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ROTURA DO TENDÃO BRAQUIAL

Patrícia Martins e Souza - Novembro de 2019 

História clínica

 

Homem, 35 anos, apresentando dor e impotência funcional no cotovelo após musculação, com suspeita de rotura distal do bíceps braquial. Solicitada RM do cotovelo:

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Figura 1 (a-f): Imagens consecutivas de RM no plano coronal na ponderação DP com supressão de gordura (a-c) e T1 (d-f).

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Figura 2 (a-h): Imagens consecutivas de RM no plano transversal na ponderação DP com supressão de gordura (a-d) e T1 (e-h).

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Figura 3 (a-d): Imagens consecutivas de RM no plano sagital na ponderação T2 com supressão de gordura.

Descrição dos achados

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Figura 1 (a-f)’: Imagens consecutivas de RM no plano coronal onde é possível identificar a unidade miotendínea do braquial na ponderação DP com supressão de gordura (setas amarelas) e T1 (setas brancas), em que o tendão apresenta baixo sinal. A sua inserção na tuberosidade ulnar não é identificada, observando-se infiltração líquida em correspondência na ponderação DP com supressão de gordura (setas azuis) secundária à rotura tendínea.

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2 (a-h)’: Nas imagens consecutivas de RM no plano transversal é possível identificar a unidade miotendínea do braquial na ponderação DP com supressão de gordura com edema de permeio (setas amarelas) e na ponderação T1 (seta branca), em que o tendão apresenta baixo sinal. A sua inserção na tuberosidade ulnar não é identificada devido à rotura, observando-se infiltração líquida em correspondência na ponderação DP com supressão de gordura (setas azuis). Na ponderação T1 o líquido tem sinal isointenso ao músculo, prejudicando a diferenciação miotendínea (setas verdes).

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Figura 3 (a-d)’: Imagens consecutivas de RM no plano sagital na ponderação T2 com supressão de gordura mostrando a inserção normal do bíceps braquial (seta vermelha) na tuberosidade radial e a unidade miotendínea do braquial (seta amarela), com rotura do tendão junto à inserção ulnar e infiltração líquida em correspondência (setas azuis).

Discussão

Roturas isoladas do braquial são raras e a apresentação é similar às lesões distais do bíceps braquial que são muito mais frequentes, o que torna o diagnóstico difícil clinicamente.

Embora as roturas tendíneas possam ocorrer isoladamente, existem alguns fatores predisponentes, como uso de esteroides anabolizantes, fumo e tendinose.

As roturas do braquial podem ocorrer na inserção ulnar, na junção miotendínea ou no ventre muscular (aproveite para rever a nomenclatura da unidade miotendínea, as diversas classificações das lesões miotendíneas e o blog deste mês com um resumo do que é importante informar de cada classificação).

O músculo braquial se origina na margem anterior do terço distal do úmero (figura 4), próximo das inserções do deltoide e do coracobraquial, e se insere na tuberosidade da face anterior do processo coronoide da ulna (tuberosidade ulnar). É o flexor do antebraço mais importante, mais forte até que o bíceps braquial por não ser biarticular, tendo relação apenas com a articulação do cotovelo.

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Figura 4: Representação esquemática da origem do braquial, próxima das inserções do coracobraquial e do deltoide.

A inervação primária do músculo braquial é feita pelo nervo musculocutâneo, ramo terminal do cordão lateral do plexo braquial (raízes de C5-C7) que inerva também os músculos coracobraquial e bíceps braquial (figura 5). Além do musculocutâneo, parte do músculo braquial de 70 a 80% das pessoas tem inervação dupla, com contribuição de ramo do nervo radial na porção lateral. Veja a anatomia do PLEXO BRAQUIAL e a inervação sensitiva do membro superior na página ANATOMIA / OUTROS.

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Figura 5: Representação esquemática do nervo musculocutâneo e seus ramos motores para os músculos coracobraquial, as cabeças curta e longa do bíceps braquial e o braquial. Distalmente o nervo musculocutâneo dá origem aos ramos anterior e posterior do nervo cutâneo lateral do antebraço, responsáveis pela inervação sensitiva da porção lateral do antebraço.

Os pacientes com rotura isolada do braquial costumam descrever episódio de trauma em hiperextensão relacionado a uso de peso com resistência. A rotura pode ser acompanhada de dor no momento da lesão ou mais tardia, no decorrer da perda da função e aumento do edema. A maioria dos pacientes não refere o clássico “pop” que habitualmente ocorre em outras lesões tendíneas agudas, como na rotura do bíceps distal. Outra diferença em relação à rotura do bíceps é a habitual ausência do “gap” facilmente detectado durante o exame físico devido à localização mais profunda das lesões do braquial, o que torna seu diagnóstico clínico mais difícil.

 

Apesar das radiografias serem úteis na exclusão de fraturas, é fundamental a realização de exames como ultrassonografia e/ou ressonância magnética para o correto diagnóstico das roturas do braquial que podem ser facilmente confundidas com lesões do bíceps braquial.

 

Embora não exista ainda consenso na literatura sobre o melhor tratamento, a maioria dos autores preconiza o tratamento conservador no caso de rotura do braquial sem outras lesões concomitantes, apresentando bons resultados com retorno completo às atividades e recuperação completa da performance em torno de 3 semanas a 10 meses quando associado a fisioterapia específica, na dependência da idade, sintomatologia, localização e gravidade da rotura e lesões pré-existentes.

Para isso, é fundamental nas roturas tendíneas descrevermos:

- Estado geral do tendão, ajudando a diferenciar um tendão previamente normal que sofreu rotura de um tendão que já apresentava alterações crônicas.

- Localização da rotura (inserção, junção miotendínea, intramuscular, etc.).

- Tipo de rotura (completa ou parcial).

- Avaliar o grau de retração e se há delaminação associada.

- Identificar alterações concomitantes, como outras roturas tendíneas e hematoma.

​

Pontos principais neste caso:
– Conhecer a anatomia e formas de lesão miotendínea.

​

– Estar familiarizado com os principais problemas técnicos relacionados à RM do cotovelo.

Artefatos de movimento – muitas vezes na tentativa de obter um exame ideal, na posição de “Superhomem” com o cotovelo no centro do magneto, esquecemos que o paciente com dor e limitação dificilmente consegue manter esse posicionamento, sendo preferível a realização do exame com o braço ao longo do corpo com bobina flexível para evitar movimentação.

 

Marcação inadequada – não usar as referências adequadas para a marcação e não incluir a tuberosidade radial no plano transversal - ou por uso de protocolo com número insuficiente de imagens ou por posicionar o FOV muito proximal (figuras 6 e 7).

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Figura 6 (a-c): Marcação ideal do plano transversal do cotovelo. A referência para o plano transversal é a interlinha articular entre o úmero e o rádio e a ulna proximais no plano coronal (linha tracejada amarela na figura 6a). O FOV deve incluir algumas imagens acima dos epicôndilos umerais (setas brancas na figura 6b) com número de imagens suficientes para incluir toda a tuberosidade radial (delimitado pela chave amarela na figura 6c). Dessa forma estarão incluídas as inserções do bíceps braquial no rádio (seta amarela) e do braquial na ulna.

Subutilização da sequência com posicionamento em flexão, abdução e supinação (FABS) – esse posicionamento  foi descrito por Giuffrè e Moss em 2004, em que o paciente fica com o cotovelo em flexão, o ombro em abdução e  o antebraço em supinação, conhecido como posicionamento FABS (figura 8). No plano sagital de rotina com o cotovelo estendido o bíceps distal tem trajeto oblíquo e sofre o efeito de volume parcial. O posicionamento FABS permite a visualização da unidade miotendínea do bíceps em apenas uma imagem (figura 9), sendo útil na confirmação das roturas completas e para mensuração mais acurada do “gap” e da retração tendínea. Embora inicialmente descrita para melhor avaliação das roturas do bíceps distal, como o braquial tem trajeto paralelo ao bíceps o posicionamento FABS também auxilia seu diagnóstico (figura 10).

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Figura 8 (a-b): Posicionamento FABS descrito por Giuffrè e Moss, retirado do artigo Giuffrè BM, Moss MJ. Optimal Positioning for MRI of the Distal Biceps Brachii Tendon: Flexed Abducted Supinated View. AJR 2004;182:944–946.

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9 (a-b): Posicionamento FABS na ponderação DP com supressão de gordura em outro paciente mostrando o tendão do bíceps braquial em toda a sua extensão (setas brancas) e sua inserção na tuberosidade do rádio (9a). Imagem localizadora de referência à direita, onde a reta amarela indica o plano da imagem perpendicular ao rádio.

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10 (a-b): Posicionamento FABS na ponderação DP com supressão de gordura do mesmo paciente da figura 9 mostrando o tendão do braquial em toda a sua extensão (setas amarelas) e sua inserção na ulna (10a). Imagem localizadora de referência à direita, onde a reta amarela indica o plano da imagem perpendicular ao rádio. Note como a inserção do braquial é proximal ao bíceps; logo, ao incluir a tuberosidade radial também estará incluída a inserção do braquial.

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11: Posicionamento FABS na ponderação DP com supressão de gordura em outro paciente mostrando que às vezes é possível identificar os tendões do bíceps braquial (setas brancas) e do braquial (setas amarelas) na mesma imagem devido ao seu trajeto paralelo.

Para maiores detalhes veja o  protocolo completo da RM do cotovelo com as marcações corretas nos diversos planos na página PROTOCOLOS. 

LEITURA SUGERIDA

Brachialis Muscle Tendon Rupture of the Distal Ulnar Attachment in a Competitive Weight Lifter. Curry EJ, Cusano A, Elattar O, Bogart A, Murakami A, Li X. Orthopedics. 2019; 42(3):e339-e342. doi: 10.3928/01477447-20190221-04.

 

Sharma P, Mehta N, Narayan A. Isolated Traumatic Brachialis Muscle Tear: A Case Report and Review of Literature. Bull Emerg Trauma. 2017;5(4):307-310. doi: 10.18869/acadpub.beat.5.4.476.

 

Marnitz T, Spiegel D, Hug K, Hüper M, Gerhardt C, Steffen IG, Denecke T, Greiner S, Scheibel M, Elgeti FA. MR imaging findings in flexed abducted supinated (FABS) position and clinical presentation following refixation of distal biceps tendon rupture using bioabsorbable suture anchors. Rofo 2012;184(5):432-6. doi: 10.1055/s-0031-1299291.

 

Giuffrè BM, Moss MJ. Optimal Positioning for MRI of the Distal Biceps Brachii Tendon: Flexed Abducted Supinated View. AJR 2004;182:944–946. doi: 0361–803X/04/1824–944.

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