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ROTURA COMPLETA DO TENDÃO CALCÂNEO

Patrícia Martins e Souza - Março de 2020 

História clínica

 

Homem, 35 anos, refere dor posterior intensa após queda do esqui com limitação da flexão. Solicitada ressonância magnética (RM) do tornozelo.

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Figura 1 (a-f): Imagens de RM no plano sagital na ponderação T2 com supressão de gordura (a-c) e T1 (d-f).

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Figura 2: Imagem de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura.

Descrição dos achados

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Figura 1 (a-f)’: Imagens de RM no plano sagital na ponderação T2 com supressão de gordura (a-c) e T1 (d-f) mostrando a rotura na porção não-insercional do tendão de Aquiles que apresenta sinal heterogêneo com pequena quantidade de líquido de permeio identificado na sequência com supressão de gordura (setas vermelhas) e sinal intermediário na ponderação T1 (setas laranjas). Os cotos tendíneos proximal (asteriscos azuis) e distal (asteriscos verdes) podem ser identificados em ambas as ponderações.

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Figura 2’: Imagem de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura mostrando o coto proximal (asterisco azul), as fibras distais (seta verde) e o intervalo da rotura (seta vermelha).

Discussão

O local mais frequente de rotura do tendão de Aquiles (cerca de 80% dos casos) ocorre de 3 a 6 cm proximal à inserção, conhecido como “zona crítica”. A maior parte da vascularização do tendão de Aquiles é feita por ramos da artéria tibial posterior que supre as porções proximal e distal, sendo que o terço médio do tendão (o segmento localizado a cerca de 3 a 6 cm da inserção) é nutrido por ramos da artéria fibular e é relativamente hipovascularizado, o que faz esta região ser mais susceptível a lesões.

 

A incidência de rotura do tendão de Aquiles é maior no sexo masculino (5:1 a 30:1) e tem aumentado em parte pelo envelhecimento da população e aumento da prática de esportes, com maior pico em indivíduos de 30 a 39 anos seguido por um segundo pico dos 60 a 80 anos.

 

A tendinopatia é a condição patológica mais comum que acomete o tendão de Aquiles e é subdividida em:

 

  • Insercional – na inserção calcânea, que possui entese complexa que frequentemente está associada a entesopatia e/ou entesite. Para maiores detalhes da anatomia do tendão de Aquiles e as alterações na entese veja o caso do mês de fevereiro/2020, em que foi discutida a entesopatia calcânea.

  • Não-insercional – na região do tendão de 2 a 6 cm proximal à inserção.

Existem 3 mecanismos de rotura, sendo o mais comum a contração excêntrica durante corrida ou saltos, com:

  • Joelho estendido, força em valgo no antepé suportando o peso do corpo.

  • Dorsoflexão do tornozelo inesperada.

  • Dorsoflexão violenta com o pé em flexão plantar.

​

Os atletas são o grupo mais susceptível à tendinopatia não-insercional, principalmente os corredores de longa distância. O sintoma mais frequente é a dor, mais comum na margem posteromedial do tendão, que tipicamente é mais intensa ao primeiro movimento após período de repouso, interferindo na função e nas atividades esportivas.

 

Quando o tendão rompe, o paciente geralmente sente um “pop” e refere a sensação de ter sentido um chute no local da lesão. Apesar de a dor ser imediata, ela se resolve rapidamente, e o paciente passa a referir predominantemente fraqueza e alteração na marcha.

 

Quando a rotura não acontece durante a prática esportiva, pode passar despercebida pelo paciente (o que ocorre em até 25% dos casos), levando a dor crônica e limitação funcional. O diagnóstico é mais difícil nesses casos porque o paciente não se apresenta com dor e, embora o tendão de Aquiles seja o flexor plantar principal, os músculos tibial posterior, fibulares e plantares podem exercer essa função, mascarando o exame físico. A palpação local também deixa de ser confiável, pois após 4 semanas o hematoma passa a ser substituído por tecido fibrocicatricial que preenche o “gap” entre os cotos tendíneos.

 

Diagnóstico diferencial das roturas do tendão de Aquiles:

  • Peritendinite

  • Estiramento e/ou rotura do gastrocnêmio ou solear

  • Fratura

  • Lesão ligamentar

  • Lesão dos fibulares

 

Avaliação por imagem das roturas do tendão do Aquiles:

 

A rotura do tendão de Aquiles pode ser suspeitada na radiologia convencional através de alguns sinais na incidência lateral do tornozelo:

 

  • Redução do ângulo de Toygar: o ângulo entre a superfície cutânea adjacente ao tendão de Aquiles deve ser normalmente > 150° (figura 3).

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Figura 3: Radiografia em perfil do tornozelo mostrando o ângulo de Toygar normal (linhas amarelas), formado pelo ângulo entre a superfície cutânea adjacente ao tendão de Aquiles, que se aproxima geralmente dos quase 180°, sendo considerado o limite inferior normal de 150°.

  • Perda do contorno normal e alteração da densidade da gordura de Kager - área triangular radiolucente limitada pelo flexor longo do hálux anteriormente, o tendão de Aquiles posteriormente e o calcâneo inferiormente (figura 4).

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Figura 4: Radiografia em perfil do tornozelo mostrando a gordura de Kager normal (asterisco amarelo), identificada como área triangular radiolucente delimitada pela margem posterossuperior do calcâneo (linha tracejada branca), margem anterior do tendão de Aquiles (linha tracejada verde) e margem posterior do flexor longo do hálux (linha tracejada azul).

  • Sinal de Arner positivo: o tendão de Aquiles apresenta desvio anterior e perde o paralelismo com a superfície cutânea.

 

Por ser um tendão superficial, a ultrassonografia é um ótimo método para avaliar a rotura do tendão de Aquiles, embora o padrão ouro seja a ressonância magnética.

 

Nas roturas crônicas do tendão de Aquiles é comum a associação com atrofia da musculatura da panturrilha, que geralmente se inicia no solear.

 

Não há consenso sobre o tratamento ideal das roturas do tendão de Aquiles e, embora a incidência de rotura esteja aumentando, o número de cirurgias têm diminuído devido a protocolos de reabilitação funcional mais eficientes.

 

Na mensuração das roturas do tendão de Aquiles devemos informar (figura 5):

​

  • Se a rotura é na inserção ou é no segmento não insercional.

 

  • Nas roturas na inserção informar se há retração tendínea proximal e de quantos centímetros.

 

  • Nas roturas não insercionais informar a distância entre a rotura e a inserção e o intervalo entre os cotos tendíneos.

​​

  • O estado dos cotos tendíneos (se há muita irregularidade e/ou alteração acentuada do sinal).

​

​

Figura 5a-b: Imagens de RM no plano sagital na ponderação DP com supressão de gordura mostrando em 5a o segmento insercional do tendão de Aquiles, que tem cerca de 2 cm de extensão (seta dupla verde), o local da inserção tendínea (seta amarela) e o segmento não-insercional (chave branca), onde se observa a rotura tendínea (setas vermelhas). Na figura 5b estão ilustradas as medidas que devem ser fornecidas na rotura não-insercional: a distância entre a rotura e a inserção (linha tracejada branca) e o intervalo entre os cotos (linha dupla vermelha). Se a rotura for na inserção, devemos informar a retração, ou seja, a distância entre o sítio da inserção e o tendão retraído (linha tracejada vermelha).

Pontos principais neste caso:
– Conhecer as diferenças entre a tendinopatia insercional x não-insercional, onde as roturas completas são mais comuns.

​

– Saber o que deve ser informado nas roturas para o planejamento cirúrgico.

LEITURA SUGERIDA

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Park YH, Lim JW, Choi GW, Kim HJ. Quantitative Magnetic Resonance Imaging Analysis of the Common Site of Acute Achilles Tendon Rupture: 5 to 8 cm Above the Distal End of the Calcaneal Insertion. Am J Sports Med. 2019 Aug;47(10):2374-2379. doi: 10.1177/0363546519858990.

 

Bäcker HC, Wong TT, Vosseller JT. MRI Assessment of Degeneration of the Tendon in Achilles Tendon Ruptures. Foot Ankle Int. 2019 Aug;40(8):895-899. doi: 10.1177/1071100719845016.

 

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