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PATELA ALTA

Patrícia Martins e Souza - Janeiro de 2019 

História clínica

 

Adolescente do sexo feminino, 12 anos, com dor anterior no joelho ao praticar exercícios. Nega história de luxação patelar. Realizou estudo por ressonância magnética (RM).

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Figura 1 (a-c): Imagens consecutivas de RM no plano sagital na ponderação T2

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Figura 2 (a-b): Imagens consecutivas de RM no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura.

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Figura 3: Imagem de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura.

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Figura 4 (a-b): Imagens consecutivas de RM no plano axial na ponderação T2 com supressão de gordura.

Descrição dos achados

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Figura 1 (a-c)’: Imagens consecutivas de RM no plano sagital na ponderação T2 onde é possível identificar a patela alta usando como referência tanto a relação do ligamento patelar (linha tracejada amarela LP) com o maior eixo vertical da patela (linha tracejada vermelha P na figura 5a’) quanto a relação da face articular da patela (linha tracejada branca A) com distância entre o polo inferior da patela e a margem anterossuperior do platô tibial (linha tracejada verde PT na figura 5b’). Na figura 5c estão as relações LP-P (linhas tracejadas amarela e vermelha) e PT-A (linhas tracejadas verde e branca) para comparação.

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Figura 2 (a-b)’: Imagens consecutivas de RM no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura mostrando edema na porção superolateral da gordura de Hoffa (setas amarelas).

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Figura 3’: Imagem de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura mostrando edema ósseo subcortical ao longo da periferia do côndilo femoral lateral (seta vermelha).

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Figura 4 (a-b)’: Imagens consecutivas de RM no plano axial na ponderação T2 com supressão de gordura mostrando edema ósseo subcortical ao longo da periferia da porção anterior do côndilo femoral lateral (setas vermelhas) e o edema na porção superolateral da gordura de Hoffa (setas amarelas).

Diagnóstico: Patela alta associada a atrito femoropatelar e instabilidade da patela, com episódio de luxação lateral transitória da patela não percebido pela paciente.

Discussão

A patela encontra-se em posição vertical em relação à tróclea. Em extensão, o polo inferior da patela habitualmente fica em situação superolateral à porção mais superior da tróclea femoral, normalmente encaixando-se completamente à tróclea femoral a partir de 20° de flexão.

 

Quando a patela é anormalmente elevada em relação à tróclea (patela alta), o encaixe ocorre apenas em maiores graus de flexão. Dessa forma, há redução da superfície de contato patelofemoral e a patela permanece mais tempo articulada com a porção superior, a menos profunda da tróclea, ficando mais susceptível a deslocamento. Como consequência, pacientes com patela alta têm maior predisposição a instabilidade, sendo encontrada em 24% dos pacientes com história de luxação patelar.

 

Cerca de metade dos pacientes não percebe o deslocamento patelar, uma vez que o mesmo ocorre muito rapidamente. Por este motivo, é importante reconhecer o padrão de edema típico da luxação transitória da patela (Figuras 5 e 6), na margem medial da patela e ao longo da face externa do côndilo femoral lateral, que é patognomônico, permitindo identificar que o paciente apresentou episódio de luxação, caracterizando instabilidade objetiva.

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Figura 5: Imagem de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura de outro paciente mostrando o padrão de edema típico relacionado a luxação lateral prévia da patela, ao longo do osso subcortical na periferia do côndilo femoral lateral (setas vermelhas).

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Figura 6 (a-b): Imagem de RM no plano axial na ponderação T2 com supressão de gordura confirma o padrão de edema típico relacionado a luxação lateral prévia da patela, ao longo do osso subcortical na periferia do côndilo femoral lateral (setas vermelhas) e na margem medial da patela (seta branca).

Veja também o caso do mês de outubro/17 que aborda a luxação aguda da patela e o padrão de edema ósseo típico na página NOTAS-Joelho.

A síndrome da fricção (atrito) entre o ligamento patelar e o côndilo femoral lateral, onde se observa edema na porção superolateral da gordura de Hoffa, também está relacionada à patela alta (Figura 8).

 

O atrito femoropatelar é conceitualmente diferente da síndrome de pressão lateral excessiva ou síndrome da compressão lateral, onde ocorre uma inclinação lateral anormal da patela (aumento do “tilt” patelar), sem deslocamento, sendo também uma causa de dor anterior que pode estar relacionada a distúrbio do mecanismo extensor. Por isso, devemos ser cautelosos ao associar edema na gordura de Hoffa a distúrbio do mecanismo extensor, pois nem sempre é o caso. O caso do mês de janeiro/18 aborda com mais detalhes a relação entre a inclinação patelar com o mecanismo extensor.

Diagnóstico da patela alta

Diversas técnicas foram descritas para o diagnóstico de patela alta nas radiografias em perfil realizadas a 30° de flexão. As medidas mais utilizadas são:

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1- Método de Insall-Salvati - a razão entre o comprimento do ligamento patelar (medido na sua margem interna, da cortical inferior da patela e a margem superior da tuberosidade da tíbia) e o maior diâmetro da patela no eixo vertical (da margem interna do polo superior da patela ao ponto mais distal do polo inferior).  Valor normal: 1,0 (+/- 0,2), sendo considerada patela baixa quando a razão é inferior a 0,8 e patela alta quando superior a 1,2 (Figura 7).

Figura 7: Representação esquemática da mensuração da altura patelar pelo método de Insall-Salvati, onde é medida a razão entre o comprimento da margem interna do ligamento patelar (distância LP) e o maior diâmetro da patela no eixo vertical (distância A) da margem interna do polo superior da patela ao ponto mais distal do polo inferior.  Valor normal (LP/A): 1,0.

Uma causa de erro na mensuração pela técnica de Insall-Salvati é a patela que apresenta proeminência do polo inferior, conhecida como 'nariz de Cyrano'*, e a patela que apresenta achatamento do polo inferior, as patelas tipo II e III pela classificação de Grelsamer, que podem levar a diagnósticos falso positivos de patela alta e baixa, respectivamente (Figura 8).

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Cyrano de Bergerac foi um escritor francês nascido em 1619, famoso por seu grande nariz, tendo inclusive participado de inúmeros duelos, grande parte deles decorrentes de piadas sobre o tamanho do seu nariz,  se consagrando como espadachim, escritor e livre-pensador com ideias a frente do seu tempo. Ficou conhecido principalmente pela peça ficcional homônima escrita em 1897 e o filme de 1990 retratando sua vida, estrelado por Gérard Depardieu e indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

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O formato do seu nariz foi também comparado ao tipo da patela onde a face anterior é maior que a face articular posterior devido à proeminência do polo inferior.

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Figura 8: Representação esquemática dos tipos de patela em perfil pela classificação de Grelsamer. No tipo I há maior simetria entre a superfície articular posteriormente, demonstrada pela cartilagem em azul, e o eixo longo da patela. No tipo II a superfície articular apresenta encurtamento variável associado a prolongamento do polo inferior (seta preta) não recoberto por cartilagem (conhecido como nariz de Cyrano). No tipo III há achatamento do polo inferior da patela (seta preta), porém a superfície articular tem extensão normal.

2- Método de Insall-Salvati modificado - utilizado em conjunto com o método de Insall-Salvati nos casos que apresentam alteração na forma da patela. Descrita como a razão entre o comprimento do ligamento patelar (medido da cortical inferior da patela e a margem superior da tuberosidade da tíbia) e o maior diâmetro da superfície articular da patela no eixo vertical (da margem interna do polo superior da patela ao ponto mais distal da face articular).  Valore normal: 1,25, sendo considerada patela alta quando superior a 2,0 (Figura 9).

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Figura 9 (a-b): Representação esquemática (9a) e imagem de RM no plano sagital na ponderação T2 (9b) mostrando a mensuração da altura patelar pelo método de Insall-Salvati modificado, onde é medida a razão entre a distância D, da margem inferior da superfície articular da patela a margem interna da inserção do ligamento patelar e o comprimento da superfície articular da patela no eixo vertical (distância C). Valor normal (D/C): 1,25.

A mensuração pela técnica de Insall-Salvati também pode ser prejudicada por outras alterações ósseas na patela ou na tuberosidade da tíbia (sequela de fratura, material de ostessíntese, síndrome de Sinding-Larsen-Johansson, síndrome de Osgood-Schlatter, etc.), sendo útil o emprego de outros métodos que podem ser utilizados em diversas situações, como:

3- Método de Caton-Deschamps - razão entre a distância entre a margem mais anterior do platô tibial e o ponto mais inferior da margem articular da patela e o comprimento da superfície articular da patela no eixo vertical. Como os valores não sofrem interferência significativa nos diversos graus de flexão pode ser utilizado tanto nas imagens radiográficas como na TC e RM.  Pode também ser usado sem problemas na avaliação pós-cirúrgica uma vez que material metálico na tuberosidade da tíbia não interfere na mensuração.  Valor normal: 1,0. Considerada patela baixa quando a razão é inferior a 0,8 e patela alta quando superior a 1,2 (Figura 10).

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Figura 10 (a-b): Representação esquemática da mensuração da altura patelar pelo método de Caton-Deschamps, onde é medida a razão entre a distância entre a margem inferior da face articular da patela e a margem mais anterior do platô tibial (distância T) e o comprimento da superfície articular da patela no eixo vertical (distância C).  Este método pode ser aplicado tanto nos casos de patelas com forma habitual (10a) quanto nas patelas de outros formatos, como a tipo II de Grelsamer (10b). Valor normal (T/C): 1,0.

4- Método de Blackburne-Peel - razão entre a menor distância entre a margem inferior da face articular da patela e a linha paralela à face articular do platô tibial e o comprimento da superfície articular da patela no eixo vertical (da margem interna do polo superior da patela ao ponto mais distal da face articular).  Valor normal: 0,8, sendo considerada patela baixa quando a razão é inferior a 0,5 e patela alta quando superior a 1,0 (Figura 11).

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Figura 11: Representação esquemática da mensuração da altura patelar pelo método de Blackburne-Peel, onde é medida a razão entre a menor distância (distância T) entre a margem inferior da face articular da patela e a linha paralela à face articular do platô tibial (linha tracejada) e o comprimento da superfície articular da patela no eixo vertical (distância C). Valor normal (T/C): 0,8.

Como os valores normais foram descritos nas radiografias com 30° de flexão, é preciso cautela ao transpor os valores normais para os métodos seccionais (TC e RM) que costumam ser realizados em extensão ou em menores graus de flexão, o pode resultar em diagnósticos falso positivos dependendo do método empregado.

 

Alguns autores recomendam considerar nos exames de RM valor inferior a 0,9 para o diagnóstico de patela baixa e razão superior a 1,3 para o diagnóstico de patela alta em extensão pelo método de Insall-Salvati.

 

A patela alta também pode estar relacionada à inclinação lateral excessiva, o que contribui para o aumento da pressão no compartimento lateral.

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Pontos principais neste caso:

- A patela alta pode ocorrer em pacientes assintomáticos, mas devemos sempre buscar sinais das alterações que podem estar associadas: condropatia, inclinação lateral excessiva da patela e outros fatores de risco para instabilidade (como displasia troclear) e sinais de luxação transitória (edema típico).

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- Nem sempre edema na porção superolateral da gordura de Hoffa significa que paciente tem distúrbio do mecanismo extensor ou síndrome de hiperpressão lateral.

LEITURA SUGERIDA

Patrícia Martins e Souza, Marcelo Sadock de Sá Gabetto, Marcelo Ganem Serrão, Luiz Antônio Martins Vieira, Diogo Cals de Oliveira. Instabilidade femoropatelar: avaliação por ressonância magnética. Rev Bras Ortop. 2013;48(2):159-164.

 

Lee PP, Chalian M, Carrino JA, Eng J, Chhabra A. Multimodality correlations of patellar height measurement on X-ray, CT, and MRI. Skeletal Radiol. 2012 Sep; 41(10):1309-14. doi: 10.1007/s00256-012-1396-3.

 

Stefanik JJ, Zhu Y, Zumwalt AC, Gross KD, et al. The association between patella alta and the prevalence and worsening of structural features of patellofemoral joint osteoarthritis: The multicenter osteoarthritis study. Arthritis Care and Research. 2010;999(999A).

 

Barbier-Brion BLerais JMAubry SLepage DVidal CDelabrousse ERunge MKastler B. Magnetic resonance imaging in patellar lateral femoral friction syndrome (PLFFS): prospective case-control study. Diagn Interv Imaging. 2012 Mar;93(3):e171-82. doi: 10.1016/j.diii.2012.01.005.

 

Ali S, Heimer R, Terk MR. Patella Alta: Lack of Correlation between patellotrochlear cartilage congruence and commonly used patellar height ratios. AJR 2009;193:1361-1366.

 

Ward SR, Terk MR, Powers CM. Patella alta: association with patellofemoral alignment and changes in contact area during weight-bearing. J Bone Joint Surg Am 2007;89:1749-1755.

 

Abreu A. A patela – diagnóstico por imagem. Ed. Revinter 2005.

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