História clínica
Mulher de 61 anos com dor na região das cristas ilíacas há algumas semanas, pior à esquerda, após iniciar aulas de dança de salão há 6 meses. Solicitada ressonância magnética (RM) da bacia.
Figura 1 (a-b): Imagens de RM da bacia no plano coronal (1a) e transversal (1b) na ponderação T2 com supressão de gordura.
Descrição dos achados
Figura 1 (a-b)': Imagens de RM da bacia no plano coronal (1a’) e transversal (1b’) na ponderação T2 com supressão de gordura mostrando edema ao redor da porção proximal da banda iliotibial bilateralmente (setas brancas) com heterogeneidade do sinal junto à sua origem na crista ilíaca por lesão parcial (setas amarelas), um pouco mais acentuado à esquerda.
Discussão
A síndrome da banda iliotibial for descrita pela primeira vez em 2011 por Sher e cols. como uma lesão por estiramento na origem da banda iliotibial na porção anterior da crista ilíaca, sendo essencialmente uma entesopatia por esforço repetitivo.
A banda (ou trato) iliotibial é constituída por fibras do tensor da fáscia lata anteriormente e do glúteo máximo posteriormente, formando um complexo aponeurótico contínuo com a fáscia da aponeurose glútea, tem trajeto superficial ao músculo vasto lateral e se insere distalmente no tubérculo de Gerdy na margem anterolateral da tíbia (figuras 2 e 3).
Figura 2: Ilustração da banda iliotibial, mostrando sua origem na crista ilíaca (asterisco vermelho), sua relação com o tensor da fáscia lata anteriormente, o glúteo máximo posteriormente e o vasto lateral profundamente e sua inserção distal na tíbia (asterisco azul).
Figura 3: Imagem de RM da bacia no plano transversal na ponderação T1 mostrando a relação da banda iliotibial com o tensor da fáscia lata (TFL) anteriormente e os músculos glúteos máximo (GMax), médio (GMed) e mínimo (Gmin) posteriormente.
A síndrome da banda iliotibial proximal é mais comum em mulheres e é frequente a relação com corrida e dança, sendo também observada em mulheres obesas mais velhas.
Edema na origem da banda iliotibial pode ser encontrado em indivíduos assintomáticos, por isso o diagnóstico de síndrome da banda iliotibial só deve ser feito se os achados de imagem forem suportados pelo quadro clínico.
A síndrome da banda iliotibial pode se manifestar como:
- Lesão por sobrecarga – ocorre tipicamente em corredores, sendo também encontrado frequentemente em bailarinos.
- Lesão traumática – ocorre em esportes, quedas e traumas de alta energia, podendo estar associado a lesões na fáscia glútea e no tensor da fáscia lata, variando desde estiramentos leves a roturas parciais ou completas, geralmente maiores que as lesões por sobrecarga e podendo levar a herniações musculares através do defeito fascial.
- Alterações degenerativas – ocorrem fora do contexto do trauma ou prática desportiva, podendo estar também associada a hérnia muscular.
- Alteração inflamatória – entesite na origem da banda iliotibial, alguns autores incluindo na síndrome da dor peritrocanteriana uma vez que estes pacientes podem ter acometimento secundário da fáscia lata.
Achados de imagem:
- Edema adjacente à origem da banda iliotibial
- Espessamento e/ou aumento do sinal da banda iliotibial
- Roturas parciais ou completas da banda iliotibial
- Edema ósseo na crista ilíaca reacional à entesopatia
- Entesófitos na crista ilíaca
- Hérnias musculares
Pontos principais neste caso:
O protocolo adequado e o alto índice de suspeição fazem toda a diferença no diagnóstico da síndrome da banda iliotibial.
Alguns fatores limitantes no diagnóstico da síndrome da banda iliotibial foram discutidos nas “Causas mais comuns de erros diagnósticos e como evitar”:
Condescendência com a má qualidade técnica do exame
É comum nos exames da bacia não ter sinal adequado na porção proximal e/ou a resolução ser baixa, o que prejudica a detecção das alterações na porção proximal da banda iliotibial (figura 4).
Figura 4: Imagem de RM da bacia no plano coronal na ponderação T2 SG com FOV muito grande, baixa resolução e com artefatos secundários à bexiga muito repleta prejudicando a avaliação da banda iliotibial (setas amarelas).
Não inclusão da alteração dentro do campo de visão do exame
Muitas vezes é solicitada RM do quadril em casos de síndrome da banda iliotibial e no protocolo adequado dos exames do quadril a crista ilíaca deve ser incluída no plano coronal. E caso alguma alteração seja detectada, o número de imagens do plano transversal pode ser aumentado ou pode ser feito outro bloco complementar. Entretanto, não é infrequente vermos exames do quadril em que a origem da banda iliotibial não é incluída em nenhuma imagem (figura 5). A colocação de marcador cutâneo na região dolorosa referida pelo paciente ajuda a garantir a inclusão da área de interesse (figura 6).
Figura 5 (a –b): Imagens de RM do quadril no plano coronal na ponderação T2 SG, a da esquerda (5a) com FOV adequado mostrando alteração na origem da banda iliotibial (seta amarela), que tem sinal elevado por rotura parcial com edema ao redor. Na imagem à direita (5b) a região da banda iliotibial (círculo vermelho) não foi incluído. E como a marcação habitual do plano transversal (caixa com linha tracejada amarela) não inclui a crista ilíaca, a banda iliotibial não é identificada em nenhuma imagem.
Figura 6 (a –b): Imagens de RM do quadril no plano coronal na ponderação T1 (6a) e T2 SG (6b) mostrando o marcador cutâneo (seta amarela) localizado próximo do local doloroso referido pela paciente, o que orienta o posicionamento da bobina e do FOV de forma a incluir a região da crista ilíaca (círculo amarelo). Na imagem na ponderação T2 SG (6b) fica evidente o edema junto à origem da banda iliotibial.
Falta de informação sobre o caso
A análise isolada das imagens sem conhecimento do contexto clínico ou do histórico do paciente é uma causa frequente de erros. Anamnese, utilização de questionários, marcadores cutâneos, orientação sobre a importância de pedidos médicos contendo a suspeita e informações clinicas importantes ajudam a evitar laudos não diagnósticos.
Satisfação da busca
Encontrarmos uma alteração na bacia ou no quadril pode fazer com que nos demos por satisfeitos e não busquemos outros achados. A melhor forma de evitar esse tipo de erro é a adoção de checklist – mesmo encontrando uma alteração devemos continuar a analisar as imagens com método para que nenhuma lesão seja negligenciada, sempre avaliando as cristas ilíacas buscando ativamente alterações na banda iliotibial ou avulsões.
LEITURA SUGERIDA
Flato R, Passanante GJ, Skalski MR, Patel DB, White EA, Matcuk GR Jr. The iliotibial tract: imaging, anatomy, injuries, and other pathology. Skeletal Radiol. 2017 May;46(5):605-622. doi: 10.1007/s00256-017-2604-y.
Huang BK, Campos JC, Michael Peschka PG, Pretterklieber ML, Skaf AY, Chung CB, et al. Injury of the gluteal aponeurotic fascia and proximal iliotibial band: anatomy, pathologic conditions, and MR imaging. Radiographics 2013;33(5):1437-52. doi: 10.1148/rg.335125171.
Sher I, Umans H, Downie SA, Tobin K, Arora R, Olson TR. Proximal iliotibial band syndrome: what is it and where is it? Skeletal radiology. 2011; 40(12):1553-6. doi: 10.1007/s00256-011-1168-5.
Bass CJ, Connell DA. Sonographic findings of tensor fascia lata tendinopathy: another cause of anterior groin pain. Skeletal radiology. 2002;31(3):143-8. doi: 10.1007/s00256-001-0459-7
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