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Escápula alada

História clínica

 

Mulher, 19 anos, líder de torcida até os 18 anos, notou elevação progressiva da escápula direita há 1 ano. Solicitados RX do ombro direito e ressonância magnética (RM) da escápula direita. A paciente realizou eletroneuromiografia previamente que identificou neuropatia do torácico longo.


Figura 1 (a-b): Radiografias do ombro nas incidências anteroposterior (1a) e perfil da escápula (1b).


Figura 2 (a-b): Imagens de RM no plano transversal nas ponderações STIR (2a) e T2 (2b) de ambas as escápulas para análise comparativa.


Figura 3 (a-b): Imagens de RM no plano sagital nas ponderações STIR (3a) e T1 (3b) no nível do Y da escápula direita.


Descrição dos achados


Figura 1 (a-b)’: Radiografias do ombro nas incidências anteroposterior (1a) e perfil da escápula (1b) sem alterações apreciáveis na escápula (setas brancas) em repouso.


Figura 2 (a-b)’: Imagens de RM no plano transversal nas ponderações STIR (2a’) e T2 (2b’) de ambas as escápulas para análise comparativa demonstrando atrofia da porção superior do músculo serrátil anterior direito (seta vermelha), que apresenta volume bem menor em comparação com o contralateral (seta branca). As porções mais inferiores do serrátil anterior (seta amarela) permanecem simétricas, com volume e sinal conservados.


Figura 2c: Imagem de RM no plano transversal na ponderação T2 mostrando em maior detalhe a assimetria com atrofia da porção superior do músculo serrátil anterior direito (seta vermelha), que apresenta volume bem menor em comparação com o contralateral normal (seta branca).


Figura 3 (a-b)’: Imagens de RM no plano sagital nas ponderações STIR (3a’) e T1 (3b’) no nível do Y da escápula direita (linhas tracejadas brancas na figura 3a’ e setas brancas na figura 3b’) demonstrando que os músculos periescapulares neste nível têm volume e sinal preservados.



Discussão


A escápula alada (scapula alata / winging scapula) é uma disfunção rara dos músculos estabilizadores da escápula, que passa a apresentar movimentação anormal levando a proeminência da borda medial semelhante a uma asa. A escápula alada congênita é conhecida como deformidade de Sprengel.

A escápula alada adquirida pode ser de etiologia musculoesquelética ou neurogênica, cada uma com diferentes músculos envolvidos:


As causas da escápula alada podem ser:

• Trauma agudo com tração súbita do braço, como em acidentes automobilísticos.

• Microtraumas de repetição (mais comum a lesão do nervo torácico longo)

• Complicações pós-cirúrgicas e após drenagem torácica

• Infecção

• Síndrome de Parsonage-Turner

 

A escápula alada pode ser indolor ou causar dor considerável e afetar a mobilidade do ombro (paciente apresenta dificuldade para empurrar, puxar e elevar objetos pesados ou mesmo executar tarefas cotidianas como escovar os dentes, pentear o cabelo e carregar sacolas de compras), além da questão cosmética quando a escápula é muito protuberante. A maioria dos casos de escápula alada dolorosa é secundária a trauma com lesão neurológica.



Anatomia da escápula

A anatomia óssea da escápula é bem conhecida, assim como seus reparos anatômicos principais e sua relação com o úmero e a clavícula (figura 4), que formam as articulações glenoumeral e acromioclavicular, respectivamente.


Figura 4: Reconstruções tomográficas tridimensionais mostrando a anatomia óssea da escápula em visão anterior e posterior e sua relação com a cabeça umeral e a clavícula. Note os reparos anatômicos principais, como o acrômio, que forma a articulação acromioclavicular, e a glenoide, que forma a articulação glenoumeral.


Mas, além das articulações acromioclavicular e glenoumeral, a escápula também mantém relação com o gradil costal, formando uma terceira articulação não verdadeira, a articulação escapulotorácica (figura 5). Embora não seja uma articulação anatômica, a articulação escapulotorácica é considerada uma articulação fisiológica porque permite uma série de movimentos complexos da escápula em relação à parede torácica:

• Elevação

• Depressão

• Protração (movimento anterior e lateral)

• Retração

• Rotação lateral

• Rotação medial


Figura 5: Imagem tridimensional da escápula (destacada em verde) em visão anterior mostrando as articulações verdadeiras acromioclavicular (seta vermelha) e glenoumeral (seta laranja) e sua relação com o gradil costal posteriormente que forma a articulação não verdadeira escapulotorácica (círculo azul).


A escápula mantém relação com 17 músculos, os músculos periescapulares (veja na página anatomia o arquivo PDF com a anatomia seccional no plano transversal dos músculos periescapulares):




Os músculos relacionados à escápula alada neurogênica são:


Serrátil anterior:

Origem: 1º ao 8º arco costal

Inserção: margem anteromedial da escápula

Inervação: torácico longo, ramo anterior de C5, C6 e C7

Função de acordo com as porções:

Superior – estabilizador da escápula superior, rotação inferior da glenoide

Média – protração da escápula (movimento anterior e lateral)

Inferior – rotação superior e abdução

 

Trapézio:

Origem: terço superior da linha nucal, protruberância occipital externa e processo espinhoso de C7 a T12

Inserção: terço lateral da clavícula, acrômio e espinha da escápula

Inervação: espinhal acessório

Função de acordo com as porções:

Superior – rotação superior e elevação

Média – retração da escápula e adução

Inferior – rotação inferior e depressão

Romboides menor e maior:

Origem: processos espinhosos de C7 e T1 (romboide menor) e de T2 a T5 (romboide maior)

Inserção: margem medial da escápula (romboide menor se insere próximo à base da espinha da escápula e o romboide maior se insere logo abaixo da inserção do romboide menor)

Inervação: escapular dorsal

Função: retração da escápula

  

A escápula alada adquirida de causa neurogênica pode ser medial ou lateral, definida pela direção da sua margem superomedial. O tipo mais comum é o medial, acometendo principalmente jovens atletas. O tipo lateral é mais raro e costuma ser iatrogênico, geralmente decorrente de cirurgias no pescoço.



Esse caso ilustra o tipo medial de escápula alada, decorrente de déficit da função do músculo serrátil anterior secundária a lesão do nervo torácico longo confirmado por eletroneuromiografia.

O nervo torácico longo (também conhecido como nervo de Bell) se origina dos ramos anteriores de C5, C6 e C7 em trajeto paralelo e posterior ao plexo braquial (figura 6), cursando ao longo da face externa do músculo serrátil anterior por cerca de 22 a 24 cm, sendo responsável pela sua inervação motora através de ramos terminais que penetram em cada digitação muscular (figura 7). Os ramos de C5 e C6 passam através do músculo escaleno e se juntam ao ramo de C7 na região axilar distal aos músculos escalenos. Até 8% das pessoas podem ter contribuição de C8 para a formação do nervo torácico longo.


Figura 6: Representação esquemática da relação do nervo torácico longo com as estruturas do plexo braquial.


Figura 7: Representação esquemática da relação do nervo torácico longo com o músculo serrátil anterior. Modificado de: https://www.orthobullets.com/anatomy.


A causa mais comum de disfunção do serrátil anterior é o estresse repetitivo do nervo torácico longo em atletas (> 50% dos casos), levando a perda gradual progressiva de força e ao aspecto de escápula alada. As atividades de risco incluem arremesso repetitivo, abdução prolongada, levantamento de peso e vôlei.

Outras causas seriam:

• Avulsão traumática do serrátil anterior

• Fraturas deslocadas do polo inferior da escápula

• Lesão neural compressiva

• Bursites

• Trauma contuso ou penetrante no tórax

• Iatrogênica (mastectomia com esvaziamento axilar, cirurgia ou drenagem torácica)

• Neurite braquial (22% dos casos de síndrome de Parsonage-Turner)



Pontos principais neste caso:

- A avaliação da escápula alada e demais tipos de disfunção escapular deve ser feita com protocolo específico da escápula incluindo todos os músculos periescapulares.


- É fundamental realizar estudo comparativo para detecção de assimetria muscular, que pode ser sutil e de difícil percepção sem o lado contralateral normal.




LEITURA SUGERIDA


Osias W, Matcuk GR Jr, Skalski MR, Patel DB, Schein AJ, Hatch GFR, White EA. Scapulothoracic pathology: review of anatomy, pathophysiology, imaging findings, and an approach to management. Skeletal Radiol 2018; 47(2):161-171. doi: 10.1007/s00256-017-2791-6.

 

Deshmukh S, Fayad LM, Ahlawat S. MR neurography (MRN) of the long thoracic nerve: retrospective review of clinical findings and imaging results at our institution over 4 years. Skeletal Radiol 2017; 46(11):1531-1540. doi: 10.1007/s00256-017-2737-z.

 

Nguyen C, Guerini H, Zauderer J, Roren A, Seror P, Lefèvre-Colau MM. Magnetic resonance imaging of dynamic scapular winging secondary to a lesion of the long thoracic nerve. Joint Bone Spine. 2016; 83(6):747-749. doi: 10.1016/j.jbspin.2015.11.013.

Speigner B, Verborgt O, Declercq G, Jansen EJ. Medial scapular winging following trauma--a case report. Acta Orthop. 2016; 87(2):203-4. doi: 10.3109/17453674.2015.1117370.Martin RM, Fish DE. Scapular winging: anatomical review, diagnosis, and treatments. Curr Rev Musculoskelet Med (2008) 1:1–11. DOI 10.1007/s12178-007-9000-5.

 

Morita W, Nozaki T, Tasaki A. MRI for the diagnosis of scapular dyskinesis: a report of two cases. Skeletal Radiol 2017;46(2): 249-252. doi: 10.1007/s00256-016-2528-y. 

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