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Inclinação patelar por distúrbio do mecanismo extensor

História clínica

 

Homem, 33 anos, com sequela de fratura no fêmur, evoluindo atualmente com dor anterior e sensação de instabilidade da patela, porém nega episódio de deslocamento. Paciente realizou estudo de ressonância magnética (RM).


Figura 1 (a-b): Imagens consecutivas de RM no plano coronal na ponderação T1


Figura 2 (a-c): Imagens consecutivas de RM no plano axial na ponderação T1.


Figura 3 (a-c): Imagens de RM no plano sagital na ponderação T2.



Descrição dos achados


Figura 1’ (a-c): Imagens de RM no plano coronal na ponderação T1 mostrando em 1a’ e 1b’ a patela em situação mais lateral que o habitual (seta branca) e atrofia com acentuada lipossubstituição do ventre muscular do vasto medial/medial oblíquo (setas amarelas). Em 1c, além da atrofia do vasto medial (seta amarela), há também atrofia com acentuada lipossubstituição do vasto lateral (seta azul) e é possível notar a alteração do trabeculado ósseo do fêmur distal secundário à sequela de fratura.


Figura 2’ (a-e): Imagens de RM no plano axial na ponderação T1. No plano da diáfise femoral (2a’) nota-se acentuada atrofia com lipossubstituição dos ventres musculares do vasto medial (seta amarela) e vasto lateral (seta azul). No plano da patela (asterisco), observa-se afilamento irregular do retináculo medial (setas laranjas em 2b’ e 2c’) e a tróclea displásica, com aspecto raso na porção superior (seta vermelha). A imagem em 2d’ e 2e’ é a mesma da figura 2c’ mostrando o excesso de inclinação (2d’) e o deslocamento lateral da patela (2e’).


Figura 3’ (a-c): Imagens de RM no plano sagital na ponderação T2 mostrando atrofia com acentuada lipossubstituição do ventre muscular do vasto medial/medial oblíquo (setas amarelas em 3a’). Em 3b’ nota-se pequena proeminência ventral (seta vermelha) e em 3c’ a patela (asterisco) com altura normal.



Discussão


Os distúrbios da articulação patelofemoral são complexos e multifatoriais, agrupados na síndrome dolorosa anterior do joelho, que engloba desde os pacientes que referem apenas dor anterior aos pacientes com franca instabilidade. A patela apresenta seis tipos distintos de movimento (figuras 4 e 5): três tipos de rotação (mediolateral no eixo coronal, mediolateral no eixo axial e flexão anteroposterior no eixo sagital) e três tipos de translação (lateral, posterior e proximal). A rotação no sentido mediolateral no plano axial (figura 4b) é conhecida como “tilt” ou báscula, caracterizando a inclinação patelar.

A patela em extensão e nos graus iniciais de flexão encontra-se em posição superolateral à tróclea femoral. Com aumento dos graus de flexão, a patela move-se inferomedialmente, encaixando as suas facetas articulares convexas na tróclea femoral, que normalmente apresenta superfície côncava. Em quase todos os indivíduos assintomáticos a patela encontra-se encaixada à tróclea em 20 a 30° de flexão (figuras 6 e 7). A partir dos graus maiores de flexão (>30°), a patela passa a mover-se no sentido anteroposterior, aproximando-se mais da tróclea, o que não deve ser confundido com redução anormal do espaço articular. Este movimento da patela em relação com a tróclea nos diversos graus de flexão é conhecido como “tracking” patelar.


Figura 4 (a-c): Representação esquemática dos três tipos de rotação da patela: rotação no sentido mediolateral no eixo coronal (4a), no sentido mediolateral no eixo axial, conhecido como “tilt” ou báscula (4b) e flexão anteroposterior no eixo sagital (4c).


Figura 5 (a-c): Representação esquemática dos três tipos translação da patela: translação proximal no sentido craniocaudal no eixo coronal (5a), lateral no sentido mediolateral (5b) e posterior no sentido anteroposterior no eixo sagital (5c).


A patela em extensão e nos graus iniciais de flexão encontra-se em posição superolateral à tróclea femoral. Com aumento dos graus de flexão, a patela move-se inferomedialmente, encaixando as suas facetas articulares convexas na tróclea femoral, que normalmente apresenta superfície côncava. Em quase todos os indivíduos assintomáticos a patela encontra-se encaixada à tróclea em 20 a 30° de flexão (figuras 6 e 7).

 

A partir dos graus maiores de flexão (>30°), a patela passa a mover-se no sentido anteroposterior, aproximando-se mais da tróclea, o que não deve ser confundido com redução anormal do espaço articular. Este movimento da patela em relação com a tróclea nos diversos graus de flexão é conhecido como “tracking” patelar.


Figura 6 (a-c): Representação esquemática no plano coronal da movimentação fisiológica da patela. Em extensão (6a) a patela encontra-se em posição superolateral e não encaixada à tróclea femoral. três tipos translação da patela: translação proximal no sentido craniocaudal no eixo coronal (6a), lateral no sentido mediolateral (6b) e posterior no sentido anteroposterior no eixo sagital (6c). Com aumento dos graus de flexão, a patela move-se inferior e medialmente (6b) e em quase todos os indivíduos a patela encontra-se encaixada à tróclea em 20 a 30° de flexão.


Figura 7 (a-c): Reconstruções tomográficas tridimensionais do joelho no plano axial mostrando a movimentação fisiológica da patela. Em extensão (7a) a patela encontra-se em posição superolateral, não encaixada à tróclea femoral, deslocada e inclinada lateralmente. Em 15° de flexão (7b) a patela já apresenta menor inclinação lateral e está menos lateralizada, porém ainda não se articula totalmente à tróclea. Em 30° de flexão (7c) a patela já está encaixada completamente à tróclea.

Vários fatores contribuem para a movimentação adequada da patela, sendo os principais:

– Displasia da tróclea: quando a tróclea deixa de exibir seu formato côncavo, como nos casos de displasia, há maior predisposição para o deslocamento lateral da patela.




– Patela alta: quando a patela é anormalmente elevada em relação à tróclea (patela alta) há redução da superfície de contato patelofemoral uma vez que o encaixe com a tróclea ocorre apenas em maiores graus de flexão e a patela permanece mais tempo articulada com a porção superior, a menos profunda da tróclea, ficando mais susceptível a instabilidade e lesões condrais.




– Aumento da distância entre o fundo da tróclea e a tuberosidade tibial (distância TA-GT): quando existe lateralização excessiva da tuberosidade tibial a patela é puxada lateralmente durante a flexão, sendo considerado fator de risco para instabilidade.



– Distúrbio do mecanismo extensor e insuficiência dos estabilizadores ativos e passivos da patela: o mecanismo extensor é formado pelos componentes do quadríceps (tendão do quadríceps e músculos reto femoral e vastos lateral, medial e intermédio), patela, ligamento patelar e retináculos patelares. Neste caso, o paciente apresentava acentuada atrofia com lipossubstituição dos músculos componentes do quadríceps, contribuindo significativamente para o mal alinhamento patelar. O estabilizador ativo mais importante da patela é o músculo vasto medial oblíquo (VMO), poderoso extensor do joelho, e o estabilizador passivo mais importante é o ligamento patelofemoral medial (LPFM). 


Avaliação da congruência e da inclinação lateral (“tilt”) da patela – existem


diversos métodos descritos para a avaliação do posicionamento da patela em relação à tróclea. Importante ressaltar que há considerável sobreposição de valores entre indivíduos assintomáticos e pacientes com síndrome da dor anterior do joelho. A grande maioria dos valores normais do posicionamento patelar foi descrito com o joelho em flexão, uma vez que há deslocamento e inclinação lateral fisiológicos da patela em extensão. O derrame articular também prejudica a avaliação da congruência patelar. Por estes motivos deve-se ter cautela ao avaliar o posicionamento da patela na RM em extensão e após episódio agudo de luxação, quando é frequente a presença de derrame articular.

– Inclinação (“tilt”) patelar: é o melhor indicador de desequilíbrio das forças musculares na manutenção do posicionamento adequado da patela em relação à tróclea. Pode ser causa de dor anterior no joelho mesmo sem sinais clínicos de instabilidade ou história de deslocamento.

 

Ângulo de congruência – inicialmente é traçada a bissetriz do ângulo do sulco troclear (formado pela interseção da cortical das paredes medial e lateral da tróclea). O ângulo de congruência é aquele formado pela bissetriz e uma linha que passa pelo ponto de interseção cortical das paredes medial e lateral no fundo da tróclea e o vértice da patela (figura 8). Por convenção, o ângulo de congruência é considerado negativo quando medial e positivo quando lateral. Média normal: – 6º +/- 11º (95% pessoas). Não pode estar mais de 16º lateral à bissetriz com o joelho em flexão.


Figura 8 (a-c): Representação esquemática no plano axial mostrando mensuração do ângulo de congruência. É traçado o ângulo do sulco (8a), formado pela interseção da cortical das paredes medial (linha M) e lateral (linha L) no fundo da tróclea (ponto vermelho T) e depois a sua bissetriz (linha tracejada vermelha B). A bissetriz seria a linha zero de referência. Depois é traçada a linha TV (8b) que passa pelo ponto T no fundo da tróclea e o vértice da patela (ponto azul V). O ângulo de congruência (8c) é o ângulo formado pelas linhas da bissetriz do ângulo do sulco (linha tracejada vermelha B) e a linha que passa pelo fundo da tróclea e vértice da patela (linha azul TV).


Outra maneira mais simples de avaliar a incongruência articular patelofemoral é através da medida do deslocamento lateral da patela. Pode ser feita através da distância entre a margem mais medial da patela e uma linha perpendicular à linha bicondiliana posterior que passa pela margem mais anterior do côndilo femoral medial (figura 9).

Esta é a forma mais utilizada e a patela é considerada deslocada lateralmente quando a distância entre a sua margem medial e o côndilo femoral medial é > 2 a 5 mm com o joelho em flexão. A medida também pode ser feita usando a distância entre duas linhas paralelas que passam, respectivamente, na margem lateral da patela e ao longo da margem externa do côndilo femoral lateral (figura 10).


Figura 9: Representação esquemática no plano axial do deslocamento lateral da patela (distância D), medida entre uma linha que passa pela margem mais medial da patela (linha vermelha P), paralela a uma linha (linha M) que passa pela margem mais anterior da faceta medial da tróclea (ponto vermelho) e que é perpendicular à linha bicondiliana posterior (linha tracejada B).

 

Figura 10: Representação esquemática no plano axial do deslocamento lateral da patela (distância D), medida entre duas linhas paralelas: uma que passa ao longo da margem externa do côndilo femoral lateral (linha C) e a outra que tangencia a cortical da margem mais lateral da patela (linha L).


Além de deslocada, a patela pode estar inclinada ou ambas (figura 11).


Figura 11: Representação esquemática no plano axial da patela normoposicionada para comparação (11a), deslocada lateralmente (11b), inclinada lateralmente (11c) e deslocada e inclinada lateralmente (11d).


A inclinação patelar pode ser avaliada através do ângulo da báscula (“tilt”), formado pelo ângulo entre a linha bicondiliana posterior e uma reta que passa pelo equador da patela, definido pelas suas margens medial e lateral (figura 12). Valor normal: < 20º.


Figura 12: Representação esquemática no plano axial do ângulo da báscula (“tilt”) da patela, formado pelo ângulo entre a linha bicondiliana posterior (linha tracejada B) e uma reta que passa pelo equador da patela (linha E), definido pela reta que passa pelas suas margens medial e lateral.










Outra referência para avaliação da inclinação patelar é a faceta lateral da patela (figura 13). Inicialmente, foi descrito nas imagens radiográficas o ângulo patelofemoral lateral, definido como o ângulo entre a linha que tangencia a margem anterior dos côndilos femorais e uma reta que passa pela faceta lateral da patela (figura 13a). Alguns autores preferem usar como referência nos métodos seccionais a linha bicondiliana posterior (figura 13b) pela mesma ser mais reprodutível que a margem anterior dos côndilos principalmente nos casos de displasia patelar. O ângulo obtido entre a linha bicondiliana posterior e uma reta que passa pela faceta lateral da patela é o ângulo de inclinação lateral. Normalmente este ângulo tem abertura lateral de cerca de 12 a 14° em flexão superior a 15-20° e é maior que 7° em extensão na maioria dos indivíduos assintomáticos.


Figura 13 (a-b): Representação esquemática no plano axial do ângulo patelofemoral lateral (13a) que usa como referência a linha que tangencia a margem anterior dos côndilos femorais e uma reta que passa pela faceta lateral da patela e o ângulo de inclinação lateral da patela (13b) entre a linha bicondiliana posterior (linha tracejada B) e uma reta que passa pela faceta lateral da patela.


Um indicador simples descrito por Laurin considera que 97% dos indivíduos assintomáticos apresenta o ângulo patelofemoral lateral aberto lateralmente, enquanto que 60% dos pacientes com subluxação lateral apresenta a faceta lateral paralela à linha que tangencia os côndilos femorais e em 40% o ângulo patelofemoral tem abertura medial, o que pode ser um bom método de triagem. Alguns trabalhos também demostraram que até 5% dos indivíduos assintomáticos pode apresentar a faceta lateral da patela paralela à linha bicondiliana posterior (ângulo de inclinação lateral de até 0°), principalmente nos graus iniciais de flexão e em extensão.  Entretanto, nunca o ângulo de inclinação da patela pode ter abertura medial, o que significa inclinação lateral muito significativa (figura 14).


Figura 14 (a-c): Representação esquemática no plano axial dos diferentes graus de inclinação lateral da patela. A patela pode ser considerada com inclinação lateral excessiva em flexão quando o ângulo de inclinação for inferior a 12-14° e em extensão quando menor que 7°, mesmo que aberto lateralmente (14a). Com maior inclinação, a faceta lateral fica paralela à linha bicondiliana posterior (14b), o que é considerado anormal na grande maioria dos indivíduos, embora tenha sido descrita inclinação lateral excessiva em alguns indivíduos assintomáticos. Nos casos mais acentuados o ângulo de inclinação passa a ter abertura medial, sendo sempre anormal (14c).



A inclinação lateral excessiva da patela está entre um dos principais fatores que contribuem para a síndrome da dor anterior do joelho, sendo um indicador de desequilíbrio das forças musculares que participam da manutenção do posicionamento adequado da patela. Mesmo em extensão é possível identificar pacientes com inclinação lateral excessiva caracterizada pela faceta lateral da patela se apresentar paralela à linha bicondiliana ou o ângulo de inclinação ter abertura medial, principalmente quando associado a deslocamento lateral significativo. Nestes casos é importante estudo do joelho em flexão e avaliação dos planos musculares, retináculo medial e outros fatores associados a instabilidade potencial, como alterações na forma da tróclea e aumento da distância entre o fundo da tróclea e a tuberosidade tibial.



Leitura sugerida


Drew BT, Redmond AC, Smith TO, Penny F, Conaghan PG. Which patelofemoral joint imaging features are associated with patelofemoral pain? Systematic review and meta-analysis. Osteoarthritis Cartilage. 2016 Feb; 24(2):224-36. doi: 10.1016/j.joca.2015.09.004.

Diederichs G, Issever AS, Scheffler S. MR imaging of patellar instability: injury patterns and assessment of risk factors. Radiographics. 2010;30(4):961-981.

MacIntyre NJ, Hill NA, Fellows RA, Ellis RE, Wilson DR. Patellofemoral Joint Kinematics in Individuals with and without Patellofemoral Pain Syndrome. J Bone Joint Surg Am. 2006 Dec;88(12):2596-2605.

Abreu A. A patela – diagnóstico por imagem. Ed. Revinter 2005.

McNally EG. Imaging assessment of anterior knee pain and patellar maltracking. Skeletal Radiol 2001 (30):484–495.

Fulkerson, J P, Schutzer, S F, Ramsby, G R, et al. Computerized tomography of the patellofemoral joint before and after lateral release or realignment. Arthroscopy 1987; 3(1), 19-24.


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