o raciocínio das imagens ortogonais à obliquidade das articulações sacroilíacas, fazendo um plano semiaxial perpendicular à marcação coronal oblíqua ou fazer um plano axial verdadeiro, como um axial da bacia, para ter um plano mais anatômico das outras estruturas adjacentes (figura 12).


Figura 12 (a-b): Imagem de RM do sacro no plano sagital na ponderação mostrando as angulações preconizadas para a avaliação das articulações sacroilíacas. Na marcação do plano coronal oblíquo (a) é usado como referência uma linha que passa pela margem dorsal da vértebra S2 (linha tracejada amarela). Na marcação do plano transversal (b) existem duas possibilidades: a marcação reta como um estudo da bacia (linha tracejada vermelha) ou a marcação oblíqua (semiaxial) usando como referência uma linha perpendicular ao plano coronal oblíquo (linha tracejada branca).


O protocolo básico da RM para a avaliação das articulações sacroilíacas consiste em sequências sensíveis a líquido (T2 / PD com supressão de gordura e/ou STIR) e na ponderação T1 nos planos coronal oblíquo e transversal (reto ou oblíquo) do sacro. Sequências STIR são menos susceptíveis a artefatos e falhas de supressão, mas a resolução espacial costuma ser pior que as sequências spin-echo e é importante identificarmos alterações sutis nas margens articulares. Outras sequências também podem ser úteis: T1 com supressão de gordura permite avaliar muito bem as cartilagens articulares, aumentando a conspicuidade na detecção de erosões, assim como sequências volumétricas gradiente-eco (figura 13).



Figura 13 (a-b): RM das articulações sacroilíacas de outro paciente nas ponderações STIR (a), onde o espaço articular pode parecer reduzido inferiormente, e em T1 com supressão de gordura (b), onde é possível ver bem melhor o espaço normal uniforme e regular.


As sequências VIBE® (volume-interpolated breath hold examination), uma sequência 3D-FLASH com supressão de gordura, e sequências SWI (susceptibility-weighted imaging) podem também ser um substituto da TC na detecção de pequenas erosões e esclerose.


O uso de contraste venoso ainda é controverso. Apesar de estudos recentes demonstrarem que o realce pelo contraste é equivalente ao edema ósseo identificado nas sequências sensíveis a líquido e que, portanto, sua utilização poderia ser dispensável na avaliação da sacroileíte, existem algumas questões que devem ser consideradas:


Grande parte desses estudos foi realizada em centros de referência com examinadores experientes, então é fundamental que cada instituição ao montar seu protocolo avalie se estamos diante das mesmas condições:


  • Em centros de referência que fazem pesquisa os protocolos costumam estar bem amarrados e não sofrem variações, o que permite que os radiologistas se tornem mais treinados e acostumados a um padrão de imagem de boa qualidade. Imagens que variam muito, têm baixa resolução e são mais susceptíveis a artefatos reduzem a capacidade diagnóstica do examinador.

  • O equivalente entre as sequências sensíveis a líquido e o contraste é o edema ósseo. Para a sinóvia e partes moles podemos encontrar áreas de realce indicando inflamação sem expressão nas sequências sensíveis a líquido. Portanto, para um examinador experiente, dispensar o contraste é tranquilo porque ele vai continuar vendo o edema ósseo e vai ser capaz de identificar e valorizar alterações sutis de sinal que poderiam indicar sinovite ou entesite. Inclusive, os autores dos trabalhos que concluem que o contraste é dispensável, fazem a ressalva de que a experiência do examinador faz muita diferença.

  • Em centros de referência e pesquisa é comum que os pacientes sejam referenciados por especialistas e muitos casos são exames de controle de pacientes já com diagnóstico de espondiloartropatia. A realidade de muitos serviços é diferente, com muitas solicitações de exames de sacroilíacas por dor lombar baixa, glútea profunda ou pélvica posterior, em que diversos diagnósticos diferenciais são possíveis – sinovite facetária na transição lombossacra, infecção, bursite, endometriose, etc. Não é todo serviço que tem um radiologista acompanhando os exames e com conhecimento suficiente para indicar contraste nos casos duvidosos ou que podem representar infecção.


Portanto, o protocolo e a decisão de fazer ou não contraste deve levar em conta a realidade de cada instituição.


Como avaliar as articulações sacroilíacas


Quando falamos em avaliação das articulações sacroilíacas todos lembram dos critérios ASAS (Assessment of Spondyloarthritis International Society), mas da mesma forma que devemos ter senso crítico em relação aos protocolos, devemos também ter o discernimento de que diversos critérios, classificações e até mesmo guidelines foram designados para trabalhos de pesquisa, estudos epidemiológicos, facilitar a comunicação entre os especialistas, triagem, entre outros objetivos, então nem sempre dá certo simplesmente replicar tabelas para a prática do dia a dia, mesmo que sejam oriundas de instituições respeitadas, sem saber qual o objetivo por trás de cada uma.

Em 2009 foram estabelecidos critérios diagnósticos para espondiloartrite axial na RM baseados fundamentalmente no edema ósseo subcondral e nas atualizações de 2016 e 2019 a definição de sacroileíte continuou baseada na avaliação subjetiva do edema ósseo subcondral (“edema altamente sugestivo de espondiloartrite”), o que acabou resultando em diversos falso positivos. Para evitar tantos falso positivos é importante reconhecer que os critérios ASAS não foram confeccionados para diagnóstico e saber o que realmente significa “edema altamente sugestivo de espondiloartrite”. Em 2021, o ASAS demonstrou preocupação em relação ao mau uso dos seus critérios na prática clínica levando a muitos diagnósticos falso positivos e passou a propor critérios mais específicos para a definição de sacroileíte, incluindo inflamação ativa e lesões estruturais, o que aumentou a especificidade dos critérios para 97,4% e o valor preditivo positivo (a probabilidade de um resultado de exame positivo em determinada população de pacientes representar um verdadeiro positivo) para mais de 95% (quadro 1).


Quadro 1: Novos critérios para avaliação da sacroileíte na RM proposto pelo ASAS em 2021, com inclusão de alterações inflamatórias agudas caracterizadas pelo edema ósseo e alterações estruturais.


Para mais detalhes sobre os testes diagnósticos veja o blog AVALIANDO OS TESTES DIAGNÓSTICOS.




Apesar das atualizações, os critérios ASAS continuam com o propósito original de pesquisa, não sendo adequados como critérios diagnósticos, uma vez que na prática clínica o diagnóstico de sacroileíte é um processo complexo baseado na observação de múltiplos fatores em combinação, como localização e extensão do edema ósseo e outras alterações, como anquilose, erosões, lesões gordurosas, “blackfil”, derrame articular, sinovite e/ou entesite, além de alterações concomitantes na coluna vertebral, dados clínicos e exames laboratoriais.


O método SPARCC (Spondyloarthropathy Research Consortium of Canada) é uma ferramenta útil na avaliação da sacroileíte por RM onde o edema ósseo a as alterações estruturais (erosões, anquilose, esclerose e metaplasia gordurosa) são avaliados em um sistema binário de pontos (ausente-0 ou presente-1), com pontuações adicionais para a maior intensidade (1 ponto) e profundidade (1 ponto quando > 1 cm) do edema (1 ponto extra por corte). Na figura 14 está esquematizada a divisão em quadrantes das articulações sacroilíacas segundo Netherlands and Landewé et al. e utilizada no método SPARCC.



Figura 14 (a-b): Representação esquemática da divisão em quadrantes das articulações sacroilíacas segundo Netherlands and Landewé et al. No plano coronal (a) cada articulação sacroilíaca é subdividida nas porções ilíaca superior (1), sacral superior (2), sacral inferior (3) e ilíaca inferior (4). No plano axial (b) cada articulação sacroilíaca é subdividida nos compartimentos cartilaginoso anterior (C) e ligamentar posterior (L). Adaptado de American Journal of Roentgenology 2019 212:5, 1112-1125.


Uma grande variedade de condições pode cursar com edema subcondral nas margens das articulações sacroilíacas, com a vasta maioria sendo de natureza mecânica e observada em jovens ativos, como recrutas militares, atletas e corredores, incluindo indivíduos assintomáticos. Alterações degenerativas com ou sem edema subcondral também podem ser encontradas em exames de rotina, estando presentes em até 37% de pessoas entre 30 e 39 anos. Embora o edema seja uma característica em comum entre as alterações mecânicas e a sacroileíte inflamatória, as erosões são muito raras na osteoartrite, principalmente nos pacientes mais jovens, e a presença de outros fatores como capsulite, sinovite e entesite aumentam a probabilidade de sacroileíte. Lembrando que em alguns casos pode haver edema nas partes moles adjacentes sem relação com entesite ou capsulite, como nesse caso em que o edema era secundário a atrito ocasionado pela proeminência óssea nas partes moles adjacentes à área de carga, fora do local da articulação sinovial. Da mesma a forma, edema e coleções nas partes moles periarticulares são comuns nos casos de artrite infecciosa.


Embora a anquilose seja relacionada a espondiloartrite, existe a anquilose espontânea das sacroilíacas, que acomete principalmente a porção anterior da articulação em homens idosos. Por outro lado, gás nas fendas articulares sacroilíacas por fenômeno do vácuo aumenta a probabilidade de alterações de natureza mecânica / degenerativa.

É sabido que a gravidez e o puerpério afetam a biomecânica da cintura pélvica, sendo comum encontrarmos alterações nas articulações sacroilíacas e na sínfise púbica, incluindo edema ósseo, com diversos autores não recomendando a avaliação das articulações sacroilíacas por RM por pelo menos 6 meses após o parto para evitar erros diagnósticos.


A localização das alterações é um dos critérios mais úteis na diferenciação entre as alterações mecânicas e a espondiloartrite. As articulações sacroilíacas podem ser subdivididas em 3 regiões no plano coronal oblíquo: os terços superiores da porção anterior formam a área de carga, onde as alterações mecânicas e degenerativas ocorrem, enquanto as variações anatômicas ocorrem quase que exclusivamente na porção posterior, podendo também encontrarmos alterações relacionadas a sobrecarga mecânica na porção posteroinferior. Já a sacroileíte apresenta acometimento mais difuso, ocorrendo principalmente no corpo das articulações sacroilíacas (região central) e no terço inferior (região da articulação sinovial), fora da área de carga (figura 15).



Figura 15: Representação esquemática da articulação sacroilíaca em perfil demonstrando as 3 áreas principais de acometimento: a porção anterior (em vermelho) onde ocorrem as alterações mecânicas / degenerativas nos terços superior e médio. A porção central ou corpo da articulação sacroilíaca (em azul) é o local de predileção da sacroileíte, assim como o terço anteroinferior, onde a articulação é sinovial, podendo o edema se estender para outras regiões. A porção posterior (em amarelo) é onde ocorrem as variantes anatômicas, podendo também ser encontradas alterações mecânicas na sua porção posteroinferior (em laranja).


Nas imagens da bacia, onde o coronal não está acompanhando a obliquidade das articulações sacroilíacas, é comum se confundir a porção anterior média das articulações com a porção anteroinferior. Por isso é fundamental a obtenção do plano coronal oblíquo, já que o local de acometimento é uma das principais pistas na diferenciação entre alterações de natureza mecânica/degenerativa e inflamatória (figura 16).


Figura 16 (a-b): Imagens tomográficas de outra paciente com esclerose subcondral de natureza mecânica nas margens ilíacas de ambas as articulações sacroilíacas (setas amarelas mostrando as mesmas áreas de esclerose). À esquerda imagens no plano sagital do sacro mostrando a angulação do plano coronal (linhas azuis). Na imagem no plano coronal sem angulação pelo eixo do sacro (a), parece que a esclerose está na porção anteroinferior das articulações sacroilíacas, o que seria a região de maior acometimento inflamatório. Na imagem no plano semicoronal (b), angulado pela margem posterior de S2 é possível identificar a correta localização das áreas de esclerose, na porção superior/média da articulação, local das alterações mecânicas.


Resumindo, podemos utilizar o seguinte guia para nos ajudar a diferenciar as alterações por sobrecarga mecânica / degeneração da sacroileíte nos casos de exames com indicação de dor crônica nas articulações sacroilíacas (figura 17).


Figura 17: Fluxo da avaliação das principais alterações que podem ser encontradas nos pacientes com dor crônica nas articulações sacroilíacas para diferenciação entre causa mecânica / degeneração e sacroileíte.


A localização do edema ósseo é fundamental, uma vez que as alterações mecânicas / degenerativas acometem basicamente a área de carga, enquanto a sacroileíte acomete o terço anteroinferior e o corpo das articulações sacroilíacas. Embora a esclerose possa estar presente em ambas as condições, esclerose na área de carga e sem outras alterações estruturais que estão relacionadas à sacroileíte, como entesite, sinovite e capsulite, está mais relacionada a alterações mecânicas / degenerativas. Da mesma forma, gás na fenda articular fala a favor de alteração degenerativa / mecânica. A anquilose tem que ser analisada dentro do contexto clínico, já que apesar da forte relação com a espondilite anquilosante, não é incomum a presença de anquilose idiopática sacroilíaca anterior em idosos, sobretudo do sexo masculino, e também pode ocorrer após artrite séptica. Além disso, também é frequente encontrarmos ossificação ligamentar formando pontes entre o sacro e o ilíaco anteriormente, que alguns descrevem como osteofitos anteriores, mas de fato representa calcificação capsuloligamentar e costuma ocorrer tanto nas alterações degenerativas / mecânicas quanto nas artropatias por depósitos de cristais.

A sacroileíte tende a ser bilateral e simétrica, a artrite infecciosa costuma ser unilateral e as alterações por sobrecarga costumam ser bilaterais, embora nas fases iniciais possam ser unilaterais, podendo ser simétricas ou assimétricas.



Leitura sugerida


Gahleitner A, Pamnani S, Huschbeck A, Petersein J, Dengler J, Lenga P. Spontaneous ankylosis of the sacroiliac joint: prevalence and risk factors. Eur J Orthop Surg Traumatol. 2023 Jul;33(5):1821-1825. doi: 10.1007/s00590-022-03359-z.


Carneiro BC, Rizzetto TA, Silva FD, da Cruz IAN, Guimarães JB, Ormond Filho AG, Nico MAC. Sacroiliac joint beyond sacroiliitis-further insights and old concepts on magnetic resonance imaging. Skeletal Radiol. 2022 Oct;51(10):1923-1935. doi: 10.1007/s00256-022-04067-9.


Vimarsha G. Swami, Jacob L. Jaremko, Dax G. Rumsey, Jennifer Stimec, Shirley M. L. Tse, Tarimobo M. Otobo, Thomasin Adams-Webber, and Andrea S. Doria. Diagnostic Accuracy of MRI-Based Sacroiliitis Scoring Systems: A Systematic Review. American Journal of Roentgenology 2019 212:5, 1112-1125.


Nagamoto Y, Iwasaki M, Sakaura H, Sugiura T, Fujimori T, Matsuo Y, et al. Sacroiliac joint motion in patients with degenerative lumbar spine disorders. J Neurosurg Spine. 2015;23(2):209–16.


Vleeming A, Schuenke MD, Masi AT, Carreiro JE, Danneels L, Willard FH. The sacroiliac joint: an overview of its anatomy, function and potential clinical implications. J Anat. 2012 Dec;221(6):537-67. doi: 10.1111/j.1469-7580.2012.01564.x.

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