História clínica
Menino, 11 anos, com dor na face lateral do terço proximal da tíbia. Solicitadas tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) das pernas.
Figura 1: Topograma da TC equivalente a incidência radiográfica anteroposterior dos membros inferiores
Figura 2 (a-b): Imagens tomográficas consecutivas da reconstrução no plano coronal com ênfase na porção proximal das pernas.
Figura 3 (a-e): Imagens consecutivas de RM no plano coronal na ponderação T1.
Figura 4 (a-e): Imagens consecutivas de RM no plano coronal na ponderação STIR.
Figura 5: Imagem de RM no plano sagital na ponderação STIR.
Figura 6 (a-e): Imagens de RM no plano transversal em diferentes ponderações: STIR (6a), T1 (6b), T2 (3c), T1 com supressão de gordura (3d), T1 com supressão de gordura após administração venosa de contraste (6e), difusão (6f) e mapa ADC (6g).
Descrição dos achados
Figura 1':Topograma da TC mostrando imagem anteroposterior dos membros inferiores mostrando lesão de matriz óssea na porção lateral da região metadiafisária proximal da tíbia, com área de interrupção da cortical (seta branca).
Figura 2 (a-b)’: Imagens tomográficas consecutivas da reconstrução no plano coronal com ênfase na porção proximal das pernas mostrando a lesão de matriz óssea (setas amarelas) na região metadiafisária proximal da tíbia, com área de interrupção da cortical na face lateral (setas brancas). É evidente também a reação periosteal formando a imagem do triângulo de Codman (seta azul).
Figura 3 (a-e): Imagens consecutivas de RM no plano coronal na ponderação T1 mostrando que a lesão de matriz óssea apresenta baixo sinal (setas amarelas), com área de interrupção da cortical na face lateral (setas brancas). Na RM nota-se que também há acometimento da região epifisária (setas vermelhas), achado que não era evidente nas imagens tomográficas. O marcador cutâneo (ponta de seta verde) confirma que o achado encontra-se em correspondência com o local doloroso referido pelo paciente.
Figura 4 (a-e)’: Imagens consecutivas de RM no plano coronal na ponderação STIR mostrando que a lesão de matriz óssea apresenta áreas de baixo e alto sinal (setas amarelas), com interrupção da cortical na face lateral (setas brancas). Na sequência sensível a líquido nota-se que também há acometimento da região epifisária (setas vermelhas) e a alteração do sinal se estende à região medial da tíbia (setas laranjas), achado que não era identificado nas imagens tomográficas e nem tão evidente na ponderação T1. É evidente também a extensa alteração do sinal nas partes moles adjacentes (setas verdes).
Figura 5’: Imagem de RM no plano sagital na ponderação STIR mostrando a extensão da lesão à região posterior da tíbia (seta amarela) e à epífise (seta vermelha).
Figura 6 (a-e)’: Imagens de RM no plano transversal em diferentes ponderações mostrando o comportamento do sinal da lesão óssea (setas amarelas) e do componente de partes moles (setas verdes), onde é também possível notar a restrição à difusão (seta rosa claro) e o padrão do mapa ADC (seta rosa escuro).
Diagnóstico histopatológico: Osteosssarcoma primário convencional de alto grau.
Discussão:
O canadense mais famoso do século XX, Terry Fox (1958-1981), depois de amputar uma das pernas devido a um osteossarcoma, decidiu cruzar o Canadá de costa a costa, correndo o equivalente a uma maratona por dia para arrecadar fundos para pesquisas relacionadas ao tratamento do câncer, criando a “Marathon of Hope”.
Após percorrer cerca de 5300 Km em143 dias consecutivos, foi obrigado a interromper a jornada após descobrir metástases pulmonares, morrendo meses depois aos 22 anos.
Mas, até hoje, no mês de setembro ocorrem corridas não competitivas, sem prêmios ou patrocínios corporativos, voltadas apenas para pesquisas sobre o câncer em nome de Terry Fox no Canadá e outros países.
O osteossarcoma representa cerca de 20% dos tumores primários do osso, sendo o segundo mais comum, ficando atrás apenas do mieloma. É um tumor predominantemente formador de osso, podendo produzir cartilagem e tecido fibroso em graus variáveis, com áreas de hemorragia, fibrose e degeneração cística.
O paciente geralmente se apresenta com dor óssea, sendo comum edema ou aumento de volume da região pela presença de massa de partes moles e/ou fratura patológica. O osteossarcoma pode se apresentar de duas formas:
Osteossarcoma primário – forma mais comum, com 75% dos pacientes com idade inferior a 20 anos (geralmente entre 10 a 20 anos), quando os centros de crescimento estão mais ativos. Há leve predomínio no sexo masculino. Tipicamente acomete a metáfise / região metadiafisária dos ossos longos, com 65% dos casos ocorrendo no joelho (cerca de 40% dos casos no fêmur distal, 16% na tíbia proximal e 15% no úmero). O diagnóstico precoce é fundamental, pois atualmente sobrevida em 5 anos com tratamento adequado pode chegar a 60-80%.
Osteossarcoma secundário – acomete os idosos, usualmente secundário a degeneração maligna de doença de Paget, infarto ósseo, pós-radioterapia, osteocondroma e osteoblastoma. A incidência é maior nos ossos chatos, principalmente na pelve, o sítio mais comum da doença de Paget.
Existem também subtipos de osteossarcoma de acordo com o grau de diferenciação, localização no osso e variantes histológicas:
Intramedular (80% casos)
Convencional de alto grau (osteoblástico, condroblástico, fibroblástico)
Baixo grau
Telangiectásico
Pequenas células
Justacortical ou de superfície (10—15%)
Intracortical
Parosteal
Periosteal
Extraesquelético
As características dos tumores ósseos foram descritas nas radiografias convencionais, que ainda têm um papel importante no diagnóstico.
Características radiográficas do osteossarcoma primário:
- Matriz óssea
- Destruição óssea cortical e medular
- Zona de transição larga
- Aspecto permeativo ou em roído de traça
- Reação periosteal agressiva – tipicamente em “raio de sol”, com formação de triângulo de Codman, mas podendo também ter aspecto lamelado (casca de cebola) - figura 7
- Massa de partes moles
A reação periosteal é menos específica que os outros sinais radiológicos, mas os tumores altamente agressivos geralmente resultam em reação periosteal interrompida e o efeito de massa do tumor pode produzir uma interface triangular com o periósteo, conhecida como “triângulo de Codman”. É também comum o aspecto multilaminar, conhecido domo “casca de cebola” ou o aspecto em “raio de sol”, onde tem um aspecto espiculado divergente.
A tomografia computadorizada (TC) é importante como guia para biópsia, uma vez que o planejamento cuidadoso do sítio e trajeto da biópsia evitando que cruze compartimentos é fundamental para reduzir o risco de implantes locais que vão estender a ressecção e piorar o prognóstico. A TC também é imprescindível no estadiamento, principalmente na pesquisa de metástases pulmonares (a mais comum). Porém, acrescenta pouco ao diagnóstico, exceto nos casos de lesões predominantemente líticas em que a matriz mineralizada tem pouca expressão radiográfica e na ressonância magnética (RM). Mas, devido à dificuldade da realização de radiografias em nosso meio, é comum a solicitação de TC e RM para diagnóstico, como nesse caso.
A ressonância magnética (RM) é fundamental para o estadiamento local e definição das margens de ressecção. É essencial a avaliação da placa de crescimento pela RM, pois até 75-88% dos tumores metafisários cruzam a placa estendendo-se à epífise, achado que muitas vezes não é evidente nas radiografias, nem na TC. É importante a realização do exame completo, pois cada sequência acrescenta informações importantes:
T1 – lesões com sinal muito reduzido (inferior ao sinal do músculo), quando não são císticas, devem ser suspeitas para tumor ou infecção.
Sequências sensíveis a líquido (STIR, T2 e DP com supressão de gordura) – são bastante sensíveis para a detecção e avaliação da extensão da lesão, principalmente para as partes moles adjacentes, que muitas vezes não é muito evidente na ponderação T1 devido à baixa diferenciação entre o sinal do componente de partes moles da lesão e o músculo. São importantes também na avaliação das margens cirúrgicas, pois toda área que apresenta padrão de edema pode ter células tumorais viáveis.
T2 – fornece informações adicionais em relação ao comportamento do sinal, como presença de áreas de baixo sinal de permeio, que podem representar componente fibroso, assim como traço de fratura patológica.
T1 com supressão de gordura – é fundamental que toda lesão tumoral tenha sequência pré-contraste, pois muitas vezes a lesão apresenta sinal elevado na ponderação T1 SG (mesmo tendo sinal intermediário ou baixo na ponderação T1 convencional). Sem a sequência pré-contraste pode ser impossível afirmar se houve realce pelo contraste nesses casos. A sequência pré-contraste também permite a realização da supressão, o que ajuda nos casos duvidosos ou de realce mais sutil.
No estudo pós-contraste em muitos casos é útil avaliar o padrão de impregnação em diversas fases através de estudo dinâmico e avaliação da perfusão do tumor.
Difusão e mapa ADC – a difusão dá ideia do grau de celularidade do tumor pela medida do coeficiente de difusão aparente (ADC). O ROI deve ser > 0,5 cm e < 1,5 cm (média da área 1 cm2) e posicionado na porção sólida da lesão, evitando áreas de necrose, fibrose, gordura, hemorragia e osso ou tecido normal. Zeitoun e cols, no estudo que avaliou a difusão dos osteossarcomas, encontraram menores valores de ADC no osteossarcoma osteoblástico (refletindo a alta celularidade da matriz osteoide) e os maiores no osteossarcoma telangectásico (provavelmente pela presença de áreas necróticas e homorrágicas).
Diagnósticos diferenciais principais:
- Osteomielite
- Sarcoma de Ewing
- Metástase óssea
LEITURA SUGERIDA
Osteosarcoma subtypes: Magnetic resonance and quantitative diffusion weighted imaging criteria. Zeitoun R, Shokry AM, Ahmed Khaleel S, Mogahed SM.
J Egypt Natl Canc Inst. 2018; 30(1): 39-44. doi: 10.1016/j.jnci.2018.01.006.
Staging and following common pediatric malignancies: MRI versus CT versusfunctional imaging. Voss SD. Pediatr Radiol. 2018; 48(9):1324-1336. doi: 10.1007/s00247-018-4162-4.
Yarmish G, Klein MJ, Landa J et-al. Imaging characteristics of primary osteosarcoma: nonconventional subtypes. Radiographics. 2010; 30 (6): 1653-72. doi:10.1148/rg.306105524
The many faces of osteosarcoma. Murphey MD, Robbin MR, McRae GA, Flemming DJ, Temple HT, Kransdorf MJ. Radiographics;17(5):1205-31.
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