Criança de 9 anos, do sexo feminino, apresentando abaulamento com tumoração palpável na face lateral da coxa distal esquerda. Solicitada ressonância magnética (RM) do joelho:
Figura 1 (a-b): Imagens de RM do joelho no plano coronal nas ponderações T1 (1a) e DP com supressão de gordura (1b).
Figura 2 (a-b): Imagens de RM do joelho no plano transversal nas ponderações DP (2a) e DP com supressão de gordura (2b).
Figura 3 (a-b): Imagens de RM do joelho no plano sagital nas ponderações DP (3a) e T2 (3b).
Sete anos depois, aos 16 anos, apresentou dor na face lateral da coxa distal, quando realizou RM da coxa distal:
Figura 4 (a-c): Imagens consecutivas de RM da coxa distal no plano coronal nas ponderações DP com supressão de gordura (4a), T1 (4b) e T1 com supressão de gordura após injeção venosa de gadolínio (4c). Gd – gadolínio.
Figura 5 (a-c): Imagens consecutivas de RM da coxa distal no plano transversal nas ponderações DP com supressão de gordura (à esquerda), T1 (no centro) e T2 (à direita).
Figura 6 (a-c): Imagens consecutivas de RM da coxa distal no plano sagital nas ponderações DP com supressão de gordura (6a), T2 (6b) e T1 com supressão de gordura após injeção venosa de gadolínio (4c). Gd – gadolínio.
Figura 7 (a-d): Imagens de RM da coxa distal no plano transversal nas ponderações T2 (7a), mapa ADC (7b) e difusão com b100 (7c) e b800 (7d).
Descrição dos achados
Figura 1 (a-b)’: Imagens de RM do joelho no plano coronal nas ponderações T1 (1a’) e DP com supressão de gordura (1b’) mostrando osteocondroma pedunculado (setas brancas) na face lateral da região metafisária distal do fêmur, logo acima da placa fisária (setas rosa), que tem continuidade com a medula óssea e o córtex subjacente. Na periferia da lesão há capa de sinal intermediário em T1 (seta verde) e alto sinal em DP com supressão de gordura (seta amarela) representando o capuz cartilaginoso.
Figura 2 (a-b)’: Imagens de RM do joelho no plano transversal nas ponderações DP (2a’) e DP com supressão de gordura (2b’) mostrando a continuidade do osteocondroma (seta branca) com o osso normal subjacente e o capuz cartilaginoso com sinal elevado em DP (seta laranja) e, principalmente, em DP com supressão de gordura (seta amarela).
Figura 3 (a-b)’: Imagens de RM do joelho no plano sagital nas ponderações DP (3a’) e T2 (3b’) mostrando o osteocondroma (setas brancas) em visão lateral, logo acima da placa fisária (setas rosa).
No exame realizado aos 16 anos foram observadas algumas modificações no osteocondroma na face lateral do fêmur distal:
Figura 4 (a-c)’: Imagens consecutivas de RM da coxa distal no plano coronal nas ponderações DP com supressão de gordura (4a’), T1 (4b’) e T1 com supressão de gordura após injeção venosa de gadolínio (4c’) mostrando que o osteocondroma pedunculado (setas brancas) na face lateral da região metafisária distal do fêmur está agora mais afastado da placa fisária (setas rosa), na região metadiafisária. O capuz cartilaginoso está mais espesso no exame atual (setas amarelas) e há também infiltração líquida e realce pelo contraste nas partes moles adjacentes (setas azuis). Gd – gadolínio.
Figura 5 (a-c)’: Imagens consecutivas de RM da coxa distal no plano transversal nas ponderações DP com supressão de gordura (à esquerda), T1 (no centro) e T2 (à direita) mostrando o osteocondroma (setas brancas), o capuz cartilaginoso (setas amarelas) e o edema nas partes moles adjacentes (setas azuis).
Figura 6 (a-c)’: Imagens consecutivas de RM da coxa distal no plano sagital nas ponderações DP com supressão de gordura (6a’), T2 (6b’) e T1 com supressão de gordura após injeção venosa de gadolínio (4c’) mostrando o osteocondroma (setas brancas), o capuz cartilaginoso (setas amarelas) e a infiltração líquida com realce pelo meio de contraste nas partes moles adjacentes (setas azuis). Gd – gadolínio.
Figura 7 (a-d)’: Imagens de RM da coxa distal no plano transversal nas ponderações T2 (7a’), mapa ADC (7’b) e difusão com b100 (7c’) e b800 (7d’) mostrando que o osteocondroma (setas brancas) não apresente restrição à difusão. O hipersinal na difusão (setas vermelhas) corresponde à infiltração líquida adjacente.
Discussão
O osteocondroma é o tumor ósseo mais comum, correspondendo a 10 a 15% de todos os tumores ósseos e de 20 a 50% de todos os tumores ósseos benignos.
São também conhecidos como exostose osteocartilaginosa ou apenas exostose. Embora classificados como tumores benignos de linhagem condrogênica (quadro 1), alguns autores consideram a possibilidade do osteocondroma representar uma alteração do desenvolvimento.
Quadro 1: Tumores de linhagem condrogênica (cartilaginosos) segundo a última classificação da World Health Organization (WHO).
Os osteocondromas se desenvolvem durante a infância, com predileção pelo sexo masculino (2-4:1).
O mecanismo de formação do osteocondroma parece ser decorrente da separação de um fragmento da cartilagem da placa de crescimento, que sofre herniação e migra através do periósteo que recobre o osso cortical que circunda a placa fisária, embora a causa desse destacamento ainda não seja totalmente esclarecida. O fragmento cartilaginoso vai se dirigindo à região metafisária e crescendo de forma independente de acordo com o crescimento do paciente e sofre subsequente maturação com ossificação endocondral que resulta em uma excrescência óssea subperiosteal com um capuz cartilaginoso que se projeta da superfície óssea, em continuidade com o osso subjacente (figura 8).
Figura 8: Representação esquemática do desenvolvimento do osteocondroma. Um fragmento da cartilagem da placa de crescimento epifisária (seta preta) migra através do periósteo até a região metafisária (pontas de seta) crescendo de acordo com o crescimento do paciente. Ocorre subsequente maturação com ossificação endocondral que resulta em uma excrescência óssea subperiosteal (asterisco) com um capuz cartilaginoso que se projeta da superfície óssea (seta azul), em continuidade com o osso subjacente.
O osteocondroma é, portanto, composto por osso cortical e medular recoberto por um capuz de cartilagem hialina e apresenta continuidade com o osso normal subjacente. Essa continuidade é a característica patognomônica do osteocondroma (figura 9).
Figura 9 (a-b): Radiografia (9a) e reconstrução MPR no plano coronal de tomografia computadorizada (9b) do antebraço de outro paciente de 15 anos, do sexo masculino, que apresenta osteocondroma no rádio distal (setas brancas). Note que tanto nas imagens radiográficas como tomográficas é possível identificar a continuidade cortical e medular do osteocondroma com o osso subjacente.
O capuz cartilaginoso na infância apresenta espessura de cerca de 1 a 3 cm, mas no adulto possui apenas alguns milímetros ou é ausente. A RM é o método de escolha para a avaliação do capuz cartilaginoso, que costuma apresentar sinal semelhante às demais cartilagens. O sinal pode ser bem elevado nas sequências sensíveis a líquido, não devendo ser confundido com distensão bursal (veja a figura 2a'). Entretanto, em alguns casos podem ser observados sinais de matriz condroide no capuz cartilaginoso, como as calcificações em arcos e anéis e floculadas, permitindo sua identificação nas radiografias e tomografia. No entanto, a presença de calcificações em flocos muito acentuadas nas radiografias deve levantar suspeita de transformação maligna.
Os osteocondromas costumam ser primários, mas também podem ser secundários a algum fator que acarretou lesão na placa fisária com posterior migração de tecido fisário para a região metafisária, como nas fraturas de Salter-Harris, cirurgia ou radiação. A prevalência do desenvolvimento do osteocondroma em pacientes submetidos à radioterapia é de cerca de 6 a 24%, principalmente nos pacientes submetidos à radiação no corpo inteiro para tratamento de neuroblastoma ou tumor de Wilms entre os 8 meses e 11 anos de idade. O período de latência entre a radioterapia e o desenvolvimento do osteocondroma pode ser de 3 a 17 anos.
Como se originam da cartilagem da placa fisária, continuam crescendo até o fim da fase de maturação óssea de forma idêntica à placa fisária normal. Após a adolescência e maturação esquelética os osteocondromas não apresentam mais crescimento, permanecendo na vida adulta quando são frequentemente identificados como achado incidental. Note que no caso deste mês, quando o osteocondroma foi diagnosticado aos 9 anos de idade, com a placa de crescimento ainda aberta, a lesão estava localizada na metáfise femoral. Já no exame realizado após o fechamento da fise, não só houve aumento das dimensões do osteocondroma, mas a lesão apresentava localização mais proximal, na região metadiafisária, acompanhando o crescimento ósseo (figura 10). Este é o padrão de comportamento esperado do osteocondroma no esqueleto imaturo.
Figura 10 (a-b): Imagens de RM no plano coronal na ponderação T1 do exame da paciente do caso deste mês realizado aos 9 anos (10a), com a fise aberta (seta rosa), mostrando a distância do osteocondroma à placa fisária (linha tracejada branca) e o comprimento do osteocondroma (seta dupla branca). Compare com o exame realizado aos 16 anos (10b), após o fechamento da fise, onde são maiores tanto a distância do osteocondroma à região fisária (linha tracejada amarela) quanto o seu comprimento (seta dupla amarela).
Os osteocondromas são subdivididos em 2 tipos de acordo com seu formato (figura 11):
Séssil – as dimensões da base da lesão são maiores que o seu comprimento.
Pedunculado ou pediculado – base estreita.
Figura 11 (a-b): Radiografias do fêmur distal na incidência anteroposterior de dois pacientes distintos, mostrando exemplos de osteocondroma séssil (11a), onde a base (setas brancas) é maior que o seu comprimento, e de osteocondroma pedunculado (11b), onde a base é estreita (seta amarela).
Os osteocondromas pedunculados nos ossos longos apresentam características muito típicas, sendo mais fácil a identificação da continuidade da lesão com a medula óssea e o córtex adjacentes. Já no caso dos osteocondromas sésseis em ossos chatos, como os da bacia, essa continuidade pode ser de difícil caracterização nas radiografias.
Os osteocondromas podem ser solitários ou múltiplos. Os solitários são a forma mais comum, responsáveis por cerca de 85% dos casos. Quando múltiplos estão frequentemente associados a uma síndrome autossômica dominante conhecida como exostose hereditária múltipla, também conhecida como acalasia diafisária. Outra condição que está associada a múltiplos osteocondromas é a doença de Trevor (displasia epifisária hemimélica). Os osteocondromas múltiplos são também denominados exostose múltipla hereditária, exostose cartilaginosa múltipla, osteocondromatose hereditária e osteocondromatose múltipla hereditária.
Qualquer osso que se desenvolva a partir da ossificação endocondral de uma cartilagem pré-formada é susceptível ao desenvolvimento do osteocondroma. Os ossos mais frequentemente acometidos são os ossos longos dos membros inferiores (50% dos casos), sendo o joelho a localização mais frequente (40% dos casos). Em relação aos ossos isoladamente a incidência em ordem crescente seria:
Fêmur – 30% dos casos (o osso isolado mais acometido), sobretudo distal.
Tíbia – 15 a 25% dos casos, sobretudo proximal.
Úmero – 15 a 25% dos casos.
Ossos das mãos e pés – 10% dos casos.
Ossos da bacia – 5% dos casos
Escápula – 4% dos casos
Coluna – 2% dos casos (geralmente nos elementos posteriores)
Já na exostose hereditária múltipla os ossos mais acometidos são:
Joelho – 70-98% dos casos
Úmero – 50 a 98% dos casos.
Escápula e costelas – 40% dos casos
Cotovelo – 35 a 40% dos casos.
Ossos do punho – 30 a 60% dos casos
Ossos das mãos– 20 a 30% dos casos.
Ossos dos pés – 10% dos casos.
Quadril – 30 a 90% dos casos.
Ossos da bacia – 5 a 15% dos casos
A grande maioria dos osteocondromas solitários é assintomática, sendo comumente descobertos como achado incidental nos exames de imagem.
As lesões sintomáticas se manifestam antes dos 20 anos de idade em cerca de 75 a 80% dos casos e a queixa mais comum é a de uma massa palpável indolor de crescimento lento que acarreta deformidade cosmética. Outros sintomas são decorrentes dos efeitos mecânicos da lesão sobre as estruturas adjacentes e de complicações, que podem ocorrer em até 4% dos casos, principalmente nos casos de exostose hereditária múltipla.
As complicações mais comuns do osteocondroma são:
- Deformidades e anormalidades do crescimento – são mais frequentes na exostose hereditária múltipla e são a indicação mais comum de cirurgia. A falência da tubulação normal da metáfise durante o crescimento pode levar a abaulamento ósseo e mal alinhamento dos membros inferiores, sendo afetados principalmente, em ordem decrescente de frequência, o joelho, o quadril e o tornozelo. Em ossos pareados, como no antebraço e na perna, pode haver erosão ou remodelamento por pressão extrínseca do osteocondroma no osso adjacente. As deformidades mais frequentes relacionadas à osteocondromatose múltipla estão resumidas no quadro 2:
Quadro 2: Deformidades mais comuns encontradas na exostose hereditária múltipla.
Uma classificação prática proposta por Taniguchi subdividiu os pacientes com exostose hereditária múltipla em 3 grupos de acordo com o acometimento do antebraço:
Grupo I – sem acometimento do antebraço distal
Grupo II – com acometimento do antebraço distal, mas sem encurtamento do rádio ou da ulna
Grupo III – com acometimento do antebraço distal e com encurtamento do rádio ou da ulna
As crianças do grupo I costumam ter acometimento leve, com início da apresentação em idade mais avançada. Já as do grupo III costumam ter apresentação em idade mais precoce e com acometimento mais grave e maior risco de transformação maligna.
- Alteração mecânica nas estruturas adjacentes – o osteocondroma ou a deformidade associada podem ocasionar efeitos sobre os tendões e/ou ligamentos adjacentes e se insinuar em articulações, levando a tenossinovite, restrição de movimentos, destacamento de fragmentos do capuz cartilaginoso gerando corpos livres intra-articulares e osteoartrite precoce. Raramente o osteocondroma pode cursar com alterações irritativas sobre arcos costais, levando a derrame pleural, ou sobre a bexiga, causando hematúria. Os osteocondromas localizados na porção anterior das vértebras podem ocasionar disfagia e rouquidão.
- Complicações vasculares – o deslocamento de vasos adjacentes é uma situação relativamente comum nos osteocondromas maiores e assintomática na maioria dos casos. As complicações vasculares incluem compressão, estenose e oclusão tanto arterial quanto venosa, trombose e isquemia e os sintomas vasculares ocorrem nos osteocondromas solitários e múltiplos com frequência semelhante.
Os osteocondromas podem ocasionar a formação de pseudoaneurisma secundário à abrasão crônica com laceração da superfície da artéria adjacente com os movimentos normais ou microtraumatismos de repetição. A artéria poplítea é o vaso mais acometido pela alta prevalência do osteocondroma nesta localização e pela pouca mobilidade desse vaso que não permite seu deslocamento, ficando a artéria ancorada pelo osteocondroma. Outros vasos mais acometidos são as artérias femoral superficial, braquial e tibial posterior. Um caso histórico, que se acredita ser o primeiro caso documentado de pseudoaneurisma secundário a um osteocondroma, foi descrito por James Brailsford em 1934 em uma mulher de 19 anos que apresentou em 2 meses aumento progressivo de volume na porção posterior da coxa distal, achado que foi inicialmente considerado como sarcoma (figura 12), mas que na exploração cirúrgica demonstrou ser um pseudoaneurisma.
Figura 12: Imagem radiográfica em perfil com janela invertida do caso histórico descrito por James Brailsford mostrando osteocondroma na margem posterior do fêmur distal (seta branca) relacionado a pseudoaneurisma da artéria poplítea (setas vermelhas). Modificado de “Osteochondroma-induced pseudoaneurysms of the extremities mimicking sarcoma: a report of seven contemporary and one historical case”, Clin Radiol. 2020 Aug;75(8):642.e9-642.e13. que retirou a imagem da 5ª edição do livro texto de Brailsford de 1953.
Mesma nas imagens de RM o pseudoaneurisma secundário a osteocondroma pode simular um sarcoma de partes moles (figura 13).
Figura 13 (a-b): Imagens de RM no plano sagital nas ponderações T1 (13a) e GRE (13b) mostrando caso de osteocondroma na margem posterior do fêmur distal (seta branca) de adolescente de 15 anos do sexo masculino relacionado a pseudoaneurisma da artéria poplítea (setas vermelhas) que se apresenta como formação expansiva heterogênea com áreas de sangramento repetitivo. As áreas de sangramento mais recente apresentam alto sinal em T1 e a hemossiderina depositada na periferia do pseudoaneurisma tem marcado baixo sinal na sequência GRE. Modificado de “Osteochondroma-induced pseudoaneurysms of the extremities mimicking sarcoma: a report of seven contemporary and one historical case”, Clin Radiol. 2020 Aug;75(8):642.e9-642.e13.
- Comprometimento neurológico – ocasionado por compressão nervosa pelo osteocondroma. Pode ser:
Central – nos casos dos osteocondromas na base do crânio, na coluna vertebral e na cabeça dos arcos costais que levam a compressão de nervos cranianos, radiculopatia, estenose espinhal, síndrome da cauda equina e mielomalácia. O osteocondroma espinhal está presente em 1 a 4% dos casos solitários e em 1 a 9% dos pacientes com exostose hereditária múltipla. Mas, mesmo nos casos de pacientes com osteocondromas múltiplos, a lesão espinhal costuma ser solitária. Entretanto, sintomas mielopáticos secundários a osteocondromas na coluna estão presentes em 37% dos casos solitários e em 77% dos pacientes com exostose hereditária múltipla. A coluna cervical é a mais frequentemente acometida (cerca de 50% dos casos), sobretudo em C2, seguida da coluna torácica, onde há predileção por T8 e T4, e por último, a coluna lombar.
As lesões nos elementos posteriores das vértebras (lâmina ou processo espinhoso) são tipicamente grandes e se manifestam clinicamente na infância como uma massa palpável e deformidade cosmética, mas sem ocasionar sintomas neurológicos. Já os osteocondromas que se estendem ao canal vertebral costumam ser pequenos e de difícil detecção nas radiografias, mas estão mais associados a sintomas neurológicos. Embora a RM seja a modalidade de escolha na avaliação da medula espinhal e na relação do osteocondroma com as estruturas adjacentes, a lesão pode se manifestar com sinal semelhante à gordura pelo conteúdo medular, podendo ser confundida com tumor de linhagem lipomatosa. Nesses casos a TC é a modalidade de escolha, pois permite melhor caracterização da lesão e de sua continuidade com a medula óssea e o córtex adjacentes.
Periférico – nos casos dos osteocondromas que comprimem nervos periféricos, sendo os locais mais frequentes a compressão dos nervos fibular e radial.
- Bursite – ocorre em cerca de 1,5% dos osteocondromas em locais onde o movimento causa fricção entre o osteocondromas e as estruturas adjacentes. Os locais mais comuns são a escápula (mais de 50% dos casos), pequeno trocânter do fêmur e ombro. A bursa é recoberta por sinóvia e pode apresentar inflamação, infecção ou hemorragia. Além disso, a presença de corpos condrais ou fibrina no interior da bursa pode cursar com condrometaplasia levando à condromatose sinovial secundária. Clinicamente, o aparecimento da bursa costuma se apresentar como uma massa palpável que pode ter crescimento rápido, simulando transformação maligna, principalmente quando ocorre após o fechamento da fise e é dolorosa. É importante não confundir a bursa com o capuz cartilaginoso espesso, sobretudo quando se observa áreas de mineralização condroide no seu interior decorrentes dos fragmentos intrabursais. A ultrassonografia pode ser útil nessa diferenciação, identificando a coleção anecoica com reforço acústico posterior nos casos de bursite e a cartilagem hipoecoica sólida do capuz cartilaginoso.
- Fratura – é uma complicação incomum resultante de trauma local e que tipicamente ocorre no colo dos osteocondromas pedunculados, sobretudo no joelho. Costumam consolidar, com formação de esclerose e calo ósseo, não havendo na literatura incidência significativa de não-união. Já foram reportados casos de osteocondroma solitário que sofreram regressão ou reabsorção espontânea e também após fratura.
- Transformação maligna – o osteocondroma apresenta potencial muito baixo de malignização quando esporádico e solitário (menos de 1% dos casos). O risco já aumenta para 3 a 5% nos casos de exostose hereditária múltipla, com alguns autores referindo incidência de até 25%. Embora raro, pode também ocorrer nos osteocondromas induzidos pela radioterapia.
A transformação maligna do osteocondroma resulta quase sempre no condrossarcoma originário do capuz cartilaginoso, embora já tenham sido descritos raros casos esporádicos de osteossarcomas se originando da base de osteocondromas pedunculados.
Os locais com maior predisposição à malignização são os ossos da bacia, quadril e ombro.
O condrossarcoma que se origina de um osteocondroma também é conhecido como condrossarcoma secundário ou periférico e representa 8% de todos os condrossarcomas. Costuma ser solitário e de baixo grau em 67 a 85% dos casos e a cirurgia se mostra curativa em 70 a 90% dos tumores. A transformação maligna antes dos 20 anos de idade é muito rara, portanto, dor e crescimento do osteocondroma após a maturação óssea é que devem levantar suspeita. A malignização costuma ser mais precoce na exostose hereditária múltipla, ocorrendo em média entre 25 e 30 anos de idade, em comparação com os osteocondromas solitários, que ocorre geralmente dos 50 aos 55 anos.
Os critérios de suspeição para transformação sarcomatosa do osteocondroma foram descritos pelo mnemônico em inglês “GLAD PAST”:
- Crescimento após a maturação esquelética (Growth after skeletal maturity)
- Surgimento de novas áreas radiolucentes (Lucency - new)
- Surgimento de áreas adicionais de captação na cintilografia (Additional scintigraphic activity)
- Destruição da cortical ou erosão no osso adjacente (Destruction -cortical)
- Dor após a puberdade (Pain after puberty) And
- Massa de partes moles (Soft tissue mass), especialmente quando apresenta calcificações irregulares
- Espessamento do capuz cartilaginoso maior que 1,5 cm (Thickened cartilage cap greater than 1.5 cm)
É importante enfatizar que o osteocondroma e o capuz cartilaginoso costumam crescer na infância em resposta ao crescimento esquelético ativo, com a capa cartilaginosa podendo apresentar até 3 cm de espessura, o que não deve ser interpretado como sinal de transformação maligna no esqueleto imaturo. O capuz cartilaginoso nos condrossarcomas secundários pode variar de 1,5 a 12,0 cm, com média aproximada de 5,5 a 6,0 cm. Em algumas séries foi observado que 81% dos osteocondromas benignos apresentam capuz cartilaginoso < 1 cm, enquanto 81% dos condrossarcomas secundários apresentam capuz cartilaginoso > 2 cm de espessura
O diagnóstico do osteocondroma é radiográfico. Entretanto, muitas vezes encontramos osteocondromas nos exames de USG, TC ou RM realizados por outro motivo, como achado incidental, para esclarecimento de dor e aumento do volume, principalmente em localizações atípicas, e na avaliação de alguma complicação de osteocondromas já conhecidos. O tecido cartilaginoso da exostose pode apresentar hipercaptação do radiofármaco na cintilografia óssea tanto nos casos benignos quanto na transformação maligna e, por isso, não teria grande valor na avaliação dos osteocondromas. Entretanto, um dos critérios de suspeição de transformação maligna é o surgimento de áreas adicionais de captação na cintilografia óssea, embora esse método não seja mais muito utilizado.
Os diagnósticos diferenciais do osteocondroma são mais desafiadores principalmente nos osteocondromas sésseis, uma vez que os osteocondromas pedunculados têm aspecto de imagem muito típico. Os principais diagnósticos que podem ser confundidos com o osteocondroma seriam:
Fraturas não consolidadas
Proliferação osteocondromatosa paraosteal bizarra (POPB) nos casos dos osteocondromas nas mãos
Esporão supracondilar no úmero
Osteossarcoma paraosteal (no caso dos osteocondromas sésseis)
Na maioria dos casos os osteocondromas não requerem tratamento. A ressecção costuma estar indicada pelos efeitos mecânicos compressivos e questões cosméticas e nos casos de transformação em condrossarcoma. A recorrência local é rara nas lesões benignas, estimada em cerca de 2% dos casos, e baixa mesmo nas lesões malignas, com incidência estimada em até 15% dos casos, devido à semeadura de células cartilaginosas no leito cirúrgico.
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