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HEMIVÉRTEBRA DORSAL

Patrícia Martins e Souza - Maio de 2020 

História clínica

 

Homem, 25 anos, em pré-operatório de escoliose apresentando dor lombar. Solicitadas radiografia panorâmica e tomografia computadorizada (TC) da coluna vertebral e ressonância magnética (RM) da coluna lombar.

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Figura 1 (a-b): Radiografias panorâmica da coluna vertebral (1a) e da coluna lombar (1b) na incidência anteroposterior (AP). Não foi solicitada incidência em perfil.

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Figura 2 (a-g): Reconstrução tomográfica com a técnica MPR curva da coluna vertebral no plano coronal de anterior (2a) para posterior (2g).

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Figura 3 (a-f): Reconstrução tomográfica com a técnica MPR curva da coluna vertebral no plano sagital da direita (3a) para a esquerda (3f).

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Figura 4 (a-c): Reconstrução tomográfica com a técnica MPR no plano transversal dos corpos vertebrais de T12 (4a), L1 (4b) e L2 (4c).

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Figura 5 (a-b): RM da coluna lombar no plano sagital nas ponderações T2 (5a) e T1 (5b).

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Figura 6 (a-b): RM da coluna lombar no plano transversal na ponderação T2 no nível da margem inferior do corpo vertebral de L1 (6a) e do platô superior de L2 (6b). À direita imagens da coluna no plano sagital na ponderação T2 indicando o nível das respectivas imagens transversais.

Descrição dos achados

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Figura 1 (a-b)’: Radiografias panorâmica da coluna vertebral (1a’) e da coluna lombar (1b’) na incidência anteroposterior (AP), mostrando curva escoliótica (seta tracejada laranja). O corpo de L1 tem aspecto aparentemente “achatado” (setas brancas) e a vértebra L2 (seta amarela) é mal definida, o que sugere alteração morfoestrutural na transição toracolombar.

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Figura 2 (a-g)’: Reconstrução tomográfica com a técnica MPR curva da coluna vertebral no plano coronal de anterior (2a’) para posterior (2g’) onde se nota ausência da porção anterior do corpo vertebral L1 (seta branca), que só é individualizado na metade posterior (setas azuis). Há também redução da altura da porção anterior dos corpos vertebrais T12(seta vermelha) e L2 (seta amarela), que têm altura normal na porção posterior.

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Figura 3 (a-f)’: Reconstrução tomográfica com a técnica MPR curva da coluna vertebral no plano sagital da direita (3a’) para a esquerda (3f’) onde se nota ausência da porção anterior do corpo vertebral L1 (seta branca), com cifose angular neste nível (linha tracejada vermelha). A vértebra L1 só é individualizado na metade posterior (setas azuis). Há redução da altura da porção anterior dos corpos vertebrais T12 (seta vermelha) e L2 (seta amarela), que têm altura normal na porção posterior e apresentam osteofitos marginais anteriormente (setas laranja).

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Figura 4 (a-c)’: Reconstrução tomográfica com a técnica MPR no plano transversal dos corpos vertebrais de T12 (4a’), onde se observa osteofito marginal anterior (seta laranja), a ausência da porção anterior (seta branca) do corpo de L1 (4b’), que apresenta apenas a metade posterior (seta azul) e o corpo de L2 (4c’).

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Figura 5 (a-b’): RM da coluna lombar no plano sagital nas ponderações T2 (5a’) e T1 (5b’) mostrando a ausência da porção anterior do corpo de L1 (seta branca), que apresenta apenas a metade posterior (setas azuis), a redução da altura da porção anterior dos corpos vertebrais T12 (seta vermelha) e L2 (seta amarela), que têm altura normal na porção posterior e apresentam osteofitos marginais anteriormente (setas laranja) e discreta alteração do sinal de aspecto degenerativo nas margens apostas.

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Figura 6 (a-b)’: RM da coluna lombar no plano transversal na ponderação T2 no nível da margem inferior do corpo vertebral de L1 (6a’) mostrando o osteofito anterior em t2 (seta laranja) e a ausência da metade anterior do corpo de l1 (seta branca). Imagem do platô superior de L2 (6b’). À direita imagens da coluna no plano sagital na ponderação T2 indicando o nível das respectivas imagens transversais.

Discussão

Escoliose é definida pela presença de uma ou mais curvas laterais da coluna vertebral no plano coronal.

O método mais utilizado para quantificar a escoliose é o descrito por Lippman-Cobb (adotado e preconizado pela Scoliosis Research Society), em que a escoliose é considerada significativa quando há desvio lateral no plano frontal ≥ 10°.

Para maiores detalhes em relação à nomenclatura e mensuração da escoliose veja o tópico “Escoliose” na página Notas & Medidas /Coluna.

Embora a escoliose seja geralmente idiopática (cerca de 80% dos casos), diversas alterações neurológicas e ósseas, congênitas ou adquiridas, podem levar a curvaturas anormais da coluna. Veja no quadro 1 a classificação etiológica da escoliose.

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Quadro 1: Classificação etiológica da escoliose.

O diagnóstico da escoliose é feito pelo exame físico e radiografias panorâmicas da coluna vertebral em posição ortostática, que permite sua quantificação, classificação e acompanhamento evolutivo. As deformidades vertebrais podem também ser identificadas na ultrassonografia pré-natal.

 

A TC é indicada quando é necessário pesquisar algum fator subjacente, ou seja, quando há suspeita da escoliose não ser idiopática, e no planejamento cirúrgico dos casos com deformidades muito acentuadas.

 

A RM é utilizado em casos mais selecionados e suas principais indicações são:

  • Idade < 10 anos

  • Sinais de acometimento neurológico

  • Progressão rápida

  • Deformidade dos pés

  • Dor lombar ou cervical

  • Suspeita de hérnias discais

  • Cefaleia associada

 

Nesse caso houve a suspeita de escoliose secundária a anomalia congênita osteogênica, em que a TC identificou hemivértebra dorsal em L1. A RM excluiu a presença de hérnia discal, confirmando a deformidade de L1 e demonstrando alterações degenerativas nas margens apostas dos corpos vertebrais de T12 e L2, que apresentam deformidade secundária à presença da hemivértebra dorsal em L1 com cifose angular em correspondência.

 

A vértebra normal é composta do corpo, que tem formato retangular, com leve concavidade central, os pedículos e o arco posterior (figura 7). 

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Figura 7 (a-b): Representação esquemática da porção óssea da vértebra normal, composta pelo corpo (em azul), arco posterior (em verde) e os pedículos (em vermelho), que unem a coluna anterior ao arco posterior.

Podem ocorrer diversas alterações na forma do corpo vertebral, congênitas ou adquiridas, conforme listadas no quadro 2.

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Quadro 2: Tipos de deformidade congênitas e adquiridas do corpo vertebral.

As mal-formações congênitas da coluna vertebral são divididas em anomalias de formação, segmentação ou ambas (quadro 3).

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Quadro 3: Tipos de anomalias congênitas da coluna vertebral.

Nas primeiras 6 semanas de gestação começa o desenvolvimento vertebral. Durante a 6ª semana surgem 3 centros de ossificação primários na vértebra: um no centro, dividido em porções ventral e dorsal, que vão formar o corpo vertebral, e um de cada lado do arco vertebral que formarão os elementos do arco posterior (figura 8). Existem também 5 centros de ossificação secundários que se formam após o nascimento: no topo de cada processo transverso, na extremidade do processo espinhoso e nas margens superior e inferior do corpo vertebral.

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Figura 8: Representação esquemática do futuro corpo vertebral no plano transversal, mostrando os centros de ossificação que vão formar o corpo anteriormente e os elementos do arco posterior.

Qualquer desvio no desenvolvimento normal do corpo vertebral leva a anomalias congênitas de sua configuração dependendo da época da embriogênese, conforme ilustrado na figura 9.

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Figura 9: Representação esquemática do desenvolvimento normal do corpo vertebral no plano transversal (imagens da linha superior) e as anomalias congênitas osteogênicas que surgem nas diferentes etapas do desenvolvimento vertebral (imagens da linha inferior). Em cinza está representada a área ossificada da vértebra ao final do desenvolvimento.

Hemivértebra é um tipo de anomalia congênita que resulta na formação de apenas metade do corpo vertebral, sendo a causa mais comum de escoliose congênita.

 

É também conhecida como aplasia unilateral do corpo vertebral e falência completa unilateral da formação do corpo vertebral, podendo ser lateral, dorsal ou ventral (extremamente rara).

O não desenvolvimento de um dos centros de ossificação lateral do corpo vertebral faz com que a vértebra funcione como uma cunha na coluna vertebral, levando a curvatura lateral excessiva (escoliose). A hemivértebra lateral corre em cerca de 5 a 10/10.000 nascimentos e é mais comum em mulheres.

No caso da hemivértebra dorsal a falência na formação da porção anterior da vértebra resulta em cifose progressiva, com incidência estimada em 0,3/1.000 nascimentos. A hemivértebra ventral, em contrapartida, levaria a lordose.

Pode acometer uma ou múltiplas vértebras e ter associação com outras anomalias congênitas, como deformidades de arcos costais, membros e medula espinhal, mucopolissacaridoses e anomalias cardíacas, renais, gastrointestinais do sistema nervoso central e como parte de algumas síndromes, como Jarcho‑Levin, Aicardi, Klippel‑Fiel, Gorlin e VACTERL.

 

As hemivértebras podem também ser classificadas em diversos tipos, dependendo da presença ou não de alguma forma de alteração na segmentação (quadro 4 e figura 10).

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Quadro 4: Tipos de hemivértebras.

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Figura 10: Representação esquemática da coluna vertebral no plano coronal mostrando os subtipos de hemivértebra lateral e no plano sagital mostrando a hemivértebra dorsal.

Os diagnósticos diferenciais mais comuns da hemivértebra são as vértebras em bloco, em borboleta e em cunha.

Para maiores detalhes das demais mal-formações congênitas dos corpos vertebrais veja a página CLASSIFICAÇÕES - COLUNA.

O prognóstico depende da quantidade de níveis acometidos, progressão da deformidade e associação com outras anomalias congênitas e síndromes. A hemivértebra acometendo a transição lombossacra é a que apresenta o pior prognóstico.

Pontos principais neste caso:

 

- O primeiro exame por imagem na avaliação da escoliose deve ter 2 incidências: anteroposterior e perfil para identificação de outras alterações, como cifose e redução da altura dos corpos vertebrais. 

​

- É papel fundamental do radiologista na avaliação da escoliose identificar outras alterações associadas, semdo importante manter alto nível de suspeição e avaliar vértebra por vértebra, não se limitando apenas à avaliação da curva escoliótica.

LEITURA SUGERIDA

Zhang YB, Zhang JG. Treatment of early-onset scoliosis: techniques, indications, and complications. Chin Med J (Engl). 2020 Feb 5;133(3):351-357. doi: 10.1097/CM9.0000000000000614.

 

Nazareth AAndras LMKrieger MDSkaggs DL. Bilateral Congenital Posterior Hemivertebrae and Lumbar Spinal Stenosis Treated With Posterior Spinal Fusion and Instrumentation. J Am Acad Orthop Surg Glob Res Rev. 2019 Oct 2;3(10). pii: e19.00054. doi: 10.5435/JAAOSGlobal-D-19-00054.

 

Johal JLoukas MFisahn CChapman JROskouian RJTubbs RS. Hemivertebrae: a comprehensive review of embryology, imaging, classification, and management. Childs Nerv Syst. 2016 Nov;32(11):2105-2109. Epub 2016 Jul 23.

 

Kim H, Kim HS, Moon ES, Yoon CS, Chung TS, Song HT, Suh JS, Lee YH, Kim S. Scoliosis imaging: what radiologists should know. Radiographics. 2010 Nov;30(7):1823-42. doi: 10.1148/rg.307105061.

Erratum in:RadioGraphics 2015;35(4):1316 • DOI: 10.1148/rg.2015154011

Page 1831, column 1, paragraph 2, lines 6–10: The sentence should read as follows: “Curves with a Cobb angle of 30°–50° at skeletal maturity progress 10°–15° during a normal lifetime [not 10°–15° per year during a normal lifetime], whereas curves with a Cobb angle of 50°–75° at skeletal maturity progress at a rate of 1° per year (28).”

 

Kaplan KMSpivak JMBendo JA. Embryology of the spine and associated congenital abnormalities. Spine J. 2005 Sep-Oct;5(5):564-76.

 

Kumar R, Guinto FC Jr,Madewell JE,Swischuk LE,David R. The vertebral body: radiographic configurations in various congenital and acquired disorders. Radiographics. 1988 May; 8(3): 455-85.

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