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Síndrome de hiperpressão lateral da patela

História clínica

 

Mulher, 38 anos, com dor anterior no joelho há 5 meses. Pratica ginástica. Nega história de luxação patelar ou instabilidade. Realizou estudo por ressonância magnética (RM) em aparelho de magneto aberto (0,3 T):


Figura 1 (a-b): Imagens de RM no plano sagital nas ponderações T2 (1a) e STIR (1b).


Figura 2: Imagem de RM no plano transversal na ponderação STIR.


Descrição dos achados


Figura 1a-b’: Figura 1 (a-b): Imagens de RM no plano sagital nas ponderações T2 (1a) e STIR (1b) mostrando patela alta pela relação de Caton-Deschamps.


Figura 2’: Imagem de RM no plano transversal na ponderação STIR mostrando edema (seta vermelha) na porção superolateral da gordura de Hoffa (gordura infrapatelar), na região conhecida também como “prega alar externa”.


Discussão


A doença patelofemoral é comumente caracterizada por dois sintomas principais: a dor anterior e a instabilidade, que pode ser objetiva (paciente refere episódio de luxação transitória da patela, geralmente acompanhado de fatores anatômicos predisponentes, como displasia troclear, patela alta, inclinação patelar lateral e aumento da distância entre o centro da tróclea e a tuberosidade da tíbia) ou potencial (há dor e/ou sensação de instabilidade associada às alterações anatômicas que costumam estar presentes nos pacientes com instabilidade objetiva, porém o paciente nega deslocamento patelar).

Em 1999 foi descrita pela primeira vez por Brukner e cols. síndrome clínica denominada “infrapatellar fat pad impingement” e em 2001 Chung e cols. introduziu pela primeira vez na literatura o termo “patelar tendon-lateral femoral condyle friction syndrome” para descrever quadro de dor anterior exacerbada pela hiperextensão do joelho e sensibilidade na região do polo inferior da patela, porém poupando o ligamento patelar. Estes pacientes, geralmente mulheres (cerca de 66% dos casos), encontram-se no limiar entre os indivíduos com síndrome da dor anterior do joelho e aqueles com instabilidade subjetiva, pois é comum encontrarmos nestes casos maior incidência de patela alta e sinais de distúrbio do mecanismo extensor, como deslocamento lateral e maior inclinação lateral da patela, indicando desequilíbrio entre os músculos vastos medial e lateral.

Estudos recentes têm demonstrado alta correlação entre o edema superolateral na gordura de Hoffa e condropatia patelar nos pacientes com dor anterior, por isso devemos buscar ativamente alterações condrais nestes casos.

 

O edema superolateral na gordura de Hoffa tem maior prevalência nos pacientes com:

• Patela alta

• Tróclea rasa

• Aumento da distância TA-GT

 

Como as alterações patelofemorais costumam estar relacionadas, é frequente haver confusão entre as diversas situações:

 

  • Tênue edema na porção superolateral da gordura de Hoffa por atrito entre o ligamento patelar e o côndilo femoral, que muitas vezes é assintomático e não costuma estar acompanhado de outras alterações na articulação patelofemoral.

 

  • Síndrome da hiperpressão lateral da patela, condição sintomática caracterizada por dor junto à margem inferolateral da patela exacerbada pela hiperextensão, em que o edema na porção superolateral da gordura de Hoffa é mais evidente, e que costuma estar associada à patela alta e com maior incidência de alteração na cartilagem da faceta lateral da patela.

Diagnóstico da patela alta – diversas técnicas foram descritas para o diagnóstico de patela alta nas radiografias em perfil realizadas a 30° de flexão - para maiores detalhes veja o caso do mês específico sobre "Patela alta".




Para os métodos seccionais, onde as imagens são obtidas com graus variáveis de flexão, utilizamos o método descrito por Caton-Deschamps (figura 3), que calcula a razão entre a distância entre a margem mais anterior do platô tibial e o ponto mais inferior da margem articular da patela e o comprimento da superfície articular da patela no eixo vertical (da margem interna do polo superior da patela ao ponto mais distal da face articular). Valor normal: 1,0, sendo considerada patela baixa quando a razão é inferior a 0,6 e patela alta quando superior a 1,2.

Alguns autores consideram como limite superior normal até 1,4 no caso da avaliação ser por RM e 1,2 para o RX. 


Figura 3: Representação esquemática da mensuração da altura patelar pelo método de Caton-Deschamps, onde é medida a razão entre a distância entre a margem inferior da face articular da patela e a margem mais anterior do platô tibial (distância T) e o comprimento da superfície articular da patela no eixo vertical (distância C).  Este método pode ser aplicado tanto nos casos de patelas com forma habitual (14a) quanto nas patelas de outros formatos, como a tipo II de Grelsamer (14b). Valor normal (T/C): 1,0.

 

  • Distúrbio do mecanismo extensor - a simples presença de edema na gordura de Hoffa não é suficiente para caracterizar o distúrbio do mecanismo extensor, que é uma situação mais complexa em que geralmente há aumento da inclinação patelar. Para maiores detalhes veja o caso do mês específico sobre "Inclinação patelar e distúrbio do mecanismo extensor".  




  • Alterações na forma da tróclea femoral - a displasia troclear é o fator predisponente à luxação transitória da patela mais importante e muitos destes pacientes também apresentam patela alta e edema na gordura de Hoffa, mas a queixa principal nestes casos é instabilidade. Para maiores detalhes veja o caso do mês específico sobre "Displasia troclear e instabilidade major da patela".




Para consulta das medidas da articulação patelofemoral veja a página NOTAS E MEDIDAS - JOELHO.





O paciente com síndrome da hiperpressão lateral da patela pode referir dor mais lateral que anterior, quadro clínico que pode ser confundido com síndrome do trato iliotibial.





A síndrome do trato (ou banda) iliotibial é a causa mais comum de dor lateral em corredores, causada por fricção entre o trato iliotibial e o côndilo femoral lateral, e pode ser confundido com síndrome da hiperpressão lateral da patela quando o paciente refere dor predominantemente lateral. Nestes casos a avaliação por imagem é fundamental, pois os achados de cada síndrome são bem característicos na RM: o edema na síndrome do trato iliotibial (figura 4) ocorre nos planos adiposos entre o trato iliotibial e o côndilo femoral lateral, em situação mais posterior e inferior em comparação com o edema secundário ao atrito patelofemoral da hiperpressão lateral da patela é na prega alar, situada na porção mais superior e lateral da gordura de Hoffa (figura 5).


Figura 4 (a-b): Imagens de RM na ponderação STIR nos planos axial (4a) e coronal (4b) de paciente com síndrome do trato iliotibial mostrando o edema (setas brancas) entre o trato iliotibial (setas amarelas) e o côndilo femoral lateral.


Figura 5 (a-b): Imagens de RM na ponderação DP com supressão de gordura nos planos axial (5a) e coronal (5b) de outro paciente com síndrome do atrito patelofemoral lateral mostrando o edema (setas laranjas) na porção superolateral da gordura de Hoffa para comparação.



LEITURA SUGERIDA


Kim JH, Lee SK, Jung JY. Superolateral Hoffa's fat pad oedema: Relationship with cartilage T2* value and patellofemoral maltracking. Eur J Radiol. 2019 Sep;118:122-129. doi: 10.1016/j.ejrad.2019.07.012.

Özdemir MKavak RP. Chondromalacia Patella among Military Recruits with Anterior Knee Pain: Prevalence and Association with Patellofemoral Malalignment. Indian J Orthop. 2019 Nov-Dec;53(6):682-688. doi: 10.4103/ortho.IJOrtho_655_18.

 

Barbier-Brion BLerais JMAubry SLepage DVidal CDelabrousse ERunge MKastler B. Magnetic resonance imaging in patellar lateral femoral friction syndrome (PLFFS): prospective case-control study. Diagn Interv Imaging. 2012 Mar;93(3):e171-82. doi: 10.1016/j.diii.2012.01.005.

 

Jibri ZMartin DMansour RKamath S. The association of infrapatellar fat pad oedema with patellar maltracking: a case–control study. Skeletal Radiol 2012 Aug;41(8):925-31. doi: 10.1007/s00256-011-1299-8.

 

 Is Superolateral Hoffa Fat Pad Edema a Consequence of Impingement between Lateral Femoral Condyle and Patellar Ligament? Radiology 2012 May;263(2):469-74. doi: 10.1148/radiol.12111066.

 

Stefanik JJ, Zhu Y, Zumwalt AC, Gross KD, et al. The association between patella alta and the prevalence and worsening of structural features of patellofemoral joint osteoarthritis: The multicenter osteoarthritis study. Arthritis Care and Research 2010;999(999A).

 

Ali S, Heimer R, Terk MR. Patella Alta: Lack of Correlation between patellotrochlear cartilage congruence and commonly used patellar height ratios. AJR 2009;193:1361-1366.

 

Ward SR, Terk MR, Powers CM. Patella alta: association with patellofemoral alignment and changes in contact area during weight-bearing. J Bone Joint Surg Am 2007;89:1749-1755.

 

Chung CB, Skaf A, Roger B, Campos J, Stump X, Resnick D. Patellar tendon-lateral femoral condyle friction syndrome: MR imaging in 42 patients. Skeletal Radiol 2001;30:694-697.

 

Brukner PD, McConnell J, Bergman AG, Bealieu CF, Matheson GO. Infrapatellar fat pad impingement: correlation between clinical and MR findings. Med Sci Sports Exerc 1999;31(5 Supplement):S294.

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