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Menisco discoide Wrisberg

História clínica

 

Criança do sexo masculino, 11 anos, com dor na face lateral do joelho e sensação de bloqueio. Solicitada RM do joelho.


Figura 1 (a-f): Imagens de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura (a-c) e T1 (d-f).


Figura 2 (a-d): Imagens de RM do compartimento lateral no plano sagital nas ponderações DP com supressão de gordura (a-b) e T2 (c-d).


3 (a-b): Imagens de RM no plano transversal na ponderação T2 com supressão de gordura.



Descrição dos achados


Figura 1 (a-f)’: Imagens de RM no plano coronal nas ponderações DP com supressão de gordura (a-c)’ e T1 (d-f)’ mostrando o menisco medial normal (setas brancas) e o menisco lateral com formato discoide completo e sinal heterogêneo no corpo e corno posterior  (setas vermelhas) ocupando toda a extensão do platô tibial (setas duplas amarelas).


Figura 2 (a-d)’: Imagens de RM do compartimento lateral no plano sagital nas ponderações DP com supressão de gordura (a-b)’ e T2 (c-d)’ mostrando o menisco lateral com formato discoide (setas vermelhas) e sinal heterogêneo também no corno anterior (setas verdes). Note que o menisco está anteriorizado e existe um espaço preenchido por líquido entre o corno posterior do menisco lateral (setas amarelas) e o tendão poplíteo (setas brancas), não sendo identificados os fascículos popliteomeniscais, caracterizando a variante Wrisberg do menisco discoide.


Figura 3 (a-b)': Imagens de RM no plano transversal na ponderação T2 com supressão de gordura mostrando bem a rais anterior do menisco lateral (setas vermelhas) e líquido entre o corno posterior do menisco lateral (setas amarelas) e o tendão poplíteo (seta branca).


Discussão


Os meniscos são estruturas fibrocartilaginosas cuja função é reduzir o impacto sobre a articulação do joelho e proteger a cartilagem fornecendo suporte estrutural, estabilidade articular e absorvendo a carga de choque. São compostos de fibras longitudinais de colágeno tipo I dispostas circunferencialmente na periferia que resistem às forças de carga axiais e fibras radiais (transversas) organizadas perpendicularmente servindo de suporte às fibras longitudinais e que resistem às forças de estresse longitudinal.

 

Normalmente os meniscos tem um formato em cunha, com a porção central mais afilada, formando a borda livre interna. O menisco medial tem um formato em “C” mais aberto, com o corpo posterior maior que o corno anterior, enquanto que o menisco lateral tem curvatura mais fechada com a largura mais constante (figura 4).


Figura 4: Imagem de RM no plano transversal na ponderação T2 com supressão de gordura mostrando o menisco medial (MM) com o formato em “C” mais aberto e o menisco lateral (ML) menor e com curvatura mais fechada.


Menisco discoide é um termo usado para descrever um espectro de alteração na forma e estabilidade dos meniscos de causa ainda não definida, notando-se maior incidência na população asiática (13%) em comparação com a ocidental (3-5%). É um tipo de displasia em que não houve a reabsorção da porção central do menisco, que deixa de ter o formato semilunar habitual (figura 5). O formato discoide é mais frequente no menisco lateral, sendo raro no menisco medial. As fibras de colágeno do menisco discoide são mais heterogêneas, desorganizadas e em menos quantidade quando comparado ao menisco normal, o que predispõe a lesões meniscais e condrais.


Figura 5 (a-b): Representação esquemática no plano transversal dos meniscos normais (5a), que tem formato semilunar, o menisco medial com formato em “C” mais aberto e o menisco lateral com curvatura mais fechada.  O menisco discoide (5b), geralmente o lateral, tem formato de disco pela falência da reabsorção da porção central.  MM – menisco medial, ML – menisco lateral.


O menisco normal se apresenta na ressonância magnética (RM) com baixo sinal em todas as sequências, com a superfície proximal (superior ou femoral) côncava e a superfície distal (inferior ou tibial) plana. Embora não existam dimensões precisas para o menisco normal, em média o diâmetro transverso do menisco medial  é em torno de 7,6 +/- 1,7 mm no corno anterior, 9,3 +/- 2,6 mm no corpo e 12,6 +/- 3,3 mm no corno posterior. O menisco lateral tem dimensões mais uniformes, com diâmetro transverso no plano coronal de aproximadamente 11-12 mm. Os meniscos cobrem até dois terços da face articular dos platôs tibiais e tem forma triangular com a base mais grossa e fixa voltada para a periferia (margem capsular) e o vértice (borda livre) mais delgado e voltado para a porção central da articulação (figura 6).


Figura 6 (a-c): Imagens de artrorressonância na ponderação T1 no plano coronal (6a) e sagital (6b e 6c) mostrando que os meniscos apresentam formato triangular nas imagens seccionais, com a base do triângulo (setas amarelas largas) voltadas para a margem capsular (externa) e o vértice, chamado mais comumente de borda livre (setas vermelhas) voltado internamente. Note que a margem superior dos meniscos é levemente côncava e a margem inferior é plana. Os meniscos tem diâmetro transversal (setas duplas brancas) em torno de 11 mm e cobrem até 75% do platô tibial medial e lateral, respectivamente (setas duplas amarelas). No plano sagital os meniscos também apresentam formato triangular, sendo que o corno posterior do menisco medial (seta dupla azul) é maior que o corno anterior (seta dupla verde), enquanto que o menisco lateral tem formato mais uniforme, com os cornos anterior e posterior apresentando diâmetro semelhante (setas duplas laranjas). MM – menisco medial, ML – menisco lateral.


O menisco discoide é maior que o menisco normal (> 13 mm no plano coronal) e recobre todo ou quase todo platô tibial no plano coronal. No plano sagital com espessura em torno de 4-5 mm o corpo meniscal é visível por mais de 3 imagens, caracterizado por continuidade entre os cornos anterior e posterior, achado conhecido como “sinal da gravata borboleta”,  (figura 7).


Figura 7 (a-c): Imagens de RM na ponderação DP com supressão de gordura de outro paciente com menisco discoide lateral nos planos coronal (7a) e sagital (7b) mostrando que o menisco discoide cobre todo o platô tibial (seta branca) e apresenta 27 mm de diâmetro transverso. No plano sagital o “sinal da gravata borboleta”, onde é possível visualizar o corpo do menisco (setas azuis) em 4 imagens consecutivas. Para comparação, exame de paciente com menisco normal no plano sagital (7c) onde não se identifica o corpo do menisco (seta amarela) por mais de 2 a 3 imagens consecutivas dependendo da espessura da imagem obtida.


Ambos os meniscos se inserem no platô tibial anterior e posteriormente através das raízes de fixação (também conhecidas como ligamentos raiz). Os ligamentos (ou fascículos) meniscocapsulares incluem os componentes meniscofemoral e meniscotibial (também conhecido como ligamentos coronários), que fixam o menisco à porção posterior do fêmur e tíbia, respectivamente.

Os ligamentos intermeniscais incluem os ligamentos transverso anterior e posterior e os ligamentos oblíquos medial e lateral. O ligamento transverso anterior está presente em 53% a 94% dos indivíduos, podendo simular lesão no corno anterior do menisco. O ligamento transverso posterior une os cornos posteriores dos meniscos, passando na frente do ligamento cruzado posterior, estando presente em apenas cerca de 2% dos joelhos. Os ligamentos intermeniscais oblíquos ligam o corno anterior de um menisco ao corno posterior do outro e estão presentes em cerca de 1% a 4% dos joelhos podendo simular fragmento meniscal deslocado.

 

O componente profundo do ligamento colateral medial (LCM) se insere firmemente na periferia do corpo do menisco medial, que também apresenta inserção capsular anterior e posterior, formando a junção meniscocapsular. Para maiores detalhes sobre a relação meniscocapsular veja o caso do mês de setembro/19 sobre lesão do LCA e do menisco medial.




Os fascículos popliteomeniscais conectam o corno posterior do menisco lateral ao tendão poplíteo, formando o hiato poplíteo. Os ligamentos meniscofemorais anterior (ligamento de Humphrey) e posterior (ligamento de Wrisberg) oferecem suporte adicional ao menisco lateral, conectando o corno posterior ao côndilo femoral medial, se inserindo proximal e inferiormente ao ligamento cruzado posterior (LCP), respectivamente (figuras 8 a 14).


Figura 8: Representação esquemática no plano transversal dos ligamentos do joelho e sua relação com os meniscos. Os meniscos se inserem no platô tibial pelas raízes (ou ligamento raiz) anterior e posterior, o ligamento transverso se insere no corno anterior de ambos os meniscos, o menisco medial é sítio de inserção dos ligamentos colateral medial e oblíquo posterior e os ligamentos meniscosfemorais fixam o corno posterior do menisco lateral através das porções Humphrey (anterior)  e Wrisberg (posterior) ao LCP. Note que o ligamento colateral lateral não apresenta inserção meniscal. MM – menisco medial, ML – menisco lateral, LCA – ligamento cruzado anterior, LCP – ligamento cruzado posterior, LCM – ligamento colateral medial, LOP – ligamento oblíquo posterior, LCL – ligamento colateral lateral.  


Figura 9 (a-b): Imagens de RM no plano transversal na ponderação T2 com supressão de gordura de outros pacientes mostrando o ligamento transverso (setas amarelas), a raiz anterior do menisco lateral (setas vermelhas) e a raiz posterior do menisco medial (setas brancas).


Figura 10: Imagem de RM no plano transversal na ponderação T2 com supressão de gordura de outro paciente mostrando o ligamento transverso (setas amarelas), as raizes anterior (seta vermelha) e posterior (seta verde) do menisco lateral e as raizes anterior (seta azul) e posterior (seta branca) do menisco medial.


Figura 11: Imagem de artrorressonância na ponderação T1 no plano coronal mostrando os ligamentos meniscocapsulares (ou coronários) meniscofemoral medial (seta amarela) e lateral (seta laranja) e meniscotibial medial (seta branca) e lateral (seta verde).


Figura 12: Imagem de RM na ponderação T2 no plano sagital de outro paciente mostrando os ligamentos popliteomeniscais superior (seta amarela) e inferior (seta vermelha), que formam o teto e assoalho do hiato poplíteo, respectivamente, por onde passa o tendão poplíteo (seta branca).


Figura 13 (a-b): Imagens de RM na ponderação T2 nos planos sagital (a) e coronal (b) de outro paciente mostrando o ligamento meniscofemoral posterior (setas brancas), também conhecido como ligamento de Wrisberg, unindo a porção mais interna do corno posterior do menisco lateral ao côndilo femoral medial, passando atrás do LCP (seta salmão). ML – menisco lateral.


Figura 14 (a-b): Imagens de RM na ponderação T2 nos planos sagital (a) e coronal (b) de outro paciente mostrando o ligamento meniscofemoral anterior (setas amarelas), também conhecido como ligamento de Humphrey, unindo o corno posterior do menisco lateral ao côndilo femoral medial, passando na frente do LCP (seta salmão).


Existem 3 tipos de menisco discoide, segundo a classificação artroscópica de Watanabe (figura 15):

Tipo I – menisco discoide completo: recobre todo o platô tibial lateral.

Tipo II – menisco discoide incompleto: formato semilunar, recobre menos de 80% do platô tibial lateral.

Tipo III – Wrisberg: ausência dos fascículos popliteomeniscais / ligamento meniscotibial posterior em menisco normal ou discoide, resultando em menisco hipermóvel estabilizado apenas pelo ligamento de Wrisberg que pode subluxar anteriormente em flexão (síndrome “snapping” do joelho – figura 16).


Figura 15: Representação esquemática no plano transversal da diferença entre o menisco lateral normal e o menisco discoide completo e incompleto. MM – menisco medial, ML – menisco lateral.


Figura 16: Representação esquemática no plano sagital da síndrome “snapping” do joelho que pode ocorrer nos pacientes com ausência dos fascículos popliteomeniscais (variante Wrisberg). Em flexão, o menisco hipermóvel (que pode ser um menisco normal ou discoide) se desloca anteriormente (seta), retornando à posição normal em extensão.


O menisco discoide pode ser assintomático ou sintomático, sendo o sintoma mais comum a dor tipicamente quando há rotura, podendo o paciente apresentar sensação de bloqueio e/ou estalido (“popping”), geralmente quando o menisco é instável, como na variante Wrisberg.

As roturas meniscais ocorrem quando uma força anormal é aplicada a um menisco normal, ou um menisco anormal receba carga normal, como é o caso do menisco discoide ou de um menisco degenerado. E o menisco discoide hipermóvel está também frequentemente associado a degeneração.

 

Nas crianças as lesões são mais frequentes no menisco lateral devido à maior incidência de menisco discoide lateral e de roturas relacionadas a práticas esportivas. Os critérios de rotura no menisco discoide são um pouco diferentes das que ocorrem em um menisco normal, sendo a alteração do sinal intrassubstancial considerada lesão em pacientes sintomáticos mesmo quando não é linear e não se estende á superfície articular.

 

As roturas meniscais mais frequentes na população pediátrica relacionadas à presença de menisco discoide podem se apresentar como alteração do sinal e/ou na forma e posição do menisco:

  

- Alteração do sinal intrassubstancial – em paciente sintomático com menisco discoide o hipersinal intrassubstancial pode representar lesão mesmo sendo não-linear e sem extensão à superfície articular. Quando o menisco apresenta hipersinal difuso com halo hipointenso semelhante a uma moldura é conhecido como “sinal do menisco vazio” (figura 17).

 

Corno anterior proeminente (“anterior megahorn”, figura 17) e/ou mais anterior que o normal  – geralmente associado a variante Wrisberg (como já visto na figura 2).


Figura 17: Imagem de RM na ponderação T2 no plano sagital em outro paciente com menisco discoide mostrando o corno anterior proeminente e com alteração do sinal (seta branca). Note que o corno anterior apresenta hipersinal difuso com fino halo hipointenso, alteração conhecida como “sinal do menisco vazio”.


- Corno posterior proeminente (“posterior megahorn”) – geralmente ocorre devido a progressivo destacamento capsular anterior (figura 18).


Figura 18 (a-b): Imagens de RM no plano sagital nas ponderações T2 (a) e DP com supressão de gordura (b) de outro paciente com menisco discoide mostrando o corno posterior proeminente e com alteração do sinal (setas amarelas).


- Sinal do duplo cruzado posterior quando a borda livre abaulada do menisco discoide se insinua na região intercondilar (figura 19).


Figura 19 (a-b): Imagens de RM nas ponderações DP com supressão de gordura no plano coronal (a) e T2 no plano sagital (b) de outro paciente com menisco discoide (seta branca larga) mostrando que parte do menisco se insinua para a região intercondilar (seta branca fina) junto ao LCP (seta salmão). Note no plano sagital o menisco discoide na região intercondilar (seta branca).


- Rotura horizontal por clivagem – mais comum no menisco discoide completo (figura 20).


Figura 20: Imagem de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura de outro paciente com menisco discoide lateral completo mostrando rotura horizontal tipo clivagem no corno posterior (setas amarelas).


- Roturas radiais ou complexas – mais comuns no menisco discoide incompleto.

 

- Sinal do menisco invertido (“inverted sign”) quando a porção rota do corpo do menisco se inverte e fica localizada inferiormente ao corno posterior (figura 21).


Figura 21 (a-b): Imagens de RM na ponderação DP com supressão de gordura nos planos sagital (a) e coronal (b) de outro paciente com menisco discoide mostrando rotura com parte do menisco invertido se insinuando inferiormente ao corno posterior (setas amarelas).


- Com aspecto ondulado (“crimped meniscus” sign).

  

Devemos também ter atenção aos sinais que podem indicar instabilidade do menisco discoide:

 

- Rotura > 1 cm.

- Menisco deslocado e/ou deformado – quando o menisco perde sua inserção periférica, seja por alteração congênita ou roturas capsulares secundárias ao formato discoide, o que leva a deslocamento anormal e/ou deformidade do menisco. Existe uma situação conhecida como “pseudo-alça de balde” em que o menisco instável pode se deslocar em bloco, mimetizando a rotura em alça de balde (figuras 22 e 23).

- Edema perimeniscal (figura 24).


Figura 22 (a-b): Representação esquemática da lesão em alça de balde verdadeira (22a), em que há rotura na porção central do menisco (seta vermelha) levando a deslocamento medial de parte do menisco (seta amarela) semelhante ao movimento da alça de um balde. Já no caso do menisco discoide (22b) todo o menisco é deslocado medialmente (seta verde) simulando a lesão em alça de um balde, mas a causa não é rotura e sim a falta de estruturas estabilizadoras que propiciam hipermobilidade meniscal.


Figura 23: Imagem de RM na ponderação T2 com supressão de gordura no plano transversal mostrando o deslocamento medial do menisco discoide lateral (setas amarelas) junto ao LCP (seta salmão) simulando lesão em alça de um balde.


Figura 24 (a-b): Imagens de RM nas ponderações T2 no plano sagital (24a) e STIR no plano transversal (24b) do mesmo paciente da figura 17 que apresenta menisco discoide com megacorno anterior (seta branca) associado a extenso edema adjacente ao corno anterior do menisco (setas amarelas).


Outros achados que devem levantar suspeita da presença de menisco discoide, inclusive nas radiografias do joelho, são o alargamento do espaço femorotibial lateral associado a côndilo femoral lateral hipoplásico ou com aspecto quadrado (figura 25).


Figura 25 (a-b): Imagem de RM de outro paciente com menisco discoide na ponderação T1 no plano coronal (25a) mostrando o côndilo femoral lateral hipoplásico com aspecto quadrado (seta amarela) associado a alargamento do espaço meniscotibial lateral (seta branca). Para comparação incidência radiográfica anteroposterior de outro paciente com menisco discoide que também apresenta o côndilo femoral lateral displásico (seta laranja) com alargamento do espaço femorotibial (seta verde).



LEITURA SUGERIDA


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