História clínica
Adolescente do sexo masculino, 15 anos, com dor medial e instabilidade após trauma durante jogo de futebol há algumas semanas. Solicitada ressonância magnética (RM) do joelho:
Figura 1 (a-e): Imagens consecutivas de RM no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura de lateral, onde é possível identificar a fíbula (F) para medial. Use a seta lateral na extremidade da página para passar todas as imagens do exame.
Figura 2 (a-e): Imagens consecutivas de RM no plano sagital na ponderação T2 iniciando na porção lateral, onde é possível identificar a fíbula, e terminando na porção medial. Use a seta lateral na extremidade da página para passar todas as imagens do exame.
Figura 3 (a-b): Imagens consecutivas de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura no nível do corpo (3a) e do corno posterior (3b) dos meniscos.
Figura 4 (a-c): Imagens de RM no plano transversal na ponderação T2 com supressão de gordura no nível da interlinha articular femorotibial.
Descrição dos achados
Figura 1 (a-c)’: Na imagem mais lateral no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura (1a’) é possível identificar a translação anterior anormal da tíbia (distância entre a linha tracejada branca, tangenciando a margem posterior do côndilo femoral lateral, e a linha tracejada amarela, tangenciando a margem posterior do platô tibial > 5 mm). Na imagem subsequente 1b’ ainda se observa discreto edema ósseo no côndilo femoral lateral (seta azul) e na porção posterior do platô tibial lateral (seta verde), típico padrão que acompanha a rotura do LCA, identificada na imagem 1c’ (seta amarela).
Figura 1 (d-e)’: Nas imagens consecutivas no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura na porção medial é possível identificar a rotura vertical na periferia do corno posterior do menisco medial (setas brancas).
Figura 2 (a-c)’: Na imagem mais lateral no plano sagital na ponderação T2 (2a’) é possível identificar também a translação anterior anormal da tíbia (distância entre as linhas tracejadas branca e amarela > 5 mm). Na imagem subsequente 2b’ o discreto edema ósseo não tem expressão por se tratar de sequência sem supressão de gordura, mas a rotura do LCA é bem identificada na imagem 2c’ (seta amarela).
Figura 2 (d-e)’: Nas imagens consecutivas no plano sagital na ponderação T2 iniciando na porção medial é também possível identificar a rotura vertical na periferia do corno posterior do menisco medial (setas brancas), porém é mais difícil se compararmos com a ponderação com supressão de gordura que aumenta a conspicuidade das lesões por ser mais sensível a líquido.
Figura 3 (a-b)’: Nas imagens no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura é possível identificar a rotura do LCA (seta amarela) no nível do corpo dos meniscos (3a’) e nas imagens mais posteriores (3b’) a lesão no corno posterior do menisco medial (seta branca). Observe também o edema ósseo na porção posterior do platô tibial lateral (setas verdes).
Figura 4 (a-c)’: Imagens de RM no plano transversal na ponderação T2 com supressão de gordura no nível da interlinha articular femorotibial. Abaixo imagens de referência no plano sagital mostrando a lesão hipersinal na periferia do corno posterior do menisco medial e na cápsula posteromedial (setas brancas).
O paciente repetiu a RM dois meses depois, quando foram encontrados os seguintes achados:
Figura 5 (a-d): Imagens consecutivas de RM no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura para comparação do aspecto da rotura no corno posterior do menisco medial em abril (setas brancas nas figuras 5a e 5c) e dois meses após (figuras 5b e 5d), onde o “gap” é mais evidente devido à maior insinuação de líquido (setas amarelas), notando-se também surgimento de componente horizontal que não era tão evidente no exame prévio (seta vermelha).
Figura 6 (a-b): Imagens de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura no plano da cabeça da fíbula (F) para comparação da extensão da rotura do menisco medial em abril (6a) e dois meses após (6b), onde a lesão é mais extensa e complexa (seta amarela).
Figura 7 (a-b): Imagens de RM no plano transversal na ponderação T2 com supressão de gordura para comparação da extensão da rotura do menisco medial em abril (setas brancas em 7a) e dois meses após (7b), onde a lesão é mais extensa e evidente (setas amarelas).
Discussão
A rotura do ligamento cruzado anterior (LCA) está associada a outras lesões na maioria dos casos. Portanto, tão importante quanto o conhecimento dos sinais diretos e indiretos da lesão do LCA é reconhecer as lesões em outras estruturas que podem estar associadas.
Os achados típicos da rotura do LCA e sua associação com lesão do ligamento anterolateral foram discutidos no caso do mês de agosto de 2019.
A rotura meniscal costuma estar presente em 55 a 80% dos pacientes com rotura do LCA, com incidência um pouco mais elevada nos casos crônicos. Quando a cirurgia do LCA ocorre após 1 ano da lesão o risco de rotura meniscal aumenta, principalmente no menisco medial. Uma das razões é que a força aplicada sobre o corno posterior do menisco medial aumenta em 200% quando o LCA está roto.
Nos últimos anos foi dada mais atenção às lesões localizadas na junção meniscocapsular posteromedial, que passou a receber diversas denominações: separação ou disjunção meniscocapsular, lesão meniscal oculta (“hidden lesion”), rotura meniscossinovial e “ramp lesion” em 1988, definida como um tipo específico de rotura acometendo a inserção periférica do corno posterior do menisco medial tipicamente associada a insuficiência do LCA. Originalmente a “ramp lesion” foi descrita como uma rotura longitudinal com 2,5 cm de extensão na junção meniscocapsular. Entretanto, estudos anatômicos também questionam sua definição original por terem encontrado junções meniscocapsulares com 2 cm de extensão.
É muito importante o conhecimento da anatomia e da relação do menisco medial com as diversas estruturas capsuloligamentares (figura 8). Os meniscos se inserem no platô tibial através das suas raízes anterior e posterior. Além disso, o menisco medial é sítio de inserção da cápsula articular anteromedial, de fibras dos ligamentos colateral medial (LCM) e oblíquo posterior (LOP) e da cápsula posterior. O ligamento oblíquo posterior (LOP), também conhecido como ligamento de Winslow, é uma extensão direta da cápsula posteromedial e está localizado entre o ligamento colateral medial (LCM) e a junção meniscocapsular posterior (figura 9). O LOP possui 3 fascículos : superficial, central (ou tibial) e capsular (ou superior, localizada principalmente acima da interlinha articular) que são de difícil distinção entre si nas imagens de RM. A porção central é o componente principal do LOP que, junto com a porção capsular, se insere firmemente no corno posterior do menisco medial.
Figura 8: Representação esquemática no plano transversal ilustrando a relação do menisco medial com as diversas estruturas capsulares e os ligamentos colateral medial e oblíquo posterior. MM – menisco medial, ML – menisco lateral, LCA – ligamento cruzado anterior, LCP – ligamento cruzado posterior.
Figura 9 (a-c): Imagens de artrorressonância de outro paciente no plano coronal na ponderação T1 mostrando o componente superficial do ligamento colateral medial (seta branca grande) e os componentes profundos, também conhecidos como fascículos mediscofemoral e meniscotibial (setas brancas pequenas), a inserção meniscal na transição dos ligamentos colateral medial e oblíquo posterior no corpo do menisco medial (seta vermelha) e o ligamento oblíquo posterior (seta amarela grande) se inserindo no corno posterior do menisco medial (seta amarela pequena).
A “ramp lesion” representa de 17 a 55% das lesões do menisco medial e sua prevalência em pacientes com insuficiência do LCA varia de 9 a 24%, sendo mais frequente nas roturas crônicas e nas cirurgias de revisão do LCA. É mais frequente em pacientes jovens (< 30 anos), do sexo masculino e que participam de esportes de contato. A presença de rotura do menisco lateral aumenta o risco do paciente também apresentar “ramp lesion”.
Não existe um consenso em relação à definição da “ramp lesion”, com alguns autores usando este termo de forma mais genérica para descrever tanto a disjunção meniscocapsular quanto as lesões verticais do corno posterior do menisco medial e do ligamento meniscotibial.
Thaunat et al. descreveram uma classificação artroscópica que usa como referência padrão, localização, mobilidade e visibilidade da “ramp lesion”:
Tipo 1: lesão meniscocapsular localizada no revestimento sinovial, com muito pouca mobilidade
Tipo 2: lesão meniscal superior parcial estável
Tipo 3: lesão meniscal inferior parcial associada a lesão do ligamento meniscotibial com grande mobilidade
Tipo 4: lesão meniscal vertical longitudinal completa na zona vermelha
Tipo 5: lesão meniscal vertical longitudinal dupla
Nas imagens de RM são encontradas geralmente as seguintes situações nas lesões do corno posterior do menisco medial associadas a rotura do LCA (figuras 10 e 11):
- Rotura vertical na periferia do corno posterior do menisco medial.
- Menisco medial normal com hipersinal entre o corno posterior e a cápsula articular. Nesse caso deve ser considerada a possibilidade de “ramp lesion” quando houver sinal de líquido interposto entre o menisco e a cápsula posteromedial, podendo também se estender à inserção do ligamento oblíquo posterior, principalmente quando associado a irregularidade do contorno meniscal posterior.
- Rotura vertical na periferia do corno posterior do menisco medial associada a hipersinal entre o corno posterior e a cápsula articular, o que significa a ocorrência concomitante de rotura meniscal com disjunção meniscocapsular.
Figura 10: Representação esquemática no plano transversal ilustrando as formas de lesão que costumamos encontrar na RM: disjunção meniscocapular (linha irregular vermelha), caracterizada por sinal de líquido entre o corno posterior do menisco medial e a cápsula posteromedial, conhecida também como “ramp” lesion”, e a rotura vertical longitudinal periférica no corno posterior do menisco medial (linha laranja). MM – menisco medial, ML – menisco lateral, LCA – ligamento cruzado anterior, LCP – ligamento cruzado posterior.
Figura 11: Representação esquemática no plano sagital ilustrando à esquerda a relação nosmal do menisco medial (MM) co a cápsula articular (seta azul) e as formas de lesão que costumamos encontrar na RM: disjunção meniscocapular, caracterizada por sinal de líquido entre o corno posterior do menisco medial e a cápsula posteromedial (representada pela área vermelha entre o menisco e a cápsula), conhecida também como “ramp” lesion”, e a rotura vertical longitudinal periférica no corno posterior do menisco medial (linha vertical laranja).
A rotura vertical costuma ser de identificação um pouco mais fácil, embora se deva ter alto índice de suspeição e buscar ativamente lesões periféricas. Já a disjunção meniscocapsular é uma lesão frequentemente não diagnosticada na RM, devendo a presença de líquido entre o corno posterior do menisco medial e a margem capsular levantar suspeita, ainda mais no contexto de paciente jovem com lesão do LCA em que há translação anterior da tíbia. Outros achados secundários relacionados à “ramp lesion” é o edema ósseo na região submeniscal do platô tibial e a lesão do ligamento meniscotibial (figuras 12 e 13). Por ser também uma lesão que pode não ser identificada na artroscopia com o uso do portal anterior de rotina, seu reconhecimento pré-operatório é muito importante para a conduta e escolha da técnica cirúrgica, já que as lesões instáveis podem ser reparáveis.
Figura 12 (a-c): Imagens de RM no plano sagital na ponderação T2 (12a) em outro paciente com rotura do LCA (seta amarela) e na ponderação DP com supressão de gordura (12b e 12c) mostrando o edema ósseo na região submeniscal do platô tibial medial (setas vermelhas) associado a lesão vertical periférica no corno posterior do menisco medial (seta branca) e a hipersinal entre a margem meniscal posterior e a cápsula articular (seta laranja).
Figura 13 (a-b): Imagens de RM no plano sagital na ponderação T2 (13a) em outro paciente com rotura do LCA (seta amarela) e na ponderação DP com supressão de gordura (13b) mostrando o hipersinal entre a margem meniscal posterior e a cápsula articular (seta branca).
O tratamento da “ramp lesion” ainda é controverso, com alguns autores preconizando o tratamento conservador, pois a periferia do menisco (zona vermelha) é mais vascularizada, o que facilitaria a cicatrização da lesão, enquanto outros afirmam que o não reparo das lesões meniscais pode ser uma causa de falência da cirurgia do LCA e de instabilidade rotatória persistente, uma vez que a força aplicada sobre o enxerto do LCA aumenta em 30 a 50% nos casos em que o menisco medial é insuficiente. O reparo cirúrgico da rotura longitudinal do corno posterior do menisco medial costuma ser indicado quando a lesão é > 1,0 a 1,5 cm de extensão longitudinal.
Alguns autores consideram que a reconstrução do LAL parece conferir um efeito protetor ao reparo da “ramp lesion” e reduz significativamente a ocorrência de rotura meniscal secundária.
LEITURA SUGERIDA
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