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Parcial



"Parcial" se originou a partir do latim partialis e significa "parte" ou "porção", ou seja, é tudo aquilo que corresponde a parte de um total,


E a palavra parcial (ou parcialmente) é muito utilizada nos laudos dos exames musculoesqueléticos, mas devemos ter alguns cuidados porque nem sempre ela se aplica ou só ela é suficiente. Para não ter erro, antes de utilizar "parcial" sempre faça as seguintes perguntas:


1 - Parcial ou total?


Se falamos "parcial", estamos assumindo que existe um "total", já que parcial seria parte do todo. Por isso, falamos em rotura tendínea parcial porque existe a rotura tendínea total ou completa. Logo, não tem sentido falarmos que uma determinada alteração é "parcial" se não descrevemos também o seu equivalente "total".

Um exemplo comum dessa situação é a descrição "Desidratação parcial dos discos intervertebrais".

No CASO DO MÊS sobre EXTRUSÃO DISCAL SUBARTICULAR foi abordada a degeneração discal, e um dos sinais é a perda hídrica do disco, que se reflete pela queda do sinal na ponderação T2, e os diferentes graus de degeneração estão também resumidos na página CLASSIFICAÇÕES / COLUNA.

Conforme a classificação mais utilizada, com exceção do grau I, que seria normal, o que temos são diferentes graus de desidratação e redução da altura discal. E o que seria um disco "totalmente" desidratado? Seria o grau iV, o grau V ou um disco que virou pó? E o que seria mais importante na diferenciação dos graus mais avançados de degeneração - o sinal em T2 do disco ou a redução da altura?

Apesar de desidratação parcial existir (se o disco não está totalmente desidratado ele só pode estar parcialmente desidratado), a questão aqui é a relevância da informação e se não estamos sendo redundantes ou nos satisfazendo com um termo em detrimento de outras informações mais relevantes - compare aqui:

"Desidratação dos discos intervertebrais"

"Desidratação parcial dos discos intervertebrais" - não parece incompleto da mesma forma? Muitos afirmam que o "parcial" seria para dizer que a desidratação não é acentuada, mas parcial não é sinônimo de discreto, pode ser parcial e muito acentuado.

Já se a descrição for mais detalhada:

"Discreta desidratação parcial do disco intervertebral L5-S1, com pequena redução da sua altura".

"Desidratação parcial do disco intervertebral L5-S1, com acentuada redução da sua altura associada a alterações degenerativas nos platôs vertebrais apostos".


O entendimento mudaria se fosse retirada a palavra parcial?

"Discreta desidratação do disco intervertebral L5-S1, com pequena redução da sua altura".

"Desidratação do disco intervertebral L5-S1, com acentuada redução da sua altura associada a alterações degenerativas nos platôs vertebrais apostos".


Quando pensamos nesse tipo de situação, em que não há descrição de "total", vemos que não faz sentido e não tem nenhuma relevância descrever "desidratação parcial".


2 - Podemos quantificar?


Já parou para pensar que "parcial" pode ser de 1 a 99%? Então, será que é suficiente só colocar parcial no laudo sem dar ideia da gravidade? Da mesma forma que um disco desidratado pode variar do grau II ao grau V, uma outra situação frequente é a "lipossubstituição muscular parcial".

Usando como exemplo a classificação mais famosa, a de Goutalier:

Com exceção do grau I, que seria normal, o que temos são diferentes graus de lipossubstituição, variando de discreta a quase o músculo todo lipossubstituído, o que tem valor prognóstico e até em relação à conduta cirúrgica. Por isso, falar "lipossubstituição parcial do músculo" é uma informação totalmente incompleta.

E isso vale para várias outras situações, como nas roturas tendíneas - faz diferença se a rotura é discreta ou se acomete mais de 50% da espessura, e dependendo do tendão sinalizar qual a porção acometida também pode ser relevante.


3 - Tem certeza?


Nem sempre podemos ter 100% de certeza porque existem as limitações de cada método, mas em muitos casos o índice de acerto é alto o suficiente para nos permitir afirmar se uma alteração é parcial ou total, como no caso das roturas do manguito rotador ou do tendão de Aquiles, por exemplo.

Já nas roturas ligamentares o índice de acerto é alto? Um dos erros diagnósticos mais frequentes e que pode causar dano significativo ao paciente é dizer que uma rotura ligamentar parcial quando na verdade ela é completa. Isso acontece muito nas roturas do ligamento cruzado anterior, principalmente fora da fase aguda, porque o tecido de granulação mimetiza um ligamento íntegro, mas não é suficiente para manter a estabilidade da articulação. Se há boa chance de uma lesão ser total, não devemos afirmar que ela é parcial.



4 - É o caso de "parcial" ou de "tudo ou nada"?

Existem situações de "tudo ou nada" em que não cabe falarmos em parcial.

Não existe gravidez parcial, nem pneumonia parcial - essas situações são de ter ou não ter: ou a pessoa está grávida ou não está, ou tem pneumonia ou não tem.

E em que situação isso ocorre no exame musculoesquelético? Um exemplo comum é a expressão "perda parcial da esfericidade da cabeça femoral":


Normalmente a cabeça femoral tem esse formato esférico: a gente consegue traçar uma linha circular regular contornando a cabeça. Quando há perda da esfericidade essa linha é interrompida, geralmente secundária a algum grau de colapso que deixa a superfície articular um pouco achatada.


Essa informação é muito relevante, porque a perda da esfericidade indica um prognóstico ruim para a articulação, que vai ter muito mais chance de evoluir para artrose e de forma mais rápida, com provável necessidade de colocação de uma prótese de quadril no futuro.


Sabendo disso, existiria "perda parcial da esfericidade"? Não. Porque ou a cabeça tem formato esférico ou perdeu a esfericidade.

Além disso, o que seria a "perda total da esfericidade"? Não sobrou nada minimamente esférico na cabeça? O que encontramos na prática são graus diferentes de colapso, que pode variar desde um discreto colapso focal até acentuada deformidade da cabeça femoral. E em ambos os casos houve perda da esfericidade da cabeça, ela apenas pode ser mínima ou acentuada. E vendo esse exemplo de colapso com acentuada deformidade da cabeça femoral, ainda assim parte da cabeça mantém um formato circular:

Essa frase não atende alguns dos questionamentos que devemos fazer antes de escrever "parcial": dificilmente a perda do formato circular é "total" - nesse caso a cabeça femoral teria que se tornar plana, o que dificilmente acontece, mesmo nos casos muito avançados, como esse, em que a porção medial inferior da cabeça não foi afetada e também porque estamos diante de uma situação "tudo ou nada": ou a cabeça é esférica ou ela perdeu a esfericidade de alguma forma - desde uma perda sutil até uma acentuada deformidade, mas em todos os casos houve a perda. Por isso, além de "parcial" nesse caso não ser cabível, o mais importante seria quantificar e localizar.


É importante questionarmos as frases que aprendemos pela repetição e refletir se elas fazem mesmo sentido e se são suficientes e não ser apenas um mero "reptidor de frases".


"Quando todos pensam da mesma forma é porque ninguém está a pensar".

Walter Lippman


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