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Rotura completa do tendão calcâneo

História clínica

 

Homem, 35 anos, refere dor posterior intensa após queda do esqui com limitação da flexão. Solicitada ressonância magnética (RM) do tornozelo.


Figura 1 (a-f): Imagens de RM no plano sagital na ponderação T2 com supressão de gordura (a-c) e T1 (d-f).


Figura 2: Imagem de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura.


Descrição dos achados


Figura 1 (a-f)’: Imagens de RM no plano sagital na ponderação T2 com supressão de gordura (a-c) e T1 (d-f) mostrando a rotura na porção não-insercional do tendão de Aquiles que apresenta sinal heterogêneo com pequena quantidade de líquido de permeio identificado na sequência com supressão de gordura (setas vermelhas) e sinal intermediário na ponderação T1 (setas laranjas). Os cotos tendíneos proximal (asteriscos azuis) e distal (asteriscos verdes) podem ser identificados em ambas as ponderações.


Figura 2’: Imagem de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura mostrando o coto proximal (asterisco azul), as fibras distais (seta verde) e o intervalo da rotura (seta vermelha).


Discussão


O local mais frequente de rotura do tendão de Aquiles (cerca de 80% dos casos) ocorre de 3 a 6 cm proximal à inserção, conhecido como “zona crítica”. A maior parte da vascularização do tendão de Aquiles é feita por ramos da artéria tibial posterior que supre as porções proximal e distal, sendo que o terço médio do tendão (o segmento localizado a cerca de 3 a 6 cm da inserção) é nutrido por ramos da artéria fibular e é relativamente hipovascularizado, o que faz esta região ser mais susceptível a lesões.

 

A incidência de rotura do tendão de Aquiles é maior no sexo masculino (5:1 a 30:1) e tem aumentado em parte pelo envelhecimento da população e aumento da prática de esportes, com maior pico em indivíduos de 30 a 39 anos seguido por um segundo pico dos 60 a 80 anos.

 

A tendinopatia é a condição patológica mais comum que acomete o tendão de Aquiles e é subdividida em:

 

  • Insercional – na inserção calcânea, que possui entese complexa que frequentemente está associada a entesopatia e/ou entesite. Para maiores detalhes da anatomia do tendão de Aquiles e as alterações na entese veja o caso do mês de fevereiro/2020, em que foi discutida a entesopatia calcânea.




  • Não-insercional – na região do tendão de 2 a 6 cm proximal à inserção.


Existem 3 mecanismos de rotura, sendo o mais comum a contração excêntrica durante corrida ou saltos, com:

  • Joelho estendido, força em valgo no antepé suportando o peso do corpo.

  • Dorsoflexão do tornozelo inesperada.

  • Dorsoflexão violenta com o pé em flexão plantar.

Os atletas são o grupo mais susceptível à tendinopatia não-insercional, principalmente os corredores de longa distância. O sintoma mais frequente é a dor, mais comum na margem posteromedial do tendão, que tipicamente é mais intensa ao primeiro movimento após período de repouso, interferindo na função e nas atividades esportivas.

 

Quando o tendão rompe, o paciente geralmente sente um “pop” e refere a sensação de ter sentido um chute no local da lesão. Apesar de a dor ser imediata, ela se resolve rapidamente, e o paciente passa a referir predominantemente fraqueza e alteração na marcha.

 

Quando a rotura não acontece durante a prática esportiva, pode passar despercebida pelo paciente (o que ocorre em até 25% dos casos), levando a dor crônica e limitação funcional. O diagnóstico é mais difícil nesses casos porque o paciente não se apresenta com dor e, embora o tendão de Aquiles seja o flexor plantar principal, os músculos tibial posterior, fibulares e plantares podem exercer essa função, mascarando o exame físico. A palpação local também deixa de ser confiável, pois após 4 semanas o hematoma passa a ser substituído por tecido fibrocicatricial que preenche o “gap” entre os cotos tendíneos.

 

Diagnóstico diferencial das roturas do tendão de Aquiles:

  • Peritendinite

  • Estiramento e/ou rotura do gastrocnêmio ou solear

  • Fratura

  • Lesão ligamentar

  • Lesão dos fibulares

 

Avaliação por imagem das roturas do tendão do Aquiles:

 

A rotura do tendão de Aquiles pode ser suspeitada na radiologia convencional através de alguns sinais na incidência lateral do tornozelo:

 

  • Redução do ângulo de Toygar: o ângulo entre a superfície cutânea adjacente ao tendão de Aquiles deve ser normalmente > 150° (figura 3).


Figura 3: Radiografia em perfil do tornozelo mostrando o ângulo de Toygar normal (linhas amarelas), formado pelo ângulo entre a superfície cutânea adjacente ao tendão de Aquiles, que se aproxima geralmente dos quase 180°, sendo considerado o limite inferior normal de 150°.


  • Perda do contorno normal e alteração da densidade da gordura de Kager - área triangular radiolucente limitada pelo flexor longo do hálux anteriormente, o tendão de Aquiles posteriormente e o calcâneo inferiormente (figura 4).


Figura 4: Radiografia em perfil do tornozelo mostrando a gordura de Kager normal (asterisco amarelo), identificada como área triangular radiolucente delimitada pela margem posterossuperior do calcâneo (linha tracejada branca), margem anterior do tendão de Aquiles (linha tracejada verde) e margem posterior do flexor longo do hálux (linha tracejada azul).


  • Sinal de Arner positivo: o tendão de Aquiles apresenta desvio anterior e perde o paralelismo com a superfície cutânea.

 

Por ser um tendão superficial, a ultrassonografia é um ótimo método para avaliar a rotura do tendão de Aquiles, embora o padrão ouro seja a ressonância magnética.

 

Nas roturas crônicas do tendão de Aquiles é comum a associação com atrofia da musculatura da panturrilha, que geralmente se inicia no solear.

 

Não há consenso sobre o tratamento ideal das roturas do tendão de Aquiles e, embora a incidência de rotura esteja aumentando, o número de cirurgias têm diminuído devido a protocolos de reabilitação funcional mais eficientes.

 

Na mensuração das roturas do tendão de Aquiles devemos informar (figura 5):

  • Se a rotura é na inserção ou é no segmento não insercional.

 

  • Nas roturas na inserção informar se há retração tendínea proximal e de quantos centímetros.

 

  • Nas roturas não insercionais informar a distância entre a rotura e a inserção e o intervalo entre os cotos tendíneos.

​​

  • O estado dos cotos tendíneos (se há muita irregularidade e/ou alteração acentuada do sinal).

Figura 5a-b: Imagens de RM no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura mostrando em 5a o segmento insercional do tendão de Aquiles, que tem cerca de 2 cm de extensão (seta dupla verde), o local da inserção tendínea (seta amarela) e o segmento não-insercional (chave branca), onde se observa a rotura tendínea (setas vermelhas). Na figura 5b estão ilustradas as medidas que devem ser fornecidas na rotura não-insercional: a distância entre a rotura e a inserção (linha tracejada branca) e o intervalo entre os cotos (linha dupla vermelha). Se a rotura for na inserção, devemos informar a retração, ou seja, a distância entre o sítio da inserção e o tendão retraído (linha tracejada vermelha).




Pontos principais neste caso:– Conhecer as diferenças entre a tendinopatia insercional x não-insercional, onde as roturas completas são mais comuns.

– Saber o que deve ser informado nas roturas para o planejamento cirúrgico.




LEITURA SUGERIDA


Ernat JJ, Johnson JD, Anderson CD, Ryan PM, Yim DG. Does Clinical Exam and Ultrasound Compare With MRI Findings When Assessing Tendon Approximation in Acute Achilles Tendon Tears? A Clinical Study. J Foot Ankle Surg. 2019 Jan;58(1):161-164. doi: 10.1053/j.jfas.2018.06.008.

 

 

Bäcker HC, Wong TT, Vosseller JT. MRI Assessment of Degeneration of the Tendon in Achilles Tendon Ruptures. Foot Ankle Int. 2019 Aug;40(8):895-899. doi: 10.1177/1071100719845016.

 

Singh ACalafi ADiefenbach CKreulen CGiza E. Noninsertional Tendinopathy of the Achilles. Foot Ankle Clin.

2017 Dec;22(4):745-760. doi: 10.1016/j.fcl.2017.07.006. Epub 2017 Sep 28.

 

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Kauwe M. Acute Achilles Tendon Rupture -  Clinical Evaluation, Conservative Management, and Early Active Rehabilitation. Clin Podiatr Med Surg 34 (2017) 229–243. http://dx.doi.org/10.1016/j.cpm.2016.10.009.

 

Pearce CJTan A. Non-insertional Achilles tendinopathy. EFORT Open Rev. 2016 Mar 13;1(11):383-390. doi: 10.1302/2058-5241.1.160024. eCollection 2016 Nov.

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